sábado, 31 de janeiro de 2009

Bioética, utopia e realidade

Carlos Alberto Pessoa Rosa*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Se a fertilização in vitro suscitou várias questões éticas cujo consenso está distante de ser alcançado, a utilização de embriões para obtenção de células-tronco com objetivo diagnóstico e terapêutico, com suas implicações científicas e mercadológicas, tornou essa discussão mais complexa ainda.

Logicamente, precisamos separar o desejo de o homem alcançar a imortalidade daquilo que a ciência hoje nos oferece de concreto. Muito do que se diz sobre utilização de células-tronco embrionárias como forma de tratamento encontra-se no campo especulativo. Separar a utopia da realidade é papel da ciência, mas interesses industriais e comerciais começam a contaminar com suas táticas mercadológicas a sociedade.

Células-tronco, sensacionalismo e neutralidade

Até o presente momento, o resultado da utilização de células-tronco embrionárias no tratamento de doenças como acidente vascular cerebral isquêmico, doença de Parkinson e trauma de medula é especulativo, estando mais próximo do sensacionalismo midiático que da neutralidade científica e necessitando-se - resolvidas questões éticas - de protocolos rigorosos de pesquisa científica.

O primeiro desafio apresentado é chegar a um consenso entre a visão religiosa, que insiste em definir um ponto para o embrião ser considerado uma pessoa humana, e a ciência, que não aceita essa visão pontual, de um momento preciso em que se pudesse dizer "eis um homem".

Um estatuto do embrião humano

Questões quanto à natureza do embrião humano, o tipo de proteção que lhe será dedicado, se poderá ou não ser utilizado livremente na investigação científica, deverão ser resolvidas. Um estatuto, assim como há o da criança, do adolescente e do adulto está em estudo, mas há quem pense ser infrutífero esse caminho, acreditando que, em uma sociedade democrática e pluralista, o estatuto jurídico independe do estatuto moral do embrião humano, como é o caso do jurista austríaco W. Lang.

Resolvidas questões quanto ao status do embrião, existem outras, não menos importantes, como aquela que questiona se não haveria outros meios de realizar os ensaios experimentais - há quem enfoque a pesquisa nas substâncias químicas que modelam e definem o desenvolvimento e função celular -, a questão do consentimento do casal de progenitores e de quem deve autorizar pesquisas relacionadas às células-tronco.

Entre a utopia e a realidade

No momento, entre a utopia e a realidade, onde nos encontramos? Há quem acredite prematuro o uso dessa técnica para propósitos terapêuticos, sendo de valor, atualmente, apenas para fins de pesquisa. Ainda há muito que se conhecer sobre a biologia básica dessas células, o que poderá ser respondido pelo estudo de células adultas, encontradas no fígado e na medula óssea, por exemplo.

Mas elas não poderão, pelo determinante genético, ser utilizadas para o tratamento de todas as doenças - pois não haveria lógica em se implantar uma célula que participou do surgimento da doença que queremos tratar. É necessário, portanto, muito trabalho experimental antes de se propor efetivamente seu uso terapêutico.

A ciência e a mídia têm um papel ético a cumprir no momento, o de poupar os doentes de esperanças que podem não ser cumpridas durante suas vidas, desviando-os da realidade presente.

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