quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Honduras seguirá a sua vida e Brasil termina como perdedor na crise

por Gustavo Chacra

O Congresso de Honduras, eleito democraticamente, determinou que o presidente deposto, Manuel Zelaya, não retorne ao cargo. A Suprema Corte, que representa o poder judiciário, sempre se manifestou contra. As Forças Armadas, ao longo de cinco meses de crise, não apresentou um racha. Nem mesmo quando Zelaya retornou a Honduras. Nenhum sargento, nenhum major, nenhum coronel, nenhum general se levantou para lutar contra o governo de facto.

As eleições presidenciais foram livres e ocorreram sem problemas. O presidente eleito, Pepe Lobo, integra um partido opositor ao de Roberto Micheletti. Aliás, Micheletti é do mesmo Partido Liberal de Zelaya. O presidente foi deposto depois de tentar levar adiante uma reforma constitucional, indo contra o artigo 239 da Constituição hondurenha. Foi removido do cargo. Micheletti, presidente do Congresso, assumiu o poder, conforme prevê a lei.

Verdade, não existe nada dizendo que Zelaya deveria ser removido no meio da madrugada e expulso de Honduras. Os responsáveis por esta ação precisam ser punidos. Porém o presidente deposto desrespeitou a Constituição e perdeu os poderes conforme está previsto no artigo que citei acima - não existe impeachment em Honduras e a remoção é automática.

Eu estive em Honduras por duas ou três semanas ao desembarcar um dia depois da deposição. Na época, a minha percepção era de que os hondurenhos, na sua maioria, apoiavam a remoção de Zelaya. Nas manifestações a favor do governo de facto, vi pessoas de todoas as classes, idades e profissões. Ja nas de Zelaya, eram membros de sindicatos, professores e alguns universitários, além de nicaraguenses enviados por Ortega e Chávez.

Agora, Honduras terá um novo presidente. Países como os Estados Unidos já reconheceram. E o Brasil permanecerá com Zelaya dentro de sua Embaixada em Tegucigalpa. Difícil imaginar um perdedor maior em toda esta crise.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Afeganistão e o azar de Obama de ter o Bush errado como antecessor

por Gustavo Chacra

Bill Clinton e Barack Obama tiveram antecessores que se chamavam George Bush. Mas a herança do marido da secretária de Estado foi incomparavelmente melhor do que a do atual ocupante da Casa Branca. Basicamente, porque o Bush-Pai era realista e o Bush-Filho um neo-conservador - lembre que Clinton e Obama são liberais.

Em 1990, pouco depois do fim da Guerra Fria, Saddam Hussein ocupou o Kuwait. Os EUA possuem enormes interesses no território kuwaitiano – no caso, o petróleo. Bush deu um ultimato para Saddam, um antigo aliado americano, se retirar do país vizinho. Ao mesmo tempo, montou uma coalizão com o apoio de quase todos os países árabes e de muitos ao redor do mundo.

Como o líder iraquiano não respeitou a exigência de se retirar, Bush-Pai ordenou um ataque que, em poucos dias, conseguiu obrigar os iraquianos a deixarem o Kuwait e ainda impôs uma série de medidas restritivas a Saddam. O Kuwait ficou livre, o petróleo voltou a circular e Saddam ficou enfraquecido no poder, mas servindo ainda como um tampão para o regime iraniano não expandir a sua influência pelo Oriente Médio. Para completar, as baixas civis foram mínimas e praticamente nenhum americano morreu. Bush-Pai e seu secretário de Estado, James Baker, são realistas.

Depois do 11 de Setembro, Bush-Filho atacou o Afeganistão. E também contou com o apoio de uma coalizão internacional. Seu objetivo era bem mais amplo e ambicioso. Eliminar a rede terrorista Al Qaeda e remover o Taleban do poder. Conseguiu apenas a segunda. Foi uma guerra realista.

O erro ocorreu em 2003. Bush deixou o realismo e agiu de uma forma descrita como neo-conservadora. O Iraque não havia atacado os EUA, não possuía armas de destruição em massa, estava sob restrições impostas pela ONU e ainda servia como tampão para o Irã, conforme explicado acima. Basicamente, a única justificativa para atacar Saddam, que nada tinha a ver com a Al Qaeda, seria implementar a democracia no Iraque. Esta não é uma política realista e esteve restrita apenas aos iraquianos, afinal Egito, Jordânia e Arábia Saudita não são democráticos e, mesmo assim, mantêm alianças com os americanos.

Ao priorizar esta guerra neo-conservadora em detrimento da realista, no Afeganistão, Bush-Filho se perdeu. No final, depois do bem sucedido surge (uma estratégia realista, que enxerga a situação como ela é, defendendo acordos com líderes tribais) e com dezenas de milhares de mortos, incluindo 4 mil americanos – mais do que no 11 de Setembro –, o ex-presidente ordenou a retirada. Mas a herança para Obama estava no Afeganistão, a guerra realista e esquecida. O Taleban havia se fortalecido, o Paquistão se deteriorado e com bases da Al Qaeda.

Agora, oito anos depois, Obama, um liberal, terá a sua guerra. Clinton, outro liberal, não teve este problema, porque o Bush-Pai-Realista deixou a casa arrumada para ele. O Bush-Filho-Conservador não. Vamos ver como o Nobel da Paz irá se sair. O problema é que, neste caso, a Guerra do Afeganistão, realista há oito anos, se tornou praticamente neo-conservadora. Uma difícil batalha para um liberal.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Hondurenhos ensinam ao chavismo o que é democracia

por Marcos Guterman

Honduras deu ao chavismo uma lição de democracia. Mesmo numa situação de forte tensão, criada pela inabilidade do governo de facto e pela irresponsabilidade do deposto Manuel Zelaya, os hondurenhos foram às urnas para escolher seu novo presidente. A eleição transcorreu sem problemas e com grande afluência de eleitores – maior do que quando Zelaya foi eleito, o que tornou inevitável considerá-la legítima. Assim, países e entidades que antes ameaçavam não reconhecer o resultado, como Espanha e União Européia, começavam a sinalizar um recuo, antes de mais nada por respeito à vontade soberana dos hondurenhos.

Apesar disso, Lula ainda mantinha nesta segunda-feira um discurso intransigente e descolado da realidade. Disse que não reconheceria as eleições porque Zelaya “não coordenou o processo”. Mas a função de coordenar eleições em Honduras (como de resto em qualquer país em que vigora a separação de Poderes) não é do presidente, mas da Justiça e de órgãos específicos. Zelaya não poderia coordenar nada, porque obviamente era parte interessada. Esse detalhe escapou a Lula. A restituição de Zelaya e a realização das eleições sempre foram problemas distintos, e o acordo hondurenho previa que Zelaya só voltaria ao poder se o Congresso assim determinasse – como viu que não conseguiria votos suficientes para voltar, o deposto esperneou e rasgou o acordo, recebendo o alegre e irresponsável apoio brasileiro.

Lula disse ainda que não reconhecer a eleição em Honduras era uma forma de “alerta para outros aventureiros” e afirmou que os descontentes com um presidente “têm o Congresso, têm a Justiça local para recorrer”. Ora, foi justamente isso o que aconteceu em Honduras: Manuel Zelaya estava a caminho de alterar a Constituição para se reeleger indefinidamente, como manda o script chavista, e foi impedido pelo Congresso e pela Suprema Corte. Tudo dentro da lei – se erro houve, foi o modo como Zelaya foi defenestrado do país.

Outro argumento é o de que a eleição de domingo “não foi livre nem limpa”, como escreveu Claudia Antunes na Folha desta segunda-feira. Segundo esse raciocínio, a “militarização” do país e o conseqüente constrangimento de eleitores, a suposta dificuldade de simpatizantes de Zelaya de participar do processo e a repressão a meios de comunicação zelaystas provam que o pleito não foi legítimo. Ora, se a votação em Honduras não pode ser considerada legítima por causa desses fatores, então nenhuma votação na Venezuela pode.

Na Venezuela, para refrescar a memória, a imprensa opositora é sistematicamente perseguida, dissidentes estão presos, o governo mantém milícias de estilo cubano nos bairros, a Suprema Corte, o Congresso e o Conselho Nacional Eleitoral são controlados pelo caudilho e a figura onipresente de Chávez inibe quem ousa desafiá-lo nas urnas. Aquilo que em Honduras foi pontual e circunstancial, na Venezuela é parte do infeliz cotidiano dos cidadãos. No entanto, o governo brasileiro jamais questionou a lisura dos inúmeros plebiscitos venezuelanos – aliás, Lula já disse que o problema da Venezuela é “excesso de democracia”.

Mas parece que o bom senso está emergindo mesmo dentro do governo Lula, que já sugere mudar de posição, e o processo de transição em Honduras enfim se dará sem a interferência nociva do chavismo – este sim, o maior problema atual do continente latino-americano, que envenena relações, mina a economia e assenta-se sobre a mentira para prevalecer.