Liderados por monges budistas, dezenas de milhares de manifestantes tomaram as ruas de Mianmar (a antiga Birmânia) pedindo democracia e o fim da repressão militar. Os protestos, realizados há vários dias consecutivos, já são considerados o maior levante popular dos últimos anos contra a junta militar que governa o país do Sudeste Asiático.
O governo já impôs um toque de recolher nas duas principais cidades do país, Yangun (a antiga capital) e Mandalay, proibiu a reunião de grupos de mais de cinco pessoas e colocou tropas para patrulhar ruas e templos.
Há temores de que se repitam os episódios de 1988, quando as últimas manifestações pró-democracia realizadas em Mianmar foram reprimidas violentamente pela junta militar, em confrontos que deixaram cerca de 3 mil mortos.
Saiba mais sobre o que provocou os protestos, quem são os envolvidos e o que esse levante pode significar para o país do Sudeste Asiático.
Em 15 de agosto, o governo de Mianmar decidiu aumentar o preço do combustível. Tanto o preço do petróleo quanto o do óleo diesel dobraram, e o preço gás natural comprimido - usado em ônibus - aumentou cinco vezes.
Esses aumentos de preços tiveram um forte impacto na população de Mianmar. Eles acabaram provocando um aumento nos preços do transporte coletivo e em gêneros de primeira necessidade, como arroz e óleo de cozinha.
As manifestações iniciais foram lideradas por ativistas pró-democracia e ocorreram em Yangun (ex-Rangum), a antiga capital e principal cidade do país.
No dia 29 de agosto, cerca de 400 pessoas marcharam pelas ruas da cidade, no que foi, até aquele momento, a maior manifestação realizada no país em vários anos. O governo militar de Mianmar agiu rapidamente para sufocar os protestos e prendeu dezenas de ativistas. No entanto, continuaram a ser realizados protestos em diversas partes do país.
Muitos monges começaram a participar dos protestos depois que soldados reprimiram de forma violenta uma manifestação pacífica na cidade de Pakokku, no centro do país, no dia 5 de setembro. Nesse episódio, pelo menos três monges ficaram feridos. No dia seguinte, membros das forças de segurança de Mianmar foram capturados por monges de Pakokku e mantidos reféns por algum tempo.
Os monges também deram um prazo, até 17 de setembro, para que o governo pedisse desculpas pelo episódio de violência. No entanto, o governo não se manifestou sobre o caso. Quando o prazo chegou ao fim, os monges começaram a protestar, em número cada vez maior. Eles também se negaram a oferecer seus serviços religiosos a membros da junta militar e seus familiares.
Desde então, têm sido realizados protestos diários, tanto em Yangun quanto em outras cidades. As manifestações ganham a adesão de mais pessoas a cada dia e já envolvem dezenas de milhares de monges.
A participação dos monges nos protestos é muito importante, porque há centenas de milhares deles em Mianmar e porque são venerados no país. Historicamente, os religiosos têm papel importante em protestos políticos em Mianmar.
Essa influência fez com que membros do governo tentassem cortejar muitos religiosos de alta hierarquia. O fato de esses religiosos terem escolhido silenciar é interpretado por muitas pessoas como um sinal de que eles aceitam os protestos.
Analistas acreditam que qualquer ação violenta contra os monges poderá provocar um levante nacional de grandes proporções. Para alguns monges, sim. No entanto, para outros, a questão já foi muito além disso.
Um grupo denominado Aliança de Todos os Monges Budistas da Birmânia passou a liderar os protestos. Em 21 de setembro, esse grupo divulgou uma declaração em que descreve a junta militar que governa o país como "o inimigo do povo".
Eles prometeram manter os protestos até que tenham "varrido a ditadura militar da terra da Birmânia". Também fizeram um apelo para que a população de todo o país se una às manifestações.
Em uma das marchas, os manifestantes passaram perto da casa da principal líder da oposição, Aung San Suu Kyi - que está em prisão domiciliar -, ligando claramente o movimento liderado pelos monges ao desejo de mudanças no governo. Nos primeiros dias de protestos, a população não parecia estar envolvida. Segundo analistas, as pessoas estavam com muito medo de sofrer retaliações do governo.
No entanto, isso foi mudando gradualmente, à medida que as manifestações aumentaram. Imagens de um dos protestos iniciais mostravam pessoas alinhadas ao longo das ruas enquanto os monges marchavam, formando uma corrente para protegê-los de qualquer retaliação dos soldados.
Em 24 de setembro, milhares de pessoas responderam à convocação dos monges e aderiram a um grande protesto em Yangun. Membros da Liga Nacional pela Democracia, o partido de Aung San Suu Kyi, que no início se distanciaram das manifestações, agora também já aderiram aos protestos.
Aqueles protestos foram iniciados por estudantes e, gradualmente, ganharam a adesão de monges e da população. A tensão culminou com um levante nacional no dia 8 de agosto de 1988, quando centenas de milhares de pessoas marcharam pelas ruas do país para exigir uma mudança no governo.
A junta militar enviou tropas para sufocar o protesto. Acredita-se que pelo menos 3 mil pessoas morreram nos confrontos. Depois de manter o silêncio no início, o governo militar disse que está pronto para "agir" e impôs medidas para conter os protestos.
No dia 25 de setembro, foi declarado um toque de recolher em Yangun e Mandalay, com vigência de 60 dias, no período do anoitecer até o amanhecer. Também foi proibida a reunião de grupos de mais de cinco pessoas. Soldados e tropas de elite foram colocados nas ruas e nos templos.
Os líderes militares do país ficam baseados na nova capital, Nay Pyi Taw, o que os mantêm um pouco afastados dos protestos, realizados principalmente em Yangun e outras cidades. No entanto, muitos temem que se repitam os episódios de violência de 1988.