NOISY-LE-GRAND – Em uma grande televisão de tela plana, os Chabchoubs, uma família de imigrantes da Tunísia, assistiam mães lamentando aflitas sobre corpos de crianças e pais chorando silenciosamente. As pilhas de pedregulhos, crianças mancando cobertas de cinzas – tudo isso televisionado diretamente de Gaza para suas salas de estar, em um subúrbio da classe trabalhadora de Paris.
Para os Chabchoubs, como muitos dos cerca de cinco milhões de muçulmanos que vivem na França, Gaza parece muito mais perto por causa de seus canais de língua árabe como a “Al Jazeera”, que tinha acesso à zona de guerra, diferentemente da mídia ocidental.
“É bom que o conflito tenha parado, mas isso não quer dizer que nós esqueceremos”, disse Enis Chabchoub, 29, técnico de computador que estava assistindo ao noticiário com seus pais, seus irmãos e sua cunhada. “Esta guerra será lembrada, e não apenas em Gaza”.
Governo
Na França, lar das maiores comunidades judaicas e muçulmanas da Europa Ocidental, o conflito entre o Hamas e Israel inflamou as emoções nas últimas três semanas. Fortemente expressadas em manifestações que levou milhares de pessoas às ruas, foi um fator que conduziu os esforços diplomáticos dos líderes franceses, incluindo o presidente Nicholas Sarkozy, a buscar um cessar-fogo duradouro.
“As emoções do Oriente Médio estão em nossas ruas”, disse Jean-David Levitte, consultor-chefe diplomático de Sarkozy, nesta semana.
Vinte e dois dias de conflito em Gaza também levantou antigas tensões, e em alguns casos, violência, entre duas comunidades cujos membros frequentemente vivem na mesma vizinhança e suportam a discriminação.
Consequências
Algumas pessoas se preocupam com que a guerra tenha causado danos duradouros nas relações entre comunidades. Líderes judeus advertem dos riscos de um indesejável sentimento de anti-semitismo se estender na comunidade muçulmana. Já os islâmicos acusam pessoas da comunidade judaica de alimentar influências contra os muçulmanos ao deliberadamente estimular que suas diferenças são mais políticas do que religiosas.
Desde que começou a guerra de Gaza, em 27 de dezembro do ano passado, bombas foram jogadas em quatro sinagogas na França, embora a polícia diga que não há certeza de que os ataques tenham sido feitos por muçulmanos. Um estudante judeu foi atacado por jovens de origem árabe no subúrbio de Paris, e dois estuadntes muçulmanos foram atacados do lado de fora do colégio por atacantes a favor de Israel. Tanto as famílias muçulmanas como as judias disseram que houve um aumento na intimidação e no abuso verbal.
Richard Prasquier, chefe do Conselho Representativo das Instituições Judaicas francês, disse que ao menos 60 ações anti-semitas foram cometidas desde que o conflito começou, ou cinco vezes mais do que em um período normal de três semanas.
Anti-semitismo
“O anti-semitismo na comunidade muçulmana está se tornando mais ideológica, e eventos recentes poderiam reforçar isso”, disse Pasquier de seu escritório no posto de operações do conselho em Paris. “Eles não se veem como anti-semitas. Identificam-se com os palestinos que são vítimas de Israel. Mas usam praticamente os mesmos estereótipos do antigo anti-semitismo, dos judeus ricos que manipulam governos e são a origem de todo o mal.”
M’hammed Henniche da União de Associações Muçulmanas no bairro de Seine-St.-Denis no norte de Paris, que inclui o Noisy-le-Grand, viu isso de forma diferente. “Sim, há raiva, mas não é contra os judeus, é contra Israel”, disse. “O problema é que assim que você condena Israel, você é chamado de anti-semita. Para nós, não é questão de religião, mas de política”.
Mas ele também disse que o diálogo inter-religioso entre muçulmanos e judeus sofreu por causa da guerra, e em alguns casos, imediatamente, suspensos.
“Algo se rompeu”, disse.
Passado
As tensões entre muçulmanos e judeus não são novidade por aqui; uma onde de violência ocorreu durante a luta dos palestinos por um Estado, em 2000. Mas isso não é só na França, como mostrou os incêndios deliberados e ataques na Grã-Bretanha, na Dinamarca e em outros lugares da Europa. Mas o tamanho das comunidades na França tornou a tensão mais óbvia.
Além disso, há a dolorosa história colonial da França em países árabes e um pequeno, porém conhecido, movimento de impulsos tanto anti-semitas quanto xenófobos. E a relação entre franceses muçulmanos e judeus é complexa mesmo nas melhores épocas.
Afinidades
Pessoas em ambas as comunidades condenaram vigorosamente a violência recente, e ambos os lados enfatizam suas afinidades culturais.
Como a vasta maioria de muçulmanos que vivem na França, cerca de dois terços dos 600 mil judeus que moram no país, é de origem norte-africana. Os dois grupos compartilham de diversas características culturais, incluindo a culinária e os coloquialismos, e muitos muçulmanos e judeus se opõem à lei aprovada em 2004, que baniu qualquer tipo de símbolo religioso nas escolas públicas francesas, incluindo a burca muçulmana e o kipá.
Mas se muitos da geração passada ainda tiverem memórias boas da convivência pacífica entre os lados, outros se arrependem de que a atmosfera tem se acalmado gradualmente. Algumas pessoas culpam os conflitos como a guerra no Iraque ou a rixa com o Irã por causa de suas ambições nucleares por resultar no distanciamento entre as comunidades. Outros veem o surgimento dos canais de televisão por satélite como uma fonte de tensão, porque os eventos são informados de diversos e diferentes pontos de vistas políticos.
Bairros
A guerra em Gaza levantou sentimentos fortes mesmo no 19º Distrito de Paris, no extremo norte da cidade, uma das vizinhanças maiores, mais pobres e com maior diversidade étnica.
Açougueiros kosher e uma grande escola de Lubavitcher (judaísmo ortodoxo) ficam a poucos passos de uma mesquita e nenhum ataque contra judeus ou muçulmanos foram relatados na vizinhança nas últimas três semanas. Mesmo assim, as emoções estão bem fortes.
“Eles estão nos perseguindo na França, porque não podem nos pegar em Israel”, disse uma judia enquanto saía de uma sinagoga local. Ela falou sob condição de anonimato porque disse que temia por sua segurança.
A dois blocos de distância, Ahmed Bessa, 45, comerciante, disse que os judeus estão brincando com a violência na França e em vários lugares da Europa, porque a opinião pública europeia não compartilha da mesma visão da guerra em Gaza. “Eles querem se retratarem como vítimas aqui, mas sabem que não são vítimas lá”, disse.
Mas se um pensamento une pessoas de ambos os lados, essa é a esperança para uma mudança e uma resolução durável do conflito entre Hamas e Israel.
“A única forma de acabar com esse assunto”, disse Chabchoub em Noisy-le-Grand, “é se há um acordo de paz apropriado e durável.
Por KATRIN BENNHOLD
Nenhum comentário:
Postar um comentário