domingo, 18 de janeiro de 2009

Análise: O fim do neoconservadorismo?


Com o governo Bush prestes a entrar para a História, uma questão amplamente discutida é se a filosofia neoconservadora que marcou suas grandes decisões de política externa também vai sair de cena.

Tudo indica que a resposta deve ser "sim".

Mas o epitáfio do neoconservadorismo já foi escrito antes - e prematuramente, como acabamos descobrindo - nos anos 80. Ele aparentemente estava destinado à extinção no fim do governo Reagan, mas uma segunda geração de neoconservadores, ou "neocons", emergiu em meados dos anos 90.

Era a época da impressionante supremacia militar americana pós-Guerra Fria, que os neocons batizaram como "momento unipolar", e que serviu como a incubadora das idéias do neoconservadorismo moderno.

Ambição

As principais características do neoconservadorismo são:

- uma tendência a ver o mundo dividido entre o bem e o mal.
- pouca tolerância com a diplomacia
- prontidão para uso da força militar
- ênfase na ação unilateral dos Estados Unidos
- desprezo a organizações multilaterais
- foco no Oriente Médio

Entre os nomes de neocons proeminentes que acabaram por ter um papel importante do governo Bush estavam Paul Wolfowitz, Douglas Feith, Elliott Abrams, David Addington e Richard Perle, que ocuparam cargos no Departamento de Defesa e na Casa Branca.

Muitos dos neocons são judeus, mas não se pode dizer que o neoconservadorismo é um fenômeno exclusivamente judeu.

Os neocons encontraram voz na think tank American Enterprise Institute, com sede em Washington. Ali eles publicaram uma série de análises e estudos defendendo uma política externa mais rigorosa, cujo ponto principal era a rejeição às negociações convencionais no processo de paz entre israelenses e palestinos.

Eles também cultivavam a ambição de uma transformação democrática promovida pelos Estados Unidos em todo o Oriente Médio.

A primeira fase foi a retirada de Saddam Hussein do poder - o que, segundo eles, serviria como uma espécie de "exemplo" para a região.

No início do governo Bush, no entanto, as perspectivas para os neocons pareciam obscuras.

Muitos conseguiram cargos importantes, mas o próprio Bush havia prometido manter uma política externa "humilde" - o oposto do conceito neoconservador.

Nem o então secretário de Estado, Colin Powell, nem o secretário de Defesa na época, Donald Rumsfeld, eram neoconservadores.

Mas o grupo encontrou um aliado no vice-presidente, Dick Cheney. Apesar de não ser um neocon, ele foi signatário do Projeto para um Novo Século Americano, que se tornou o fórum favorito da ideologia neoconservadora.

Oportunidade

A oportunidade dos neoconservadores veio com os ataques de 11 de Setembro de 2001.

Mais do que ninguém, eles tinham uma estratégia muito bem preparada que casava com a necessidade de se dar uma resposta decisiva e incisiva.

De uma hora para outra, as idéias neoconservadoras de transformação democrática começaram a parecer como uma política razoável. Suas propostas de atacar o Iraque logo tomaram o centro das atenções.

Claramente, os neoconservadores não eram os únicos - nem os principais - atores na escalada para a guerra ao Iraque.

Mas foram suas idéias que garantiram que a resposta americana ao 11 de Setembro não se restringiu ao Afeganistão.

Eles foram, sem dúvida, os padrinhos intelectuais da guerra no Iraque.

As primeiras semanas do conflito representaram o auge dos neocons. No campo de batalha, tudo parecia estar indo como eles queriam; politicamente, seu protegido Ahmed Chalabi (polêmico chefe do principal partido de oposição a Saddam Hussein, mais tarde acusado de fraude no Iraque) parecia no rumo para ascender ao poder.

Mas conforme a invasão se tornou uma ocupação, e a insurgência iraquiana se intensificou, as idéias neoconservadoras de transformação democrática do Oriente Médio mostraram que eram o que sempre foram: uma fantasia fantástica.

Quando a elite e a opinião pública passaram a condenar a guerra, os neoconservadores começaram a deixar o governo.

Mudança

Em muitos aspectos, a eleição de 2008 representou uma rejeição direta ao estilo neoconservador de fazer política externa, baseado na extrapolação unilateralista e militar dos limites.

À primeira vista, o governo de Barack Obama parece ser o oposto completo do neoconservadorismo.

Seus instintos são multilateralistas, já que ele se disse comprometido em ratificar o Protocolo de Kyoto e acordos internacionais como a Convenção de Genebra.

Obama dá uma grande prioridade à diplomacia, estando aberto para negociar diretamente com países há muito ignorados, como o Irã e Cuba. O secretário de Defesa Robert Gates, que vai permanecer no cargo, já deixou claro que vê uma intervenção militar como o último recurso.

Além disso, a crise econômica e as custosas empreitadas no Iraque e no Afeganistão arranharam a proeminência do poderio americano. Hoje, é difícil afirmar que os Estados Unidos gozam de uma vantagem unipolar.

Por isso, a aposta mais segura é de que nós podemos dizer "adeus" aos neocons, e deixar que seu papel seja julgado pela História.

Eles próprios argumentam que fazem parte do mainstream da história americana. Mas é mais provável que passem a ser vistos como uma aberração.

Entretanto, duas coisas podem mudar esse cenário: primeiro, o outro lado da moeda do neoconservadorismo, o que pode ser chamado de "neo-humanitarismo". É a idéia de que o poderio militar americano poderia ser usado para intervir em crises como o genocídio em Ruanda ou a situação em Darfur.

Alguns dos futuros membros do governo Obama, como Susan Rice, na ONU, vão defender este ponto de vista. Tudo indica que o governo Obama vai ser cauteloso, mas se não for, o envio unilateral de tropas americanas pode voltar à agenda global.

Em segundo lugar, o governo Obama vai enfrentar assuntos pendentes com o Irã.

Os neoconservadores argumentam que o país é central na definição da política externa dos Estados Unidos e que, já que Teerã optou por não abandonar seu programa nuclear, os americanos terão que usar a força.

Mais uma vez, os primeiros sinais são de que o time de Obama, a força militar não está no topo da agenda e uma nova forma de relação pode estar sendo considerada.

Caso isso mude - possivelmente pela intransigência de Teerã - os neoconservadores estarão novamente na ativa e irão se gabar por terem sobrevivido mais um obituário prematuro.

* Jonathan Clarke é co-autor do livro 'America Alone: The Neo-Conservatives and the Global Order' (América Sozinha: Os Neoconservadores e a Ordem Global), ao lado de Stefan Halper.

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