Mais pobreza = mais degradação ambiental = mais violência. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), nos países pobres do hemisfério sul, um bilhão de pessoas não dispõe de água potável, 1,3 milhão está exposto à fuligem e à fumaça. Quase um quarto da população mundial se alimenta a um custo de três dólares por dia e essa situação tem se agravado. Em 1982, havia trinta países pobres; no ano de 2000, esse número chegou a 47.
A incapacidade do mundo de reduzir os níveis de pobreza está contribuindo para a instabilidade global, na forma de terrorismo, guerras, doenças contagiosas e degradação ambiental. Trata-se de um ciclo vicioso: a degradação ambiental exacerba a pobreza, contribuindo ainda mais para a instabilidade global. É quase impossível assegurar paz duradoura e estabilidade quando existem desigualdades imensas e os sistemas naturais que nos sustentam permanecem sob ameaça. Pouco se pode avançar em termos de conservação do meio ambiente e dos recursos naturais, se bilhões de pessoas não têm esperança ou chance de se importar com isso, pois necessitam buscar sua sobrevivência a qualquer custo, sendo esse custo geralmente ambiental.
Segundo o Instituto Worldwatch, as doenças infecciosas – muitas delas relacionadas à qualidade da água – atualmente matam duas vezes mais do que câncer. A falta de água limpa ou saneamento mata 1,7 milhões de pessoas por ano, 90% das quais são crianças. Boa parte das guerras ou conflitos armados dos últimos anos é ligada ao controle de minorias econômicas ou étnicas sobre recursos naturais valiosos, sejam eles minérios, pedras preciosas, petróleo, água ou madeira, como foi o caso de Angola. Os gastos militares de 2001 foram estimados em 839 bilhões ou 2,3 bilhões por dia (segundo PNUD). Os Estados Unidos respondem por 36% deste total mundial.
Na Eritréia, Burundi e Paquistão, as despesas militares equivalem ou superam a soma das despesas com educação e saúde. Desastres naturais – causados ou agravados por desmatamentos, ocupação territorial desordenada e mudanças climáticas – provocam o deslocamento de grandes contingentes populacionais, já chamados de refugiados ambientais. Inundações forçam a migração de habitantes de Bangladesh para a Índia, num movimento que já dura há 10 anos e tem deslocado cerca de 10 milhões de pessoas. E ainda existem outros 40 milhões de refugiados ambientais no mundo, calculando-se apenas quem saiu do país de origem, sem considerar as migrações internas e os 12 milhões de refugiados políticos, oficialmente reconhecidos como tais.
O modelo de globalização
A atual realidade brasileira chama a atenção para a enorme concentração do excedente gerado pela atividade econômica nas mãos de poucos, em detrimento de amplas camadas da população. Pressionadas pela pobreza e a necessidade instintiva de sobrevivência, essas minorias econômicas atuam de forma predatória sobre o meio ambiente, ocasionando desmatamentos de ecossistemas para moradia, alimentação, ou mesmo produção de energia. Exemplares da fauna silvestre, por exemplo, tornam-se fonte de alimentação para os excluídos. Hoje, o modelo de globalização vigente no mundo é uma das principais causas da deterioração ambiental, pois hipoteca o caráter sustentável do Planeta.
Os sistemas de livre mercado, que buscam o lucro a qualquer custo, permitem facilmente o desrespeito à natureza, cujos recursos são “gratuitos”. Os critérios que regem os sistemas de industrialização dos países desenvolvidos criaram as condições que afetam adversamente o ambiente. Desta forma, as causas da pobreza e da degradação ambiental nos países em desenvolvimento estão diretamente relacionadas com o modelo de desenvolvimento dos países industrializados, imposto aos países pobres, via FMI. Esse modelo causa danos ao meio ambiente por contribuir diretamente ao aquecimento global e a destruição da camada de ozônio e fomentar a desigualdade e a pobreza no mundo.
O desequilíbrio afeta diretamente a competitividade no comércio internacional. Os países em desenvolvimento enfrentam, em média, duas vezes mais barreiras comerciais, para seus produtos, do que os países desenvolvidos. A par disso, graças a subsídios que somam US$ 300 bilhões anuais, os produtos agropecuários dos países desenvolvidos são vendidos a preços entre 20 e 50% abaixo do custo de produção, desestruturando os produtores dos países em desenvolvimento. Aumentam, assim, os índices de desemprego e, por conseguinte, a pobreza. Quando os países pobres reclamam na OMC (Organização Mundial do Comércio) dificilmente conseguem um resultado justo a seu favor.
As diferenças também se manifestam na outra ponta do consumo, a dos resíduos. Um novo tipo de transferência de rejeitos começa a se revelar, com a descoberta de depósitos especializados em resíduos tóxicos da indústria informática, na China e na Índia. Os Estados Unidos exportam algo entre 50 e 80% do que produzem deste tipo de rejeito, apelidado de ex-lixo. É quase impossível preservar o meio ambiente se continuamos com um enorme desnível de renda, desnível alimentar, desnível de valores e desnível de educação. Não se conseguiu uma sensível diminuição em nenhum desses desníveis. Nem os esforços da ONU, nem os grandes investimentos de capital, sob a forma de ajuda externa por parte das nações ricas, surtiram efeito.
Na verdade, os desníveis de renda e de valores pioraram durante as últimas décadas. Isso, porque a transferência de tecnologia industrial das nações ricas para as pobres, nas raras vezes que ocorre, acaba beneficiando um pequeno setor industrializado, e não as massas pobres. O desequilíbrio revela-se também em relação ao mercado de petróleo e derivados. Com menos de 5% da população mundial, os Estados Unidos consomem 26% do petróleo, 25% do carvão mineral e 27% do gás natural mundial. Os automóveis, que rodam nos Estados Unidos, representam um quarto da frota mundial e emitem mais carbono do que todas as fontes – indústria, transporte, agricultura, energia – do Japão, o quarto país na lista mundial de emissões de poluentes.
As conseqüências destas emissões, porém, recaem sobre os países pobres, mais vulneráveis às mudanças climáticas. Dos 700 desastres naturais registrados em 2002, 593 foram relacionados a eventos climáticos. As tragédias humanas por trás das estatísticas nos lembram que o progresso social e ambiental não é um luxo a ser posto de lado quando o mundo tem que enfrentar problemas econômicos e políticos. As oscilações da economia mundial e o vasto esforço necessário para restaurar a paz no Oriente Médio podem desviar os recursos necessários para enfrentar as causas e conseqüências da pobreza. É relevante assinalar que, em situação de extrema pobreza, o indivíduo marginalizado da sociedade e da economia nacional não tem nenhum compromisso para evitar a degradação ambiental, uma vez que a sociedade não impede sua própria degradação como pessoa.
Fonte: Edison Barbieri - Portal do meio ambiente
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