Organizações da sociedade civil brasileira e do mundo comemoram o colapso das negociações para a conclusão da Rodada de Doha da OMC. Desde que a OMC foi criada, no auge do neoliberalismo dos anos 90, estas organizações vêm questionando a validade das premissas da instituição e denunciando as graves conseqüências que o fechamento desta Rodada poderia causar para os povos das diversas partes do mundo.
Essas conseqüências dizem respeito, principalmente, a liberalização do comércio de bens industriais e serviços por parte dos países do Sul, em troca da abertura de mercados no Norte para exportações agrícolas. Isto significaria a cristalização de um modelo em que os países em desenvolvimento continuariam como exportadores de commodities agrícolas e os países desenvolvidos como fornecedores de tecnologia e bens e serviços de maior valor agregado. Significaria também o aprofundamento da abertura comercial e financeira proposta pelo modelo neoliberal. E por último, seria um golpe contra os direitos dos povos e a soberania dos países em relação à capacidade de formularem suas políticas públicas e industriais.
Durante o último fim de semana, alguns pouquíssimos membros da OMC, o chamado G-6 – formado por Estados Unidos, União Européia, Brasil, Índia, Austrália e Japão – se reuniu em Genebra para tentar destravar mais uma vez as negociações da Rodada de Doha. A tentativa de acertar os ponteiros sobre as negociações agrícolas, especialmente, sobre apoio interno, não teve êxito, e não há previsão para as negociações serem retomadas.
Para Fátima Mello, da FASE e da secretaria executiva da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP), “um possível acordo na OMC significaria uma ameaça para as políticas públicas e para o desenvolvimento dos países”. Segundo Fátima, “o movimento global está em festa e está mais que provado que o modelo imposto pela OMC caducou. O momento agora é pensar alternativas para o sistema multilateral e isso não necessariamente passa pela OMC, mas pela integração regional e por novas instâncias globais voltadas para os interesses dos povos”.
Gonzalo Berrón, membro da coordenação da REBRIP e da secretaria da Aliança Social Continental, disse que “a Rodada de Doha nunca foi em prol do real desenvolvimento dos povos e sim uma estratégia dos países ricos e das empresas transnacionais para conseguir mais e mais mercados”. Para Berrón, “a suspensão das negociações é uma grande vitória para as organizações e movimentos sociais que resistiram à ALCA e ao livre comércio no Brasil, nas Américas e no mundo e que temos que sair nas ruas para comemorar”.
Edélcio Vigna, do INESC e coordenador do GT de Agricultura da REBRIP, afirma que “o principal tema das negociações, ou seja, a agricultura, nunca pautou questões como segurança e soberania alimentar, temas essenciais para os países em desenvolvimento. Ao contrário, no caso brasileiro, a abertura em agricultura sempre serviu aos setores produtivos hegemônicos, o chamado agronegócio, que determinam a balança comercial e tem a exportação primária de produtos agrícolas como âncora econômica exclusiva”. Ele completa, “a queda de Doha implica a suspensão dessa agenda prejudicial para a agricultura familiar e camponesa do mundo”.
Chegou o momento de construirmos um sistema de comércio verdadeiramente voltado para o desenvolvimento e não para os interesses das transnacionais.
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