Por Maria Brant *
Mulheres e crianças num campo de refugiados na Albânia |
As guerras atuais causam mais mortes de civis do que de militares. Enquanto no início do século passado só 5% dos mortos em guerra eram civis, na década de 90, pessoas desarmadas representaram 75% das baixas. Essa inversão assustadora se deve a vários fatores. Em primeiro lugar, nos últimos cem anos a linha de batalha se moveu das fronteiras para o interior dos países. Esses conflitos internos ocorrem, quase sempre, em áreas urbanas e populosas, onde é difícil distinguir combatentes e civis. E uma bomba lançada em um alvo civil, deliberada ou acidentalmente, mata hoje muito mais gente do que há 50 anos.
A população civil sente as conseqüências da guerra antes de ela começar. O ataque e a defesa custam dinheiro, e dedicar verba a despesas militares significa deixar de gastar em outras áreas. Saúde, educação e programas sociais e ambientais costumam entrar nos cortes. Nos países pobres, essa transferência de dinheiro pode significar uma ausência total de serviços básicos.
Segundo a ONG internacional Global Policy Forum, a ONU gasta US$ 10 bilhões por ano com programas de desenvolvimento, educação e manutenção da paz. Os gastos militares, de acordo com o Instituto de Pesquisas Sobre a Paz de Estocolmo, Suécia, somam US$ 840 bilhões anuais.
No meio do fogo cruzado, mulheres e crianças são atingidas em cheio. Perdem pessoas amadas e vivem sob a constante ameaça da agressão. Quem foge da linha de tiro e consegue abrigo num campo de refugiados tem de ter sorte para sobreviver. Mulheres, algumas ainda meninas, acabam se prostituindo em troca de comida ou dinheiro. Radhika Coomaraswamy, relatora especial da ONU para Questões Relacionadas à Violência, escreveu: "Na guerra, o corpo das mulheres se torna um campo de batalha, no qual forças adversárias combatem". No texto a seguir, algumas atrocidades cometidas contra mulheres e crianças em tempos de guerra, os motivos pelos quais um conflito afeta a vida de todos e o que se pode fazer para ajudar.
O ESTUPRO COMO ARMA
O estupro é praticado como forma de humilhação ou método de "limpeza étnica". No primeiro caso, mulheres chegam a ser violentadas diante do marido e até dos filhos. Nas sociedades em que a etnia é transmitida pelo homem, são, muitas vezes, engravidadas à força. Crimes assim ocorreram na Bósnia, Ruanda, Libéria e Uganda.
Em Ruanda, África, estima-se que até 500 mil mulheres tenham sido estupradas em 1994, ano que marcou o conflito entre as etnias hutu e tutsi. "Podíamos ouvir os gritos", diz Aloisea Inyumba, contando, à Marie Claire americana (novembro de 2002), como era viver ali. "Dormíamos entre galhos de árvores, enquanto as lutas aconteciam." Quando o genocídio acabou, o país estava com 400 mil órfãos e pelo menos 800 mil mortos.
Mulher de Serra Leoa carrega seu bebê em campo de refugiados |
Serra Leoa, que viveu dez anos de guerra civil até 2002, registrou mais de 30 mil mortos e, segundo a ONG americana Médicos Pelos Direitos Humanos, 94% das mulheres que tiveram de deixar suas casas sofreram agressões sexuais. Além de estupradas, muitas são rejeitadas pelos maridos ou forçadas a casar com quem quer que as aceite -às vezes, com seus estupradores. Em Burundi, África, 25% dos casamentos num campo de refugiados ocorreram por pressão das famílias, que temiam represálias ou sentiam vergonha da situação.
Uma garota de 13 anos, que trabalhou como soldado em Serra Leoa, contou um pouco de sua vida à Marie Claire americana. Segundo ela, o comandante pediu para que cada criança pegasse um pedaço de papel, que continha uma das palavras: mãos, pés, nariz. O que quer que estivesse escrito tinha de ser amputado no próximo prisioneiro. Quem desobedecia era morto.
Outra garota de Serra Leoa diz: "Vi pessoas terem suas mãos cortadas, vi uma menina de 10 anos ser estuprada e morta e vi homens e mulheres sendo queimados vivos. Chorava, mas só dentro do meu coração. Não ousava chorar de verdade".
Segundo a publicação, essas crianças se preocupam com a vida após a morte. Marie de la Soudiére, diretora do Comitê do Programa de Resgate Internacional das Crianças Afetadas por Conflitos Armados, diz que "um garoto de 10 anos estava apavorado com a idéia de que os mortos estariam esperando por ele". Ele fala: "Talvez Deus me perdoe. Mas os mortos não vão me perdoar". Marie negocia a liberdade das crianças-soldados e coordena programas de reabilitação em Serra Leoa. "Elas são tão vítimas quanto as pessoas que mataram."
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Reportagem da Revista Marie Claire
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