quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A OMC

O comércio internacional

O comércio internacional vem desempenhando um papel cada vez mais importante na economia mundial. A atestar tal importância estão os dados dos fluxos de comércio da década dos 90 que vêm crescendo a uma taxa média de 7% em valor, enquanto a taxa média de crescimento do produto industrial para o mesmo período é de apenas 3%.

O valor do comércio mundial de bens atingiu em 1997 a cifra de cerca de US$ 5,5 trilhões, com taxa de crescimento de 3% em relação a 1996. O valor do comércio de serviços em 1997 cresceu 2% em relação a 1996 e atingiu a cifra de cerca de US$ 1,3 trilhões (OMC, 1998). Na área de investimentos, o fluxo de investimentos estrangeiros diretos em 1996 atingiu a cifra de US$ 350 bilhões e o estoque de investimentos estrangeiros diretos foi estimado em US$ 3,2 trilhões (UNCTAD, 1997).

Desses totais, os países desenvolvidos são responsáveis por cerca de 66% das exportações mundiais e 65% do fluxo dos investimentos diretos. Papel de destaque deve ser dado às empresas transnacionais que, em 1996, foram responsáveis por um total de vendas de US$ 6,4 trilhões, incluindo as áreas de bens e serviços e, mais ainda, foram responsáveis por cerca de 60% das exportações mundiais (UNCTAD 1997).

Diante do quadro acima apresentado, fica evidente que o cenário atual é marcado por uma densa rede de comércio e investimento, que evoluiu de forma a determinar os contornos do atual cenário internacional.

A mais importante conseqüência desse novo cenário é o fim das fronteiras entre políticas domésticas e políticas externas, principalmente a de comércio externo. Tal fato exige que o comércio de bens e serviços e o investimento passem a ser coordenados em níveis multilaterais e que as regras de conduta dos parceiros comerciais passem a ser controladas e arbitradas também em nível internacional.

A OMC – Organização Mundial do Comércio

Dentro do contexto internacional, a OMC, criada em janeiro de 1995, é a coluna mestra do novo sistema internacional do comércio. A OMC engloba o GATT, o Acordo Geral de Tarifas e de Comércio, concluído em 1947, os resultados das sete negociações multilaterais de liberalização de comércio realizadas desde então, e todos os acordos negociados na Rodada Uruguai, concluída em 1994.

O Acordo que estabelece a OMC determinou os objetivos da nova organização. Os termos negociados foram os seguintes: "As Partes reconhecem que as suas relações na área do comércio e das atividades econômicas devem ser conduzidas com vistas à melhoria dos padrões de vida, assegurando o pleno emprego e um crescimento amplo e estável do volume de renda real e demanda efetiva, e expandindo a produção e o comércio de bens e serviços, ao mesmo tempo que permitindo o uso ótimo dos recursos naturais de acordo com os objetivos do desenvolvimento sustentável, procurando proteger e preservar o ambiente e reforçar os meios de fazê-lo, de maneira consistente com as suas necessidades nos diversos níveis de desenvolvimento econômico" (GATT 1994).

Ponto básico para a consecução desses objetivos é a liberalização do comércio de bens e, agora, de serviços, principalmente através do desmantelamento das barreiras impostas nas fronteiras ao comércio entre os países.

A OMC tem basicamente quatro funções (GATT 1994): 1 – facilitar a implantação, a administração, a operação e os objetivos dos acordos da Rodada Uruguai, que incluem: setores diversos como agricultura, produtos industriais e serviços; regras de comércio como valoração, licenças, regras de origem, antidumping, subsídios e salvaguardas, barreiras técnicas, e empresas estatais; supervisão dos acordos regionais e sua compatibilidade com as regras do GATT; propriedade intelectual; e novos temas como meio ambiente, investimento e concorrência; 2 – constituir um foro para as negociações das relações comerciais entre os estados membros, com objetivo de criar ou modificar acordos multilaterais de comércio; 3 – administrar o Entendimento (Understanding) sobre Regras e Procedimentos relativos às Soluções de Controvérsias, isto é, administrar o "tribunal" da OMC; 4 – administrar o Mecanismo de Revisão de Políticas Comerciais (Trade Policy Review Mechanism) que realiza revisões periódicas das Políticas de Comércio Externo de todos os membros da OMC, acompanhando a evolução das políticas e apontando os temas que estão em desacordo com as regras negociadas.

Com tais objetivos e funções, o sistema multilateral de comércio vem se consolidando nos últimos anos, através da OMC, que conta atualmente com 132 membros e cerca de 30 membros em processo de acessão. As atividades vêm se desenvolvendo dentro de 4 conselhos, cerca de 35 comitês, além dos grupos de acessão de novos membros.

Dos objetivos de liberalização do comércio aos objetivos de competição internacional

Os objetivos da OMC/GATT, ao longo das cinco décadas da sua história, sempre enfatizaram a liberalização do comércio através do estabelecimento e aplicação de regras para a remoção de barreiras nas fronteiras. No entanto, tais objetivos vêm sendo questionados diante do novo contexto mundial. Atualmente, as políticas nacionais estão sendo cada vez mais influenciadas pelos acontecimentos internacionais, as empresas transnacionais estão desempenhando papel cada vez mais importante no comércio, e a estratégia da globalização está, agora, ditando as regras de investimento e de avanços tecnológicos.

Diante desse contexto, surgem novas discussões sobre o papel que a OMC deve desempenhar, e quais novos objetivos deve perseguir. Tais discussões já abrangem uma abordagem mais ampla para a OMC, não só de liberalização do comércio, via o exame dos instrumentos de política comercial, mas de uma nova análise que incluiria os instrumentos das diversas políticas econômicas e seus impactos sobre a competição internacional, além do modo de operação dos mercados (Feketekuty, Rogowsky, 1996).

Dentre as razões apontadas para a necessidade de uma nova abordagem estão os métodos de produção dirigidos à globalização e ao consumidor, que acabaram com a distinção entre as estratégias de comércio e de investimentos. Antes, comércio e investimento eram considerados atividades alternativas para se penetrar no mercado externo. Agora, na era da globalização, as empresas tratam comércio e investimento como atividades complementares. Cada vez se torna mais difícil implantar regras sobre a troca de bens que envolvam origens nacionais distintas. Na área de serviços, temas como comércio, investimento e movimento dos provedores são pontos básicos das negociações sobre liberalização.

No contexto da globalização, a identidade nacional dos produtos e das empresas que os fornecem fica cada vez mais difícil de ser identificada. Como conseqüência, as novas regras para o comércio internacional devem enfocar o impacto de todas as políticas econômicas sobre o funcionamento dos mercados globais, sujeitas às exigências econômicas de melhor eficiência, e sujeitas às exigências políticas de tratamento justo por parte dos governos aos interesses de outros países. Tratamento não discriminatório para produtos e para empresas, sejam nacionais ou estrangeiros, passou a ser um dos grandes temas do momento atual.

O processo de globalização tem resultado em um aprofundamento da especialização internacional e na interpenetração das economias nacionais. Isto significa que os interesses econômicos das nações passaram a se interpenetrar, de modo a tornar sem significado a tradicional distinção entre instrumentos de política econômica doméstica e instrumentos de política econômica internacional. Assim, toda medida que tenha impacto na decisão de produção de bens ou serviços de uma empresa globalizada se tornou tema de interesse para o governo de outros países e para a comunidade internacional, tanto do lado do produtor quanto do lado do consumidor.

Diante dessas considerações é que se tem advogado uma nova postura para o comércio internacional, até agora sob uma abordagem de simples liberalização das fronteiras, para uma abordagem mais ampla, orientada para a competição internacional. As razões defendidas são de que tal abordagem enfocaria mais diretamente os impactos das medidas sobre o funcionamento eficiente dos mercados globais, bem como passaria a incluir um conjunto mais amplo de instrumentos de políticas que afetassem a competição internacional. Com a nova abordagem, toda a argumentação de defesa da liberalização do comércio internacional permanece válida, mas é ampliada.

Com o fortalecimento do processo de globalização, todo o sistema multilateral do comércio deveria passar por profundas modificações, caso uma nova abordagem orientada para a competição internacional se impusesse ao processo de liberalização do comércio internacional. Os objetivos do sistema multilateral de promover a eficiência econômica e o crescimento econômico, agora deveriam também incluir políticas e instrumentos que permitissem maior competição internacional entre as empresas, de modo a garantir uma alocação de recursos economicamente eficiente, tanto em termos estáticos quanto dinâmicos. Tais objetivos passariam a exigir acesso equivalente a insumos e consumidores, e tratamento equivalente sob a regulamentação doméstica, não importando a origem da empresa.

Nesse novo cenário, as novas negociações multilaterais de comércio teriam, necessariamente, que incluir novos temas como: políticas e medidas que discriminassem entre empresas com base na nacionalidade dos detentores do capital; leis e medidas que impedissem ou distorcessem desnecessariamente a operação das forças do mercado, ou limitassem a entrada e saída das empresas; e políticas e medidas essenciais para o funcionamento eficiente do mercado global. Cada governo nacional manteria o seus direitos de estabelecer e atingir seus objetivos sociais nas áreas da saúde, segurança, igualdade social e ambiente (Feketekuty, Rogowsky, 1996).

Dentro dessa nova abordagem, as futuras negociações internacionais continuariam o processo de desmantelamento das barreiras já identificadas como tarifas, quotas, barreiras técnicas, subsídios, dumping, práticas das empresas estatais, barreiras no comércio de serviços e de padrões de propriedade intelectual. Mas novos temas seriam incluídos, como: medidas que afetam os investimentos, práticas comerciais restritivas ou medidas que distorcem a concorrência, medidas ambientais que afetam o comércio, e padrões trabalhistas, dentre outros. A razão seria de que qualquer prática discriminatória em qualquer dessas políticas poderia afetar os objetivos estabelecidos de se assegurar a competição global.

Diante do novo contexto internacional de globalização do sistema produtivo e de prestação de serviços, que tem dado sustentação ao crescimento dos fluxos de comércio e de investimentos, é importante ter em mente a ampliação do papel do pilar central de todo o sistema multilateral do comércio que é a OMC.

A OMC já iniciou a discussão sobre diversos dos novos temas que vêm afetando o comércio internacional, com a criação de novos comitês ou grupos de trabalho para analisar seus impactos e discutir a necessidade de se ampliar as atividades da OMC com a negociação de novos acordos sobre o comércio. Dentre eles, investimentos, concorrência e meio ambiente. Paralelamente, vem seguindo as discussões sobre o tema padrões trabalhistas na OIT – Organização Internacional do Trabalho – e refletindo sobre as conseqüências de também incluí-lo no âmbito da OMC.

As atividades de todos esses comitês e grupos de trabalho se revestem de maior importância ainda diante das pressões políticas e econômicas de se iniciar mais uma rodada multilateral de negociações, ou de forma restrita aos temas já previstos na Rodada Uruguai, e que incluiriam agricultura, serviços e propriedade intelectual, ou, de forma mais ampla, agregando todas as áreas relacionadas ao comércio, dentro de uma nova rodada, a já mencionada Rodada do Milênio.


Para ler na íntegra o artigo "A OMC – Organização Mundial do Comércio e as negociações sobre comércio, meio ambiente e padrões sociais", de Vera Thorstensen, clique aqui.

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