sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Impressões sobre DDR

Em países tão distantes uns dos outros como Colômbia, Afeganistão e Ilhas Solomão, homens, mulheres e crianças combatentes estão entregando suas armas. Esses soldados, espalhados por 12 países da Ásia, África e Ámerica Central, que estão virando as costas para a guerra não estão simplesmente desertando: estão sendo conduzidos a um processo desenhado para fornecer a eles uma nova vida integrada à sociedade e livrar seus países do conflito armado.

Com o patrocínio das Nações Unidas ou sob a observação da Organização dos Estados Americanos (OEA), desde a sua primeira implementação em 1980, os programas de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR), ainda são pouco conhecidos pelo público em geral e as primeiras análises sobre seu impacto e lições ainda estão sendo divulgadas.

“Estima-se que somente em 2006 mais de 1,2 milhão de pessoas foram beneficiadas em programas de DDR, com um custo de aproximadamente US$ 2 milhões - uma média de investimentos de US$ 1.500 por pessoa para programas que duram, em média, três anos e meio", afirma Daniel Luz, consultor da organização Save the Children da Suécia, e membro da Coalizão Latino-Americana para a Prevenção da Violência Armada (Clave). Luz destaca ainda que os custos dos programas de DDR são um enorme desafio para as nações em desenvolvimento.

Os programas de DDR envolvem desarmamento de combatentes bem como a adoção de medidas de gerenciamento e controle de armas. Os combatentes são demobilizados e incentivados a deixar os grupos combatentes a que pertencem e assumir funções na sociedade civil. Isso significa entregar as armas, receber educação com relação aos seus direitos civis, apoio psicológico para superar traumas, trinamento profissional e tornar-se elegíveis para começar uma nova vida longe da violência armada.

"O DDR foi concebido como uma ferramenta para ser aplicada em situações de pós-conflito e seu objetivo é contribuir para a segurança, recuperar a confiança em ambos os lados, promover a prevenção da violência, a reconciliação e liberar recursos humanos e financeiros para o desenvolvimento social", explica Rebeca Pérez Mellado (foto), coordenadora internacional do programa Crianças e Adolescentes em Envolvimento com a Violência Armada (COAV), do Viva Rio.

"O DDR permite a desmilitarização de grupos opostos ou de outros grupos como forças paramilitares. Não significa somente o desarmamento da oposição - mesmo que tenham uma causa legítima, os ex-combatentes têm que ser reintegrados à sociedade. E isso ocorre durante um processo maior de construção da paz. Precisa incluir a reforma militar e da polícia, especialmente quando existem violações dos direitos humanos", acrescenta Rebeca.

Demobilização a serviço do desenvolvimento

O manual com as diretrizes estabelecidas pelas Nações Unidas para a implementação de programas de DDR têm apenas um ano mas o fato é que a realidade local fala mais alto e não existem dois programas iguais.

"Os procedimentos variam muito. Em alguns casos, grupos de pessoas são desmobilizadas simultaneamente, em outros isso pode ser feito individualmente. Em quase todos os lugares, o DDR é adaptado para a realidade local. Na Colômbia, por exemplo, sob a observação da Organização dos Estados Americanos (OEA), o DDR está sendo aplicado nas forças paramilitares e existe a expectativa de que seja estendido ao Exército de Libertação Nacional (ELN) e às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)", afirma Rebeca.

"O Haiti é um ótimo exemplo de como os programas de DDR são forçados a se adaptar às realidades locais. Para começar, não é uma situação de conflito armado convencional, os grupos armados não são bem definidos, não existem uniformes nem uma hierarquia claramente representada. Em 2006, o Conselho de Segurança da ONU reconheceu que o DDR tinha que ser repensado", afirma Eduarda Passarelli, pesquisadora de operações de paz da Pontifícia Universdade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Turistas de DDR

De alguma forma, os programas de DDR contribuem para o desenvolivmento social no que diz respeito aos combatentes que estão prontos para abrir mão da violência e desejam entregar suas armas em busca de formas alternativas de sobreviência, acredita Augusta Muchai (foto), do Instituto de Estudos da Segurança (ISS) em Nairóbi, no Quênia. "Aqueles que estão nessa categoria, talvez entre 30% e 40% deles, podem utilizar o DDR de uma forma positiva e em benefício de suas famílias. Existem muitos casos de sucesso de DDR nas regiões da África Central e Oeste", conta.

A pesquisadora alerta, no entanto, que os programas de DDR têm, "por outro lado, uma continuidade de violência": "como alguns combatentes se mudam de uma área de conflito para outra, eles acabam se tornando 'turistas de DDR'. E isso não é bom uma vez que a maioria só pensa nas suas necessidades imediatas, sem fazer a projeção de uma vida estável e regular de longo prazo", explica Augusta Muchai.

Já Daniel Luz acrescenta que a maioria das avaliações de programas de DDR foram feitas em cima de casos individuais. "O que temos até agora são apenas lições aprendidas. As ações de desarmamento e desmobilização, idealmente, devem durar alguns meses, enquanto as ações de reinserção e reintegração levam em torno de dois anos, sem contar que existem sempre contratempos que ampliam esse período para três anos e meio em média", conta.

Combatentes fantasmas


Os obstáculos ao DDR incluem estimativas exageradas do número de combatentes devido ao planejamento ineficiente, como no caso do Afeganistão, ou a existência de combatentes-fantasma que aderem ao programa apenas para receber os benefícios, como aconteceu no Camboja e na República Democrática do Congo.

Líderes que não cooperam também atrasam as operações de desarmamento e pressionam os combatentes contra a desmobilização. E existe ainda o problema do desaparecimento de crianças quando as crianças soldado não são reconhecidas, como em Serra Leoa.

“É preciso pensar a questão da justiça através da reconciliação. Na Colômbia, por exemplo, defensores de direitos humanos têm criticado a Lei de Justiça e Paz porque gera impunidade. Isso nos deixa a tarefa de descobrir até onde é possível manejar a reconciliação, sem a qual a paz é impossível, e como lidar com a impunidade”, afirma Rebeca Perez.

Militarização em lugar de aproximação

“Outro problema dos programas de DDR, que conspira contra o desenvolvimento, é concentrar esforços sobre alguns indivíduos acusados de envolvimento em violência armada, além do fato de que os líderes de grupos armados manipulam os programas em benefício próprio”, alerta Augusta Muchai.

“Dá-se muita atenção a combatentes do sexo masculino, a algumas mulheres e crianças, o que desvia a atenção do que deveria ser o foco principal, que são comunidades inteiras afetadas pela violência. Isso é contra produtivo e prejudica o desenvolvimento”, adiciona.

Parte do problema, aponta Augusta, é que os programas são desenhados em lugares distantes da zona de conflito. “Na maioria dos casos, o DDR é desenvolvido por especialista estrangeiros e conhecimento e informações locais são ignorados ou comprometidos", completa.

Augusta afirma, ainda, que "um modelo desenvolvido em uma universidade européia não só é irreal, como costuma falhar após sua aplicação em uma situação real. É preciso considerar fatores culturais, lingüísticos, sociais e de adaptação no desenvolvimento de programas de DDR."

"O desenvolvimento deve ser baseado em uma aproximação com a comunidade, já que quem vive a realidade africana sabe o que seria mais eficiente para resolver determinadas circunstâncias”, defende Augusta.

EUA e Japão são os maiores financiadores

A maioria dos programas de DDR é financiado pelo Banco Mundial e, entre os países, o maior financiador é o Japão. “Não temos os dados sobre financiamento da maioria dos programas de DDR. Além disso, há atrasos e aumento de número de beneficiários, o que torna difícil chegar a qualquer conclusão definitiva”, diz Daniel Luz.

De acordo com Daniel Luz, o Banco Mundial liderou os investimentos em programas de DDR no ano de 2005 em 12 países, especialmente na República Democrática do Congo (US$ 200 milhões), seguido pela União Européia, com US$ 100 milhões. Entre os países que investiram individualmente em programas de DDR, o Japão está à frente da lista, tendo investido US$ 200 milhões, especialmente no Afeganistão e nas Filipinas; enquanto os EUA gastaram aproximadamente US$ 113 milhões, em oito países.

Enquanto a fórmula dos três passos chega a três décadas de existência, Augusta Muchai é enfática sobre o que é necessário para o sucesso do DDR. “Há três coisas sem as quais os programas de DDR não funcionam: uma abordagem holística – não apenas os ex-combatentes são afetados pela violência, mas toda a comunidade -; um plano abrangente e inclusivo; e, finalmente, considerações culturais locais e comportamentais devem ser levadas em consideração no planejamento do processo.”

Saiba mais:


Sobre o Programa de DDR das Nações Unidas (em inglês)

Nenhum comentário: