Por Alexandre Gonçalves
Usar lavouras como espelhos para refletir parte da radiação solar que chega à Terra e, assim, combater o aquecimento global: a ideia parece extravagante, mas foi proposta por pesquisadores ingleses da Universidade de Bristol em artigo publicado hoje na revista científica Current Biology. No próprio trabalho, a estratégia já ganhou um nome: biogeoengenharia.
O segredo seria, em um primeiro momento, substituir as variedades tradicionais de plantas agrícolas por aquelas com folhas mais lustrosas ou outras estruturas que aumentem a reflexão. A cevada, citada como exemplo no trabalho, tem uma variedade com folhas cobertas de cera. Segundo a estratégia, ela substituiria a cevada de folhas opacas.
Com o tempo, o melhoramento genético poderia produzir híbridos que desempenhassem a função com mais eficácia, sem comprometer a produtividade. Já existe uma variedade de milho nos Estados Unidos com o caule no ângulo perfeito para adaptar-se à inclinação do sol e aproveitar ao máximo a luminosidade. Naturalmente, o melhoramento visava a aumentar a produtividade, mas a mesma lógica poderia ser usada para criar variedades com maior capacidade de refletir a luz - característica conhecida como albedo pelos cientistas.
PREVISÃO - Para comprovar a eficácia da estratégia, os pesquisadores realizaram uma simulação computacional. Em um cenário com o dobro de gás carbônico na atmosfera da Terra, eles testaram qual seria a diferença para a temperatura global se as lavouras tivessem um albedo 20% maior do que o atual.
Segundo o modelo, a temperatura média na superfície do planeta cairia 0,11°C, quase 20% do aumento total desde a Revolução Industrial. Contudo, tal diminuição não seria uniforme: os termômetros da América do Norte, Europa e Ásia registrariam uma queda de 1°C durante o verão. No Hemisfério Sul, as mudanças seriam pouco significativas.
O principal autor do trabalho, Andy Ridgwell, argumenta que a proposta é de mais fácil aplicação do que outras estratégias já sugeridas para combater o aquecimento global, como o aumento na concentração de ferro na superfície dos oceanos - beneficiando as algas que sequestram carbono - ou a liberação de aerossóis de sulfato na estratosfera - para refletir a radiação solar.
"Em um primeiro momento, seria necessário um investimento relativamente baixo: apenas para substituir as variedades no próximo plantio", argumenta Ridgwell. "Obviamente, não é, nem de longe, a solução do problema, mas pode ser a ferramenta mais simples e barata para ajudar a combatê-lo."
O botânico da Universidade de São Paulo Marcos Silveira Buckeridge considerou o trabalho muito interessante. Ele é um dos revisores dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). "A idéia é original e parece bastante coerente", afirma Buckeridge.
CANA-DE-AÇÚCAR - Ridgwell critica a substituição de lavouras de comestíveis por plantações voltadas à produção de biocombustíveis. "Mas, considerando o tamanho das lavouras de cana-de-açúcar no Brasil, acredito que poderão surgir no futuro híbridos com um impacto climático positivo", afirma o pesquisador britânico.
Roberto Cesnik, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), avalia que as críticas ao biocombustível nascem, na maioria das vezes, de interesses políticos. Ele considera difícil um melhoramento genético da cana-de-açúcar no sentido preconizado por Ridgwell. "O objetivo é sempre aumentar a produção e facilitar a colheita. Por isso, procuram sempre diminuir o volume de folhas da planta", pondera Cesnik. (AE)
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