segunda-feira, 16 de março de 2009

Cambojanos reagem com dor e alívio a julgamento de torturador

EK MADRA - REUTERS

PHNOM PENH - Sobreviventes das atrocidades do Khmer Vermelho reagiram com dor, ódio e alívio na terça-feira ao verem no banco dos réus o principal torturador daquele regime comunista do Camboja, derrubado há 30 anos depois de ter matado até 1,7 milhão de pessoas.

Quase 800 pessoas, inclusive alguns monges budistas perseguidos durante o Khmer Vermelho (1975-79) assistiram ao primeiro julgamento formal de um membro do regime por um tribunal com apoio da ONU.

"Quando vejo (o réu) Duch, minha raiva volta", disse à Reuters Phok Khan, 56 anos, durante uma pausa no julgamento, nos arredores da capital, Phnom Penh.

Duch, conhecido também como Kaing Guek Eav, admite ter cometido atrocidades na S-21, uma antiga escola que virou campo de concentração na época do regime. Ali, cerca de 14 mil "inimigos da revolução" foram torturados antes de serem agredidos até a morte nos campos de extermínio próximos à cidade.

Vann Nath, hoje com 63 anos, estava entre os poucos sobreviventes. Esse artista de cabelos brancos foi duramente agredido por guardas na S-21, mas fugiu da morte graças ao seu talento para pintar retratos do ditador Pol Pot. Ao ver o julgamento do seu ex-torturador, disse se sentir tomado por sensações ambíguas.

"Este é o dia pelo qual esperamos 30 anos. Mas não sei se acabará o meu sofrimento", afirmou a jornalistas.

Duch sentou-se impassivelmente no tribunal, que tem paredes revestidas de madeira. Vestia camisa azul de manga comprida e tomava água. Eventualmente, colocava os óculos de leitura - algo irônico, já que o Khmer Vermelho perseguia pessoas que usavam óculos, por considerá-las como parte de uma elite intelectual inimiga da revolução.

Duch, hoje convertido ao Cristanismo, confessou seus crimes, mas diz que apenas cumpria ordens. O ex-professor francófono não se pronunciou na terça-feira ao tribunal, cuja sessão é transmitida pela TV.

Em frente ao plenário, protegido por vidros, centenas de cambojanos sentaram-se nas galerias, alguns se esforçando para acompanhar a audiência por fones de ouvido. Houve discussões sobre questões regimentais, envolvendo advogados estrangeiros e cambojanos.

Them Khean disse ter viajado 240 quilômetros da província de Kompong Thom, onde nasceram Duch e Pol Pot. "Quero ver o que Duch tem a dizer sobre seus crimes do passado", disse Khean, 65 anos, que perdeu dez parentes devido à fome e à tortura.

Va Boeurn, 66 anos, disse que queria ver o rosto de Duch para tentar entender como um humano poderia cometer atos tão hediondos.

"Como é o rosto dele? Por que era tão brutal", perguntou Boeurn, que perdeu sete parentes durante a tentativa de Pol Pot de criar uma utópica sociedade agrária.

A maioria dos cambojanos perdeu parentes durante os quatro anos desse regime que submetia a população a longas jornadas de trabalho, fome e perseguições. A ditadura foi deposta pelo Vietnã em 1979, e Pol Pot morreu em 1998, impune, na fronteira com a Tailândia.

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