segunda-feira, 13 de abril de 2009

As crianças-soldado

O presente relatório não traz uma confirmação exata do número de menores envolvidos em conflitos armados, pois atualmente, os meninos utilizados combatem em grupos ilegais que certamente não têm algum interesse em fornecer estatísticas. Portanto, os números são deduções de cálculos realizados por aproximação, por instituições prestigiadas. Qualquer variação, superior ou inferior, destas cifras reduz a gravidade do tema.

Em nível mundial, dados de associações de direitos humanos relevam a existência de 300 mil crianças-soldado. Na Colômbia, algumas ONG’s estabelecem este número em mais de 10 mil. Dados da Igreja Católica Colombiana indicam a existência de cerca de 6 mil.

NA AMÉRICA LATINA

Com exceção da Colômbia e de algumas áreas bem distintas da América Central, a América Latina é um continente que vive em paz, sem conflitos bélicos entre os países, e com problemas limítrofes de fronteira praticamente resolvidos.

Menores nos Exércitos

O relatório global de 2004 da Coalizão Espanhola, denuncia o emprego de crianças-soldado na Bolívia, Brasil, Haiti, Paraguai, Peru e Chile. Nestes países, não existem, hoje, conflitos armados, o que já limita o perigo. Recordamos, por exemplo, que em muitos países, existem institutos militares em nível de escola, nos quais os adolescentes efetuam práticas militares que não provocam danos particulares, em épocas de paz. O que não se verifica em caso de guerra, como durante o conflito das Malvinas, ou Falkland (1982), quando muitos menores argentinos foram enviados em áreas de guerra, e perderam a vida.

O narcotráfico

Outro capítulo que envolve menores é o narcotráfico, como o caso do Rio de janeiro, cidade com seis milhões de habitantes, onde de 1987 a 2000 morreram vítimas de armas quase 4 mil menores de 18 anos. Embora estas crianças não possam ser enquadradas como ‘meninos-soldado’, o número de mortos foi maior do que o registrado em conflitos armados na Colômbia, Serra-Leoa, Iugoslávia, Afeganistão, Uganda, Israel e Palestina. Naquele período, quando morreram baleados no Brasil 3.937 menores, o conflito entre Israel e Palestina provocou a morte de 467.

Os dados provêm de um estudo do Instituto Superior de Estudos Religiosos (ISER), com o apoio da ONG Viva Rio e coordenada pelo antropólogo britânico Luke Dowdney. Muitas das mortes destes meninos e adolescentes ocorreram também por execuções realizadas pelos próprios traficantes, para eliminá-los quando não são mais úteis, e enterrá-los em cemitérios clandestinos. Mas a impunidade é clara. No Brasil, por exemplo, ainda segundo a mesma fonte, um policial jamais foi condenado por matar um menor.

Na Colômbia

A organização humanitária Human Right Watch (HRW) estima que haja na Colômbia cerca de 11 mil meninos-soldado combatendo no conflito armado, uma das estimativas mais altas do mundo. Pelo menos um entre quatro combatentes '' irregulares '' na Colômbia tem menos de 18 anos. "A maioria dos menores provém de famílias desmembradas ou marginalizadas, não possuem instrução e se alistam voluntariamente, diante da falta de oportunidades em seus ambientes.

Outros são recrutados com a força", como denunciou, em fevereiro, a mesma ONG, em um comunicado. A organização explicou que, após o treinamento inicial, “e, por vezes, sob efeito de drogas”, os menores se transformam em “assassinos cruéis, em prol de causas que não entendem”. “A reintegração destes meninos e meninas-soldado é um desafio nem sempre fácil de realizar” – acrescenta. Para HRW, estes dados evidenciam que os grupos armados colombianos são um dos piores transgressores da legalidade internacional, no campo do recrutamento infantil.

As cifras de Save the Children sobre a Colômbia são mais altas, e coincidem com as fornecidas pelo UNICEF: 14.000 meninos são usados como soldados. Emerge que vários milhares têm menos de 15 anos, o que viola a idade mínima de recrutamento por forças armadas ou grupos paramilitares estabelecida pela Convenção de Genebra. Por sua vez, o “Relatório Global sobre crianças-Soldado 2004” indica que meninos e meninas do grupo armado Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, por exemplo, foram submetidos a conselhos de guerra por infrações disciplinares e, em certos, casos, as crianças foram realmente punidas.

O relatório ‘Estado Mundial da Infância 2005, elaborado pelo UNICEF, relevou que 800 menores de 18 anos abandonaram grupos guerrilheiros ou paramilitares, “enquanto o número de meninos e meninas utilizados em grupos armados e milícias urbanas na Colômbia aumentou, beirando 14 mil nos últimos anos”. Meninos e meninas são também submetidos à escravidão sexual, e transformados em trabalhadores, cozinheiros ou domésticos, mensageiros ou espiões.

As meninas correm maiores riscos de exploração sexual, seja por parte de um comandante como de toda a tropa. Segundo dados do governo colombiano, não confirmados e nem desmentidos pelo UNICEF, cerca de 35% dos combatentes da guerrilha são menores de 18 anos. Apesar das pressões do UNICEF, FARC e ELN não têm intenção de abandonar a prática de empregar crianças. Em 2002, em uma fase de cessar-fogo, grupos paramilitares prometeram libertar as crianças-soldado, o que se verificou somente de modo parcial.

O máximo organismo da ONU abordou o tema graças a um relatório sobre a situação das crianças nos conflitos armados preparado pelo Secretário geral, Kofi Annan. O documento aponta FARC e ELN como grupos que utilizam estes métodos, violando acordos humanitários internacionais. De acordo com o relatório de Annan, em 2004, o UNICEF começou a se aproximar do ELN e das AUC para tentar solucionar o problema. Embora os dois grupos tenham se mostrado abertos ao diálogo, nenhum dos dois prometeu abandonar a prática.

Segundo o relatório de Annan, as AUC teriam entregado cerca de 180 crianças às autoridades colombianas. De acordo com a organização Human Rights Watch, são milhares as crianças ainda utilizadas nos combates, não obstante as AUC tenham se comprometido, no início das conversações com o governo, dois anos atrás, em libertar todos. A ONG acredita que, no total, haja mais de 11.000 crianças-soldado na Colômbia, a maioria das quais, alistada pelas FARC.

De acordo com o HRW, as FARC não só continuam a recrutar crianças para lutar em sua guerra, mas freqüentemente abusam delas e as exploram. “Ao contrário - afirma José Miguel Vivano, diretor para as Américas do HRW - os abusos das FARC, ao que parece, pioraram nos últimos anos”. A Organização aproveitou a oportunidade para pedir ao Congresso colombiano que ratifique e coloque na prática o Protocolo Opcional da Convenção sobre os Direitos das Crianças, que regula, especificamente, o papel das crianças em conflitos.

O tratado, assinado pela Colômbia em 2000, mas ainda não ratificado, estabelece 18 anos como idade mínima para participar de modo direto em um conflito, ou para ser recrutado com este objetivo. O UNICEF assegura que na Colômbia, por exemplo, meninas de apenas 12 anos submetem-se sexualmente a grupos armados, para garantir a segurança de suas famílias. “Obrigam as meninas a namorarem soldados”.

Com manchetes deste gênero, os jornais escondem o horror de meninas usadas por adultos como prostitutas. Diversos grupos armados usam meninas com fins sexuais, segundo informações da Coalizão para Deter o Emprego de Meninos-Soldado. No estudo dedicado à Colômbia, a ONG afirma que também meninos de 12 anos foram treinados para usar explosivos e armas, participando, em seguida, dos combates.

Também se afirma que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) têm obrigado meninas a serem ‘namoradas’ de soldados adultos, a utilizarem anticoncepcionais e a submeterem-se a abortos. Em relação aos paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), a Coalizão afirma que oferecem às crianças salários de pouco mais de 100 dólares, ou roupas, em troca de serviços. “A AUC estabeleceu 18 anos como idade de recrutamento, mas continua a recrutar crianças, inclusive menores de 15 anos”.

Em relação às forças governamentais, a Coalizão para Deter o emprego de Crianças-Soldado assinalou que não há indícios de que existam crianças-soldado, mas alguns relatórios evidenciaram que são utilizadas em tarefas de inteligência, ou como informantes, em troca de dinheiro ou presentes.

EM NÍVEL MUNDIAL

300 mil menores de 18 anos continuam lutando em cerca de trinta conflitos, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgados em 2005. Os dados do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), indicam que mais de dois milhões de crianças morreram em conflitos armados na última década; seis milhões ficaram feridos ou mutilados e um milhão ficou órfão. 500 mil crianças foram obrigadas a tornarem-se soldados ou escravas sexuais, e menores de 87 países vivem com 60 milhões de minas terrestres que ferem, a cada ano, 10 mil crianças.

O UNICEF indicou que o número estimado de meninos e meninas mortos em conflitos, desde 1990 é de 1,6 milhões; que o índice de mortalidade infantil em uma guerra ‘típica’ de cinco anos sobe para 13%, e que, nos anos ’90, cerca de 20 milhões de meninos e meninas foram obrigados a abandonar suas casas por causa de conflitos e violações de direitos humanos. Dados de diversas organizações coincidem ao relevar que Mianmar, antiga Birmânia, possui 70 mil crianças inscritas mediante seqüestro ou ameaças de prisão no Exército estatal.

É o país com o maior número de crianças-soldado. Seguem a República Democrática do Congo, com cerca de 40 mil; a Colômbia, com mais de 10 mil, e Uganda, com 10 mil. Também são pelo menos 60 os governos de países ocidentais considerados do primeiro mundo – entre os quais a Austrália, Áustria, Alemanha, Holanda, Reino Unido e EUA, que protegidos pelas leis, recrutam jovens de 16 e 17 anos.

Os dados coincidem também com as cifras apresentadas pela Coalizão Internacional para o Fim do emprego de Crianças-Soldado, da Anistia Internacional, que em seu ‘Relatório Global sobre Crianças-Soldado 2004’ assinala que menores combatem, praticamente, em todos os principais conflitos armados no mundo, seja em tropas do governo, como em grupos armados de oposição. O ‘Relatório Global sobre Crianças-Soldado 2004’ examina a evolução do uso de meninos e meninas como soldados em 196 países entre 2001 e 2004.

Segundo o estudo, não obstante alguns sucessos, o recrutamento de menores em muitos conflitos, naquele período, persistiu ou inclusive aumentou. Por sua vez, a Coalizão Espanhola para acabar com a utilização de crianças-soldado, da qual participam as ONG Alboan, Anistia Internacional, Entreculturas, o Serviço Jesuíta para Refugiados e Save the Children, em um relatório de 2004 reconhece que a situação melhorou ‘levemente’, embora os governos continuem a colocar as futuras gerações em risco.

O Relatório ‘Estado Mundial da Infância 2005’, elaborado pelo UNICEF, revela que entre 1990 e 2003 combateram-se 59 guerras em nível internacional, 55 das quais, conflitos entre sociedades civis e governo, pela não-intervenção das autoridades no combate à pobreza e por políticas de desenvolvimento. De todos os estudos, emerge que paramilitares, apoiados por governos e guerrilhas de oposição, são os principais culpados pelo recrutamento e uso de crianças-soldado.

Dezenas de grupos, em mais de 21 conflitos, alistaram dezenas de milhares de crianças desde 2001, forçando-as a combater, treinando-as ao uso de explosivos e armas, e expondo-as a todo tipo de violência, trabalhos forçados e torturas, como violações e abusos sexuais. A maioria das meninas-soldado foi vítima de abusos sexuais. Obrigam-se crianças a cometer abusos entre si, violações e assassinatos contra civis e soldados inimigos.

Algumas são forçadas a matar membros de suas famílias, e outras, a participar de atos sexuais e de canibalismo com cadáveres de inimigos mortos em combate. Para insensibilizá-las às emoções em cometer tais crimes, freqüentemente são drogadas. Toda esta brutalidade deixa sinais nos menores por toda a vida, como denunciado por AI (Anistia Internacional).

Os pequenos soldados – um trabalho de Arte France ed Essi Film du Rêve, em colaboração com o UNICEF, encontrou na Libéria um grupo que, depois de 14 anos de guerra entre grupos rebeldes e forças governamentais, contou com surpreendente indiferença como e porque mataram, torturaram, violaram, saquearam... Para eles, a guerra era uma brincadeira na qual, por exemplo, o comandante de Wallace lhes sugeria comer o coração de seus inimigos para fortalecerem-se nos combates.

As crianças recrutadas pelos rebeldes do RUF decapitaram, amputaram e violentaram. Segundo Human Rights Watch, queimaram civis vivos. Para encorajá-los a combater, os comandantes os torturam, expondo-os, assim, à submissão total. Antes das ações militares, são drogados. Por vezes, obrigados a assassinar seus parentes ou amigos, para que o rechaço de suas populações impeça seu eventual retorno.

Na iniciação dos jovens guerrilheiros do Sentiero Luminoso, no Peru, por exemplo, eram obrigados por ‘tribunais da aldeia’ a degolar os condenados e beber seu sangue. Meninos e meninas não começam as guerras, mas são os mais expostos às suas conseqüências letais. Grupos armados matam e mutilam meninos e meninas, destroem sua educação, impedem o acesso a serviços essenciais de saúde, aumentam a pobreza, a desnutrição e a doença.

Os conflitos podem separar também meninos e meninas de seus pais e mães, obrigá-los a fugir de suas casas e ser testemunhas de atrocidades, ou perpetrar crimes de guerra. Crianças são usadas como soldados porque são mais baratas e obedientes. Também as novas gerações de armas mais leves permite que sejam usadas por menores. Para o UNICEF, crianças terminam por tornarem-se assassinos e a cometer atrocidades em nome de causas que não entendem sob efeitos de drogas ou doutrinas.

“São crianças que provêm de famílias desmembradas, de baixo nível econômico e social, sem instrução e abandonados por seus parentes”. Além disso, as meninas sofrem abusos sexuais como estratégia do conflito, e todos são vítimas constantes de minas anti-pessoais – destaca a pesquisa.

A Coalizão Espanhola para acabar com o uso de crianças-soldado indicou que os menores são seqüestrados nas ruas, extraídos nas escolas e de campos de refugiados, ou forçados a abandonar suas casas sob a ameaça de um revólver, mas existem também meninos ‘voluntários’, que se unem às guerrilhas por causa da desintegração das famílias, de um conflito ou da pobreza.

Enquanto muitos pequenos, marginalizados e carentes de instrução, se alistam voluntariamente diante da falta de oportunidades em seus ambientes; outros são recrutados à força. “Toda guerra, justa ou injusta, vitoriosa ou desastrosa, é sempre uma guerra contra crianças!” – é um dos lemas de Eglantyne Jebb, fundadora, em 1919, de Save the Children. As conseqüências são tão dramáticas e evidentes que citá-las significa reduzir a dimensão global das mesmas a conseqüências específicas.

Contexto Legal Internacional

O Tribunal Penal Internacional considera este abuso um crime de guerra, enquanto as leis humanitárias internacionais e a Convenção dos Direitos das Crianças estabelecem a idade de 15 anos como mínima para o recrutamento e a participação em conflitos armados. O protocolo facultativo da Convenção dos Direitos das Crianças, promovido pelas Nações Unidas, elevou a idade mínima de recrutamento e a participação em hostilidades de 15 para 18 anos, em 22 de fevereiro de 2002. 110 países já assinaram este protocolo e 66 o ratificaram. Entre os países que aderiram ao Protocolo estão a República Democrática do Congo (RDC), Sri Lanka, Ruanda, Uganda e Colômbia. Mas na prática, vige pouco.

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