terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Direitos Humanos: crianças e mulheres violentadas em Serra Leoa

   A violação de mulheres e crianças era uma prática sistemática durante a brutal guerra civil em Serra Leoa, tanto pelos rebeldes, como pelas forças do governo. Um acordo de paz pôs fim ao conflito, em janeiro de 2002, mas, não a esse crime. "As violações aumentaram de maneira assustadora desde o final da guerra civil há dois anos", disse Amie Tejan-Kellah, do Centro Arco-Íris, que dá assistência a mulheres vítimas de crimes sexuais. "Nosso centro atende centenas de casos nas províncias do leste do país, bem como no ocidente", explicou. A organização, com sede em Freetown, fornece às mulheres tratamento médico, ajuda psicológica e assessoria legal. "É algo que desanima. Acabamos de ajudar 198 vítimas no distrito de Kenema, no leste, e aqui em Freetown. Nossa cliente mais jovem tem três meses e meio", ressaltou.
   A polícia de Serra leoa parece compartilhar da preocupação do Centro Arco-Íris, pois estabeleceu 24 Unidades de Apoio à Família em todo o país para investigar e prevenir as violações. "Essas unidades são uma espécie de equipes especiais que seguem os passos dos violadores. Estou seguro de que reduziremos a violência sexual", disse à IPS o oficial de polícia encarregado dessas unidades, Simeon Kamanda. "A polícia resolveu recentemente 58 casos de violação e os apresentou à Justiça. Em particular, colaboramos em julgamentos que culminaram com 19 condenações com penas entre seis e 22 anos de prisão", acrescentou.
   O Centro Arco-Íris uniu forças com Kamanda e com o Ministério do Bem-Estar Social, Gênero e Infância para ajudar mulheres violentadas ou vítimas de outras formas de violência. Até esta data, capacitou 150 funcionários em escolas de todo o país, que tem 4,8 milhões de habitantes. Por outro lado, o Fórum de Educadoras Africanas (FASE, sigla em inglês também estar preocupado com o alto índice de violações no país, e por isso criou escolas especiais para meninas e meninos vítimas desses crimes. "Esta causa vale a pena. Muitas dessas meninas têm traumas, e nosso trabalho é reabilitá-las", disse a diretora da FAWE, Christina Thorpe, ex-ministra de Governo de Serra Leoa.
   O Fórum é uma organização não-governamental que trabalha em 30 países africanos para reformar políticas públicas e garantir o acesso à educação em todo o continente. Alguns dos alunos das escolas criadas pelo FAWE em Serra Leoa foram escravos sexuais dos rebeldes ou das milícias do governo. A guerra civil nesse país da África subsaariana começou em 1991, quando a Frente Unida Revolucionária (RUF), apoiada desde a Libéria pelo então presidente Charles Taylor, lançou uma ofensiva para derrubar o governo e reter o controle das zonas produtoras de diamantes. O conflito deixou 75 mil mortos.
   "Na maioria dos casos de violação denunciados neste país as vítimas são meninas e meninos com idades entre seis e 16 anos, e 40% deles já haviam sido atacados antes", disse o sociólogo Michael Tommy. "A maioria dos responsáveis é de adultos que enganam as crianças oferecendo balas, dinheiro ou, simplesmente, as intimidam. Creio que devem ser tomadas medidas mais severas contra esses desalmados", acrescentou. Por sua vez, o Ministério do Bem-Estar Social trabalha com a Comissão de Reforma de Leis para fortalecer as normas referentes à Proteção dos direitos das meninas e dos meninos. O promotor-geral de Serra Leoa, Abdulai Timbó, destacou a necessidade de aumentar as penas para os violadores. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento anunciou que dará ajuda financeira ao sistema judicial de Serra Leoa para garantir que os processos contra os violadores tenham maior rapidez. 
   Nas ruas, a indignação é cada vez maior. Os violadores "deveriam ser castrados. É um crime abominável. Creio que se deve ser estipulada nenhuma fiança quando são levados ao tribunal", disse Musu Mansaray, mãe de uma menina de 12 anos violentada em Freetown. Por sua vez, a professora Bassie Sesay afirmou que "o único lugar para os violadores é uma prisão de segurança máxima. Convivemos com essa ameaça por muito tempo. Durante a guerra civil nossas crianças eram seqüestradas. Agora há paz, e as autoridades devem agir com toda firmeza", acrescentou. Em junho foi criado em Freetown um tribunal especial, com apoio da Organização das Nações Unidas, para julgar as violações dos direitos humanos cometidos durante a guerra civil. Mas, os principais responsáveis nunca passaram pelo tribunal. O líder do RUF, Foday Sankoh, morreu por causas naturais antes de ser julgado, e Taylor está exilado na Nigéria. (IPS/Envolverde)

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