sábado, 2 de maio de 2009

Comentário: Infiltrando-se entre os 'criminosos' em Mianmar

Ditadura birmanesa endurece contra ativistas de direitos humanos.
Repórter fala com ex-presos políticos que dizem correr risco de morrer.


Nicholas D. Kristof
Do New York Times, em Myawaddy, Mianmar


Antes de entrar em Mianmar vindo da Tailândia, você limpa suas malas de qualquer pista de envolvimento em algum mal pernicioso, como espionagem, jornalismo ou pregação de direitos humanos.

Depois, você deixa a cidade tailandesa de Mae Sot e atravessa a cintilantemente branca "ponte da amizade" até o posto da imigração birmanesa no outro lado. Entrando em Mianmar (antes conhecida como Birmânia), você ajusta seu relógio: Mianmar está adiantada em 30 minutos – e, ao mesmo tempo, 50 anos atrasada.

O governo da cidade já era um dos mais brutais do mundo, e nos últimos meses conseguiu se tornar ainda mais repressivo.

Um blogueiro, Nay Phone Latt, foi condenado a vinte anos na prisão. Um conhecido comediante, Zarganar, foi sentenciado a uma pena de 59 anos. Um ex-líder estudantil, Min Ko Naing, sobrevivente de anos de tortura e confinamento em solitárias, recebeu penas de 65 anos até agora, e enfrenta sentenças adicionais que podem atingir um total de 150 anos.

"Politicamente, as coisas estão piorando", disse David Mathieson, especialista em Mianmar do grupo Human Rights Watch, que vive na fronteira entre Tailândia e Birmânia. "Eles acabaram de sentenciar centenas de pessoas que deveriam ser agentes de mudança a longas penas na prisão."


Encontrei dificuldades para entrevistar as pessoas de Mianmar, porque viajava como turista com dois de meus filhos (minha esposa está cansada de eu sempre arrastar nossos filhos comigo para conhecer ditaduras). Porém, fomos parar no hospital Myawaddy, que tinha a equipe tão desfalcada que ninguém nos impediu de caminhar através de alas de pacientes negligenciados.

O negócio mais próspero que vimos no lado birmanês pertencia a um encantador de serpentes que montou uma loja temporária do lado de fora de um templo. No momento que se formou uma multidão, um soldado armado correu alarmado – e então relaxou, ao ver que a única ameaça à ordem pública era uma cobra.

Em Mae Sot, na Tailândia, visitei ex-prisioneiros políticos birmaneses, como o corajoso Bo Kyi. Eles estão sob risco de serem mortos por assassinos do governo birmanês, e mesmo assim continuam sua agressiva campanha por mudanças.

Igualmente inspiradores são os Free Burma Rangers (algo como Soldados pela Libertação da Birmânia), que arriscam suas vidas ao se infiltrarem nas profundezas do país durante meses, para providenciar cuidados médicos e documentar abusos de direitos humanos.

Um corajoso americano trabalhando com o grupo, que pediu que seu nome não fosse usado por razões de segurança, se comunicou comigo por um telefone via satélite, de seu esconderijo no centro de Mianmar. Ele sabe que o governo birmanês o matará caso o capture, e ainda assim permanece em busca de fotos e outras evidências de como os soldados birmaneses arrastam aldeões étnicos karen para trabalhos forçados e estupram mulheres e meninas. Um caso recente, descrito pelos Free Burma Rangers, envolvia uma menina de sete anos estuprada e morta.

A coragem dessas pessoas que buscam uma nova Mianmar é contagiante e inspiradora. Nesta nova administração, vamos ajudá-los – e ver se, com novas abordagens, poderemos finalmente derrubar um dos regimes mais odiosos do mundo.







A verdade é que a abordagem ocidental a Mianmar fracassou. A junta birmanesa governa despoticamente desde 1988, ignorando as eleições democráticas. Desde então, sanções tiveram efeito nulo em moderar o regime.

Tenho um grande respeito por Aung San Suu Kyi, a extraordinária mulher que ganhou um Prêmio Nobel da Paz por enfrentar os criminosos do país. Porém, o melhor uso de sua coragem agora seria aceitar que as sanções comerciais que ela defendia não conseguiram nada além de empobrecer ainda mais seu próprio povo. Assim como aconteceu em Cuba e na Coreia do Norte, isolar um regime corrupto geralmente atinge os inocentes e ajuda os criminosos a permanecer no poder.

Em vez disso, a melhor alternativa seria sanções financeiras que mirem especificamente indivíduos próximos ao regime – e, ainda mais, uma quebra na importação de armas de Mianmar.

"Seria muito difícil conseguir um embargo de armas através do Conselho de Segurança, mas isso é algo que atinge realmente ao coração de qualquer regime militar", diz Mathieson. "Você os priva das ferramentas de seu próprio auto-engrandecimento e da repressão."

O então presidente George W. Bush tentou ajudar os dissidentes de Mianmar, mas não teve nenhum capital internacional. A administração Obama, por sua vez, tem chances de liderar uma iniciativa global para conter as importações birmanesas de armas e trazer o regime à mesa de negociações.

As armas de Mianmar chegam através da China, Rússia, Ucrânia, Israel e Cingapura, e a Rússia está vendendo até mesmo um reator nuclear aos ditadores de Mianmar, diz Mathieson.

Ao atravessar da Tailândia a Mianmar, você cruza uma linha do tempo. Deixa o dinamismo e agitação da Tailândia e encontra uma estagnação de carros antigos e cabanas ao lado de esgotos abertos.

Nenhum comentário: