domingo, 31 de maio de 2009

Missão cumprida entre nuvens negras e diamantes

Thalif Deen

Nações Unidas, 06/01/2006, (IPS) - Quando os 1.700 soldados das forças de paz da Organização das Nações Unidas abandonaram Serra Leoa, no dia 31 de dezembro, a ONU qualificou essa missão como um enorme êxito em meio a um continente arrasado pelos conflitos étnicos e pelas guerras.

"A missão foi capaz de superar uma serie de importantes desafios políticos e militares e realizar uma operação de paz efetiva que deixa Serra Leoa muito melhor do que estava há cinco anos", orgulhou-se o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan.

Porém, os méritos políticos da missão podem ser ofuscados por uma onda de graves problemas econômicos que afetam esta pequena nação da África ocidental, com 5,5 milhões de habitantes, que ocupa o último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). "A pobreza continua sendo a principal ameaça à estabilidade neste país", disse o embaixador Daudi Mwakawago, representante especial da ONU em Serra Leoa. "Com desemprego de 70%, que afeta principalmente a juventude, os riscos para a segurança são evidentes", afirmou o diplomata no Conselho de Segurança, na semana passada.

Somente através de maior poupança nacional, do desenvolvimento do setor privado e dos investimentos estrangeiros diretos é possível compensar a previsível drástica queda das doações, por causa da maior competição mundial por esses recursos, disse Mwakawago. "A previsível redução da ajuda externa uma vez terminada a crise humanitária e o processo de recuperação do país, bem como o alto grau de corrupção que se percebe poderiam resultar em uma substancial escassez de capitais estrangeiros", advertiu Annan em um informe apresentado ao Conselho de Segurança. "Isto terá um impacto negativo na balança de pagamentos, na habilidade de manter a estabilidade macroeconômica e nos investimentos que o país necessita para seu crescimento econômico", disse o secretário-geral em seu informe.

Segundo o Fundo de População das Nações Unidas, a proporção da população de Serra Leoa abaixo da linha de pobreza era de 68% em 1990 (um ano antes do início da guerra) e 57% viviam com menos de um dólar por dia. Mas de acordo com o informe de Annan, que apresenta uma imagem mais detalhada da intensidade e profundidade da crise, "a brecha da pobreza" nacional (um indicador que mede a diferença entre renda média dos pobres e a linha de pobreza) é de 29%. A pobreza, segundo esse estudo, é muito mais profunda nas áreas rurais.

Marcus Thompson, diretor para Serra Leoa da organização humanitária internacional Oxfam, mostra-se um pouco mais otimista. "Confiamos que Serra Leoa continuará sendo um país pacífico, com ambiente estável e seguro que lhe permita continuar se desenvolvendo em sociedade com a comunidade internacional", disse Thompson à IPS. O país "tem agora a oportunidade de provar ao mundo seu compromisso com a paz, os direitos humanos e seu próprio destino como membro produtivo e apto da comunidade global", disse o ativista.

Ao cessar a Missão da ONU em Serra Leoa (Unamsil, sigla em inglês), as Nações Unidas citaram entre seus muitos sucessos o efetivo desarmamento, desmobilização e reintegração à vida civil de mais de 75 mil ex-combatentes envolvidos na guerra civil que atingiu o país entre 1991 e 2002. A força de paz da ONU, que chegou a ter 17.500 soldados, também teve papel preponderante na preparação e realização das eleições de 2002 e 2004, em ajudar o governo a recuperar o controle da exploração das jazidas de diamantes e em dar proteção ao Tribunal Especial para Serra Leoa encarregado de julgar os militares e combatentes acusados de crimes de guerra.

Os ganhos proporcionados pelas minas de diamantes aumentaram fabulosamente nos últimos anos, disse Mwakawago, principalmente devido à revisão e à reforma geral dessa indústria. A exportação de diamantes passou de US$ 10 milhões, em 2000, para US$ 130 milhões em 2004. De janeiro a novembro do ano passado, Serra Leoa exportou diamantes no valor de US$ 131 milhões, segundo dados da ONU. "O que ainda é necessário é reforçar a segurança, revisar o sistema de licenças, combater o contrabando e o trabalho infantil, distribuir os benefícios obtidos com a mineração de maneira eqüitativa, e também resolver as disputas limítrofes entre as comunidades", disse Mwakawago.

Com vistas às eleições presidenciais marcadas para 2007, a ONU espera ver a reestruturação da Comissão Nacional Eleitoral e a delimitação dos distritos eleitorais. "Estou convencido de que a realização de eleições livres e com credibilidade no ano que vem será um marco fundamental no processo para conseguir uma estabilidade duradoura em Serra Leoa", acrescentou o diplomata. No começo deste mês foi aberto o novo Escritório Integrado da ONU em Serra Leoa, que supervisionará a etapa de consolidação da paz. O governo do país também herdou a quase totalidade do equipamento militar que foi recolhido pela força de paz, incluindo 25 veículos leves e centenas de equipamentos de comunicação.

A comunidade internacional se ofereceu para ajudar esse país a reconstruir suas forças armadas. A Suíça enviou caminhões, os Estados Unidos três lanchas-patrulha, a China uma quarta lancha e a Holanda veículos militares. Annan disse que esse triunfo da Unamsil será usado como modelo a ser seguido em outras missões de paz em andamento. O secretário-geral também pediu a "todos os cidadãos de Serra Leoa que aproveitem esta oportunidade histórica única construída com o esforço de todos e a ajuda da Unamsil" e que "o futuro do país lhes pertence". Thompson afirmou que "a Oxfam tem toda a intenção de permanecer em Serra Leoa e continuar trabalhando por seu desenvolvimento".

Segundo Thompson, "temos um compromisso de ajudar o povo através de programas de direitos humanos, redução da pobreza, saúde, abastecimento de água, e continuaremos os trabalhos que fazemos desde 1961 junto aos nossos sócios, tanto nas tarefas de socorro como de assistência ao desenvolvimento. Agradecemos à Unamsil por seu árduo trabalho para manter a paz e temos confiança em que a Oxfam continuará fazendo sua parte para construir um ambiente estável e pacífico", acrescentou. (IPS/Envolverde)

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