sexta-feira, 29 de maio de 2009

Eleições na Índia: termina hoje a votação que dura há mais de um mês

Há quem fale na queda de titãs. Há quem fale no declínio dos leviatãs políticos. Ou simplesmente em fragmentação partidária. Use-se a expressão que se usar, as legislativas que estão em andamento na Índia salientaram que o Partido do Congresso e o Bharatiya Janata Party (BJP, nacionalista hindu) não só não aguentam sozinhos um governo, como lutam cada vez mais pela própria sobrevivência.

Desde a última década que nenhum dos partidos nacionais consegue governar o país sem negociações e casamentos de conveniência. Desta vez, e se os resultados das legislativas - que serão anunciados a 16 de Maio - não trouxerem surpresas, nem as tradicionais alianças chegarão para garantir a formação de um executivo. Quer este calhe ao Congresso, como parece mais provável, quer ao BJP. Os dois parecem estar a pagar erros cometidos desde há décadas.

O mesmo homem que ajudou o país a caminhar para a independência, e que o levou para a democracia, não conseguiu fazer em casa o que fez na segunda nação mais populosa do mundo. O Partido do Congresso, que Jawaharlal Nehru criou, continua a escolher os seus líderes tendo em conta o apelido - Nehru-Gandhi à frente de qualquer outro.

"A Índia começou a viagem para a independência apenas com um partido genuinamente nacional", escreve Edward Luce no livro In Spite of The Gods. O Congresso pretendia representar todas as castas, religiões, línguas e raças. Mas na verdade "foi esmagadoramente dominado pelas elites urbanas e rurais vindas sobretudo das castas mais altas... Esta cultura persiste até hoje".

A favor do Governo

Mas o Congresso sabe também que sem o voto das castas mais baixas não se mantém no poder. Alguns indicadores poderão ajudar os eleitores a renovar a confiança que inesperadamente depositaram no partido em 2004, quando todas as previsões apontavam para uma nova vitória dos nacionalistas hindus.

"Houve programas de emprego muito importantes, aplicados em regiões rurais", afirmou ao PÚBLICO o analista Sanjay Kumar, do Centro de Estudos das Sociedades em Desenvolvimento de Nova Deli, para comentar as principais medidas tomadas pelo Governo do Congresso. Trata-se de uma forma de dar emprego pelo menos durante 100 dias por ano a qualquer indiano das zonas rurais que esteja sem trabalho. Ou seja, a dezenas de milhões de pessoas.

Apesar dos casos de corrupção que gerou, a medida foi louvada pelo Banco Mundial e o director para a Índia da agência Action Aid considerou-a "uma das leis mais progressistas que a Índia alguma vez teve", cita a Reuters.

Sanjay Kumar realça outra das gran-des vitórias do executivo de Manmohan Singh: "O direito à informação oficial, que criou mais confiança no Governo. Se queremos saber alguma coisa, o Governo tem a obrigação de informar. É um aspecto revolucionário. Pode não fazer diferença para a população rural, mas faz muita nos meios urbanos".

Mas isto não será o suficiente para devolver ao Congresso a confiança que já recebeu dos indianos.

Mais semelhanças

Do ponto de vista económico, Congresso e BJP não diferem muito, comenta Constantino Xavier, do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). "Ambos são a favor do liberalismo económico", diz. O BJP realça, no entanto, que "o desenvolvimento não deve estar submetido aos valores ocidentais".

Em relação à política externa, "o BJP opôs-se ao acordo nuclear com os EUA [que permite a Deli adquirir material e tecnologia nuclear], mas foi o Governo do BJP que o iniciou. O Congresso só deu o último passo".

Mais do que contestar a situação económica da Índia - que cresceu oito por cento nos últimos quatro anos e que deve manter-se em segundo na lista de países em maior aceleração económica -, os nacionalistas hindus têm atacado as respostas ao terrorismo, sobretudo depois dos atentados de Novembro em Bombaim. "O BJP ameaçou o Paquistão com ataques preventivos, mas ninguém acredita nisso; ninguém no BJP com ambições de poder terá essa linha radical. Interessa à Índia aproximar-se do Paquistão."

Sendo o BJP um partido de tecnocratas e de poder, é também um partido moderado, continua o investigador do IPRI. "Mas tem também um handycap: as várias organizações da família nacionalista hindu." Como é o caso do Vishwa Hindu Parishad (VHP, Conselho Mundial Hindu) e de organizações não governamentais como o RSS, "que estão no terreno quando acontecem as coisas" - leia-se confrontos intercomunais - e dão as respostas mais radicais. "O BJP depende destas organizações para as eleições, mas ao mesmo tempo perde o eleitorado mais moderado."

O partido "transita constantemente entre conquistar eleitorado urbano e moderado e os canais de propaganda e retórica das organizações radicais hindus, servindo-se delas quando se quer demarcar do Congresso". Resta ao candidato a primeiro-ministro, Lal Krishna Advani, tentar fazer a ponte entre uns e outros.

Não se elegem anjos

Congresso e BJP "são partidos com liderança fraca, fragmentados ideologicamente, que sofrem pressões externas [da esquerda, no caso do Congresso, e dos nacionalistas no BJP] e estão ambos em erosão acelerada", resume Constantino Xavier.

O cenário favorece a proliferação dos partidos regionais - sendo que "regional" é um termo relativo: o estado Uttar Pradesh, por exemplo, tem 190 milhões de pessoas, tantas como o Brasil, lembra o historiador Mahesh Rangarajan num artigo na BBC.

"O declínio do Congresso data do fim da década de 1980. Foi então que deixou de atrair uma vasta gama de classes baixas, especialmente as minorias religiosas que sentiram que estava a fazer compromissos sobre o pluralismo em detrimento da sua segurança", explica o historiador. O BJP também nunca conseguiu acomodar o sentimento regional, com excepção do estado do Gujarat.

Rangarajan adianta que a Terceira Frente que entretanto emergiu, associando vários partidos regionais e de esquerda, é composta por grupos que defendem uma política mais descentralizada, inclinam-se mais para os eleitores rurais do que urbanos e vêem como positiva uma intervenção maior do Estado para garantir mais segurança social.

A formação de partidos regionais, de castas ou linguísticos (há 22 línguas oficiais na Índia) está a aproveitar-se do declínio dos dois partidos nacionais. E de certa forma a sua existência é mais representativa da diversidade indiana. Mas tornam difícil prever o desfecho destas eleições. Fortalecidos nas urnas, terão de ser tidos em conta na hora de formar governo.

"A democracia parlamentar na sua variante britânica foi uma planta estranha ao solo indiano... Sobreviveu devido a uma grande dose de tolerância entre as pessoas face às suas distorções evolutivas", escreve o analista e diplomata Pavan K. Varma, no livro Being Indian. "Os indianos não esperavam eleger anjos." E certamente não o farão nestas legislativas.

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