Em mais de vinte países as crianças participam directamente em guerras. É-lhes negada a infância a que têm direito e são presenteadas com o horror e a morte. Estima-se que entre 200 a 300 mil crianças tenham servido como soldados em conflitos actualmente em curso, quer fazendo parte de grupos rebeldes quer de forças governamentais. Estas crianças participam em todos os aspectos que fazem parte das guerras contemporâneas. Disparam armas na frente de combate, servem de detectores humanos de minas, participam em missões suicidas, carregam mantimentos e actuam como espiões, mensageiros ou vigias.
Psicologicamente vulneráveis e facilmente intimidáveis, as crianças tornam-se soldados obedientes. Muitas são sequestradas ou recrutadas à força, e geralmente intimadas a cumprir ordens sob ameaça de morte. Outras, juntam-se a grupos armados por desespero. À medida que o conflito vai destruindo a sociedade, deixando as crianças sem escola, obrigando-as a sair das suas casas ou a separar-se das famílias, muitas percebem que o ingresso nos grupos armados é a sua única hipótese de sobrevivência. Outras ainda, ao ingressar em grupos militares procuram apenas escapar à pobreza ou vingar membros da família que tenham sido mortos por facções opostas.
O Observatório dos Direitos Humanos (Human Rights Watch) tem denunciado vários países pela utilização de crianças-soldado: Angola, Birmânia, Burundi, Colômbia, República Democrática do Congo, Líbano, Libéria, Serra Leoa, Sri Lanka, Sudão, Uganda. A UNICEF tem realizado programas de desmobilização de crianças-soldado, em países como a Serra Leoa e o Afeganistão. A ideia é dar novas oportunidades a estas crianças, nomeadamente através da escolarização. A falta de fundos ou quebra nos apoios internacionais compromete muitas vezes estes programas.
A fragilidade dos acordos de paz assinados pelas partes envolvidas nos conflitos e tantas vezes violados também contribui para o fracasso da tentativa de desmobilização das crianças-soldado. Acresce que muitas das crianças ex-soldado quando regressam a casa não têm já uma estrutura familiar à sua espera. Os programas apontam ainda a necessidade de ajudar as crianças a adaptar-se à nova realidade existente nas suas comunidades. A mensagem da UNICEF é a aposta na educação.
Recentemente, em Fevereiro de 2007, durante a Conferência Internacional de Paris sobre as Crianças-soldado, os 58 países presentes comprometeram-se a lutar pela libertação incondicional destas crianças. Entre os compromissos assumidos num documento que resultou da conferência, pede-se aos Estados que as crianças-soldado sejam vistas como vítimas antes de serem acusadas de crimes aos olhos do direito internacional. Pede-se também que um menor que fuja ao recrutamento seja beneficiado pelo direito de asilo. Uma última chamada de atenção vai para o facto de as meninas estarem excluídas dos programas e das iniciativas diplomáticas sobre as crianças-soldado. Uma situação que os países participantes se comprometeram a "reverter e a corrigir".
Nas várias abordagens internacionais relativas ao problema, entende-se por criança-soldado qualquer pessoa que tenha menos de 18 anos e faça parte de qualquer tipo de força armada organizada ou não organizada. A definição nunca se refere apenas a crianças que usem ou tenham usado armas. Vai mais longe. Aplica-se a crianças que possam ter desempenhado no grupo armado funções tão diversas como transportar equipamentos, cozinhar ou servir de mensageiros. E a raparigas que tenham sido recrutadas para fins sexuais ou para «casamentos» forçados.
Notas recolhidas nos relatórios do Observatório dos Direitos Humanos (Human Rights Watch) sobre crianças-soldado
Nepal (Janeiro de 2007)
O uso de crianças pelos Maoístas
Milhares de crianças foram recrutadas pelo Partido Comunista do Nepal (Maoísta) durante 10 anos de guerra civil. Crianças estiveram na linha da frente do conflito, receberam treino em armas e realizaram acções de suporte militar e logístico cruciais aos Maoístas. Apesar do governo ter assinado um acordo de paz, em Novembro de 2006, os Maoístas continuaram a recrutar crianças tendo recusado libertar algumas que já integravam as suas forças.
Sri Lanka (Janeiro de 2007)
O Estado pactua com sequestros e recrutamento de crianças pelo grupo Karuna
O grupo Karuna tem sequestrado centenas de crianças no Sri Lanka Oriental para combater. Este grupo é liderado pelo antigo comandante de um outro grupo, os Tigres de Libertação da Pátria Tamil, e seu actual opositor. As forças de segurança governamental longe de parar os sequestros facilitam o trabalho aos sequestradores, permitindo o transporte das crianças por postos de segurança a caminho dos campos de treino. A denúncia consta do último relatório do Observatório dos Direitos Humanos.
Burundi (Junho 2006)
Longe de casa
Durante os treze anos da guerra civil no Burundi, crianças têm sido recrutadas e usadas como combatentes pelos dois lados envolvidos no conflito. Mais de três mil crianças foram desmobilizadas, mas o grupo rebelde denominado Forças de Libertação Nacional (FLN) continua a usar crianças como combatentes e como auxiliares em várias tarefas logísticas. Por outro lado, dezenas de crianças que serviram ou são acusadas de ter servido como soldados nas FLN estão agora sob custódia governamental, no entanto, sem qualquer tipo de assistência.
África Ocidental (Março 2005)
Juventude, pobreza e sangue: A herança letal dos guerreiros regionais
Desde 1989, jovens soldados têm lutado em conflitos armados na Libéria, Serra Leoa, Guiné, Costa do Marfim, sempre cruzando fronteiras entre países vizinhos para lutar pelo seu sustento económico como mercenários.
Libéria (Fevereiro 2004)
Como combater, como morrer
Mais de 15 mil crianças-soldado lutaram nos dois lados da guerra civil na Libéria e muitas unidades eram formadas essencialmente por crianças. O relatório do Observatório dos Direitos Humanos sobre este país, assinala não apenas os abusos cometidos sobre as crianças-soldado, como as violações que estas foram forçadas a exercer sobre os civis. O relatório alerta que a paz na África Ocidental vai depender do sucesso da reintegração das crianças-soldado na sociedade.
Colômbia (Setembro 2003)
"Vais aprender a não chorar"
Mais de 11 mil crianças combatem no conflito armado na Colômbia tanto do lado da guerrilha como das forças paramilitares. Ambas as forças confiam às crianças-soldado a execução de verdadeiras atrocidades, tais como executar outras crianças no deserto. A guerrilha chama "abelhinhas" (little bees) às crianças-soldado por serem capazes de "picar" antes que o seu alvo se aperceba que está sob um ataque. Os paramilitares chamam-lhes "pequenas campainhas" (little bells), referindo-se à sua utilização como sistema de alarme. Desde 1998 que o recrutamento de crianças-soldado tem aumentado, de acordo com vários relatórios de organizações não governamentais.
Angola (Abril de 2003)
Combatentes esquecidos
Abril de 2003 marca um ano sobre a data do acordo de paz em Angola. Tanto o maior grupo armado da oposição, União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), como o governo, usaram crianças como soldados nos seus exércitos durante a guerra. Os grupos de defesa dos direitos das crianças estimam que mais de 11 mil crianças estiveram envolvidas nos últimos anos da guerra. No entanto, estas crianças-soldado foram excluídas dos programas de desmobilização.
Uganda (Março de 2003)
Crianças roubadas
O Exército de Resistência do Senhor (LRA) no norte do Uganda atingiu números recorde de sequestro de crianças tendo-as submetido a um tratamento brutal, como soldados, trabalhadores e escravos sexuais. Em 2002, estimava-se que cinco mil crianças tivessem sido sequestradas, um número que um ano antes era de menos de 100 crianças. Os rebeldes raptavam crianças de oito anos nas escolas e nas suas casas, as meninas eram usadas como "esposas" dos combatentes rebeldes.
Serra Leoa (Julho de 2003)
Reintegração de crianças-soldado ameaçada
Uma denúncia da UNICEF alerta para o perigo que acarreta a falta de fundos internacionais para a reintegração de mais de sete mil crianças outrora combatentes nas guerras civis naquele território. O acordo de paz estabelecido na Serra Leoa, em 2000, prometia educação para as crianças ex-soldado como forma de lhes possibilitar estruturar-se para a sua sobrevivência. Muitas destas crianças tinham-se juntado aos grupos armados por falta de alternativas. "Só através de programas de formação se lhes abrirão as portas do futuro", alerta a UNICEF num comunicado.
Birmânia (Outubro de 2002)
"A minha arma é maior do que eu"
Acredita-se que a Birmânia tenha o maior número de crianças-soldado do mundo. A larga maioria combate no exército de libertação da Birmânia, o Tatmadaw Kyi que consecutivamente recruta crianças de 11 anos. Estas são submetidas a treinos brutais e forçadas a participar nos combates e nos abusos cometidos contra os civis. As crianças estão também presentes em grupos opositores, ainda que em número bastante inferior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário