Antônio Márcio Buainain é professor assistente doutor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp e pesquisador sênior do Núcleo de Economia Agrícola e Meio Ambiente (NEA)/IE/Unicamp.
03/04/2009
Antonio Márcio Buainain
A crise parece ignorar os pacotes bilionários anunciados mundo afora pelos governantes. Enquanto as bolsas flutuam ao sabor das notícias de cada dia, as estatísticas mostram assustadora progressão do nível de desemprego, forte retração da produção industrial, quedas nas vendas de veículos e do próprio comércio mundial. O mundo, que até outro dia era plano, na imagem de Thomas Friedman sobre a nova economia, está agora encolhendo como sempre aconteceu na velha e boa economia de mercado. A extensão da crise ao agronegócio brasileiro colocaria lenha em uma fogueira que pode assar mais do que as batatas doces e milhos verdes das festas juninas. Neste contexto, cabe uma reflexão sobre os possíveis impactos da crise, assim como sobre a política para os tempos de crise.
Quando se projeta o futuro mais longínquo o cenário é promissor: a demanda por alimentos continuará crescendo junto com a população mundial e o Brasil dispõe de terras e base tecnológica para atender a essa demanda. O problema é que entre este futuro promissor e o presente interpõem-se o curto e médio prazos, cheios de incertezas e pelo menos algumas dificuldades colocadas pela crise atual.
Nenhum cenário imediato é favorável. Embora o agronegócio brasileiro seja um global trader, a economia de muitos países importadores está sendo duramente abalada pela crise e os preços das commodities agrícolas - inflados no passado recente pelo forte crescimento e pela especulação - estão em queda e deverão permanecer abaixo dos níveis pré-crise por algum tempo. A concorrência internacional deverá se acirrar, em particular nos segmentos nos quais os países desenvolvidos são grandes produtores e exportadores.
A crise acentua todas as conhecidas deficiências estruturais do setor e o gap entre demandas dos produtores e propostas do governo é grande. A questão é saber se o agronegócio brasileiro, que tem inegáveis vantagens no longo prazo, está em condições de enfrentar este cenário negativo imediato. A desvalorização do real ajuda a compensar a queda de preços, mas não sustenta a competitividade de nenhum segmento em uma economia aberta.
Uma política agrícola anticrise deveria levar em conta que a crise tem um lado destruidor e purgativo, como dizia Marx, mas que também gera oportunidades para a emergência do novo, para a recriação do velho em bases mais saudáveis, para o conserto de erros e a correção de rumos. Uma política anticrise só funcionará como ponte entre o presente e o futuro promissor se for capaz de proteger os ativos construídos no passado e que são estratégicos para conquistar o futuro. No legítimo jogo das pressões que definem as políticas, corre-se sempre o risco de preservar o velho e dispensável, sem evitar os piores efeitos da crise e nem lançar as bases para o futuro, e por isto é preciso focar nos ativos estratégicos que assegurem a sobrevivência imediata e as condições de competitividade no período pós-crise.
O principal ativo do agronegócio brasileiro, base da competitividade revelada ao longo da última década na qual o país assumiu posição de liderança mundial, foi a construção de cadeias produtivas complexas, com ramificações que começam na produção de commodities e se estendem à geração de tecnologia, redes privadas de financiamento e logística, industrialização, inovação de produtos e comercialização final. Algumas são mais coordenadas e integradas, como a da avicultura, suinocultura, tabaco, suco de laranja ou sucroalcooleiro; outras menos articuladas, como a do café, fruticultura irrigada, floricultura, carne bovina, cacau e grãos, mas ainda assim a força e/ou debilidade do vendedor final se assenta em todos os demais elos.
Embora todas compartilhem problemas comuns, a rigor não se pode falar de uma agricultura, ou de um agronegócio. São vários, com dinâmicas próprias, problemas específicos e dimensões regionais bem marcadas. Portanto, o que está em jogo é a preservação da competitividade das cadeias e clusters produtivas do agronegócio, que se assenta em pesados investimentos feitos no passado - em infraestrutura física, máquinas, know-how da produção e do mercado, logística, capacidade de gestão, instituições - e se traduz em market shares duramente conquistados, apesar das conhecidas ineficiências sistêmicas e do Custo Brasil elevado.
A crise pode debilitar, ou mesmo destruir, cadeias que demandam tempo para amadurecer. A inserção em novos e promissores mercados, como o de frutas e flores, ainda incipiente, é um exemplo. A perda dos canais de comercialização nos EUA e na UE acarretaria custos elevados. A desestabilização da cadeia da carne, caso não se contenha a crise financeira dos frigoríficos, não se resolve com a ocupação do espaço pelos sobreviventes, pois isto aumentaria ainda mais a insegurança para os produtores derivada da já acentuada assimetria de poder de mercado.
O Brasil tem hoje uma das mais completas e sofisticadas políticas agrícolas dentre os países de renda média, que atua no plano do setor e não na articulação e coordenação das cadeias, considerados esferas de regulação privada. É um equívoco. Sem voltar ao IBC ou IAA do passado, é preciso identificar gargalos, fragilidades e potencialidades em cada cadeia, e atuar politicamente para superá-los e fortalecê-los. Como se faz na indústria. Os recursos para assegurar liquidez presente deveriam ser canalizados para finalidades estratégicas, como por exemplo, a erradicação de cafezais decadentes e de baixa qualidade, a recuperação de pastos degradados e a melhoria genética do rebanho - ambos redutores da pressão ambiental -, que fortaleceriam essas cadeias para competir na crise e na pós-crise.
Sem o fortalecimento dos mecanismos de financiamento e estabilização da renda da atual política, e sem focar nas cadeias, é muito provável que o agronegócio brasileiro contribua para agravar a crise e não para aliviá-la, como ocorreu no passado.
E-mail: buainain@eco.unicam
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