sexta-feira, 29 de maio de 2009

ACNURH - primeiro briefing


As reuniões do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNURH) no início da década de 1990 têm por objetivo discutir as formas de repatriamento dos refugiados cambojanos e todas as suas peculiaridades. Muitas dificuldades são encontradas e a cada nova notícia, mais informação chega aos nossos delegados para que assim cumpram sua missão da melhor maneira possível. Abaixo, uma notícia do New York Times publicada em 21 de outubro de 1991.


Plano do Khmer Vermelho de mover refugiados de volta para o Camboja cria pânico


Por: PHILIP SHENON,

Publicado Segunda, 21 de outubro de 1991


Cartas de refugiados cambojanos, escritas com pânico e entregues aos trabalhadores humanitários internacionais na fronteira entre a Tailândia e o Camboja, indicam que o antigo e terrível medo está de volta.

“O fantasma de 1975 está de volta”, disse uma carta angustiada se referindo ao ano em que o Khmer Vermelho assumiu o controle do Camboja e iniciou quase quatro anos de terror que deixaram mais de 1 milhão de cambojanos mortos em uma população total de 7 milhões, tendo terminado com a invasão do Vietnã. “Por favor me ajudem!” o autor disse. “Eu não posso ficar. Eu não sei como eu posso escapar”.

Outra nota, escrita em Khmer - linguagem cambojana - num pequeno e manchado pedaço de papel, pedia: “Salvem meus filhos de outro pesadelo cambojano. O Khmer Vermelho é capaz de qualquer coisa”. Tais cartas – algumas em Khmer, outras em inglês, francês ou tailandês – foram cuidadosamente entregues para os trabalhadores humanitários internacionais nas três semanas seguintes ao anuncio do plano do Khmer Vermelho de mover centenas de refugiados cambojanos através da fronteira em direção à epidemia de malária e à selva cambojana que conta com diversos trechos minados.


Visando às eleições

Diplomatas, trabalhadores humanitários e os próprios refugiados – em suas cartas e nas entrevistas próximas ao campo central na fronteira com a Tailândia – dizem que o Khmer Vermelho está determinado a repovoar rapidamente as áreas do Camboja que estão sob seu controle, não importando os perigos impostos por doenças e minas; e, a partir daí usar, a intimidação para controlar as eleições convocadas sob os termos do plano de paz das Nações Unidas para o Camboja.

O tratado de paz das Nações Unidas que pretende finalizar a longa guerra civil no Camboja está marcado para ser assinado na quarta-feira, 23 de outubro, em Paris. O Khmer Vermelho pretende realizar seu próprio plano de repatriação até a assinatura do tratado – mas, suspeita-se, que não demore muito mais tempo. Dos mais de 350 mil refugiados cambojanos que vivem na Tailândia, como resultado da guerra civil cambojana, 70 mil estão em campos administrados pelo Khmer Vermelho com assistência das Nações Unidas.


Detenção de líderes eleitos

Em setembro, o Khmer Vermelho atraiu 16 líderes civis eleitos do maior campo na Tailândia, conhecido como Site 8, para o Camboja, prendeu-os, e anunciou o plano de mover os restantes 44 mil residentes de volta para o Camboja nos próximos dias.

Os líderes civis, que ainda estão detidos no Camboja, foram substituídos por oficias militares do Khmer Vermelho, causando pânico entre os refugiados. “Pessoas estão tremendo de medo”, um refugiado escreveu alguns dias depois. Entre os trabalhadores humanitários acredita-se que os líderes civis dos campos foram levados por causa da sua resistência em violar os acordos das Nações Unidas, pois não encorajavam outros cambojanos a atravessarem a fronteira sem supervisão internacional e antes que as áreas de fronteira fossem desminadas.

Os líderes do Khmer Vermelho, ainda insistindo que os assassinatos em massa bem documentados da década de 1970 nunca ocorreram, estão preparando seu retorno ao Camboja – dessa vez com aprovação internacional, como parte de um governo de coalizão a ser instalado esse ano em Phnom Penh, a capital, sob os termos do tratado das Nações Unidas.


Planejamento do conselho de 12 membros

De acordo com o tratado, uma Suprema Corte Nacional composta por 12 membros – formada por governos apoiados pelo Vietnã, pela China e por dois outros grupos guerrilheiros em uma aliança com Khmer Vermelho – irá assumir os poderes do governo. Contudo isso irá fornecer enorme poder para autoridade transitória das Nações Unidas apoiada por centenas de tropas de peacekeeping que devem supervisionar o desarmamento, a repatriação dos refugiados e as eleições livres dentro de 18 a 21 meses. Mesmo que os oficiais queiram aderir aos termos do acordo, o Khmer Vermelho. Ainda, mesmo quando abordados na sujas estradas ao redor do campo, os refugiados expressaram medo de falar com qualquer estrangeiro.

“É muito perigoso”, disse um soldado cambojano aposentado que vive no campo e que perdeu a perna em uma mina anos atrás. Em um sussurro ele adicionou: “Mas, por favor, saiba que eu não quero voltar para o Camboja agora. Muitas minas. Sem comida”


Leitura estrangeira condenada

Além das preocupações com os refugiados e com os campos de trabalhadores, o Site 8 é descrito como palco do retorno dentre os oficiais do Khmer Vermelho da xenofobia que foi característica da liderança de Pol Pot entre abril de 1975 e o final de 1978. Em um incidente ocorrido nesse mês e descrito em uma das cartas dos refugiados, um soldado armado do Khmer Vermelho repreendeu um grupo de residentes do campo por lerem livros estrangeiros. O soldado alertou-os para pararem de lerem livros estrangeiros.

“Não é do interesse do nosso povo e da nossa nação, porque você não sabe que essas ideologias estão sendo colocadas nas suas cabeças; e você pode acabar esquecendo-se do seu adorado povo e de seu país”, foi citado como fala do soldado. Também há relatos nos campos que os 16 líderes civis foram obrigados a escrever suas histórias de vida, uma técnica usada pelo Khmer Vermelho no passado para identificar seus inimigos, reais e imaginados, e então prendê-los ou executá-los.


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