sexta-feira, 5 de junho de 2009

A alucinação de Pol Pot


O antigo ditador, que morreu em 1998 em circunstâncias que não foram esclarecidas, teria "começado a se desligar das realidades" depois da vitória militar de 1975. "Mais todo mundo continuou a aplaudi-lo", nas fileiras do PC, e a "apoiar as suas decisões" porque ele invocava "os perigos que representavam a CIA americana e os vietnamitas". Essa explicação parece ser um pouco limitada, quando se sabe que os expurgos, no quadro do aparelho comunista, eram contínuos.


Pol Pot, o sorriso amigo

Khieu Samphan afirma que ele não consegue "entender até hoje". "Em 1968, Pol Pot deu mostra de perspicácia na organização das zonas liberadas pelos khmers vermelhos. Durante a guerra contra os americanos e os vietnamitas do sul, a criação de cooperativas de "nível inferior" - terra privada, partilha das colheitas - correspondeu às necessidades em razão das destruições causadas pelos bombardeios americanos, e eu percebi que os camponeses estavam aderindo a valer". Por fim, ele acrescenta que a vitória de 1975 comprovou que Pol Pot era um "estrategista".

Mas, após esta vitória, e, portanto, mais uma vez no poder, Pol Pot escolheu o "comunismo total" e a passagem "para as cooperativas de nível superior", com a supressão da distribuição das colheitas". "A desgraça veio do fato de que a vitória fortaleceu Pol Pot na sua convicção de que, para escapar das pressões inimigas, o único caminho possível era a coletivização total, e não apenas a das campanhas", diz Khieu Samphan, que permaneceu ao lado do líder khmer vermelho até o fim.

"Estava claro", prossegue, "que os camponeses não podiam aceitar as expropriações nem a perda das colheitas. A economia rural havia sido destruída pela guerra e as pessoas precisavam respirar um pouco". Em vez disso, "poderes terríveis foram atribuídos aos chefes das cooperativas, o que apresentava o risco de esses indivíduos não possuírem qualquer formação política e não terem sido confrontados às duras provas da vida".

Ele cita um outro exemplo: por que notas de dinheiro haviam sido impressas e estocadas pela guerrilha em 1974 com objetivo de substituir, uma vez o poder conquistado, a moeda emitida pelo governo de Lon Nol, sitiado em Phnom Penh? "A supressão da moeda não havia sido prevista", diz. Então, por que isso foi feito logo depois da vitória de 1975? O mesmo poderia ser dito a respeito dos correios, do ensino, da família, dos intelectuais...

Com a distância, o antigo chefe do Estado estima que "a alucinação de Pol Pot permanece um grande ponto de interrogação". Nos primeiros dias de 1979, quando o exército vietnamita já invadira o sudeste cambojano e estava dirigindo seus blindados rumo a Phnom Penh, Pol Pot permaneceu "muito calmo". "Até o último minuto, ele achou que, quanto mais o inimigo avançasse, quanto mais fácil seria destruí-lo; foi o que ele repetiu até 5 de janeiro", ou seja, 48 horas antes da entrada dos vietnamitas em Phnom Penh, após duas semanas apenas de ofensiva.

Khieu Samphan começou a ter "dúvidas" durante os dias que precederam esta ocupação da capital. "Eu estava encarregado da distribuição dos medicamentos, enquanto os hospitais estavam lotados de feridos", diz. Em 2 de janeiro de 1979, Pol Pot "considera mais prudente" afastar o príncipe Sihanouk de Phnom Penh e pede a Khieu Samphan para conduzi-lo até Sisophon, um vilarejo situado a cerca de 60 quilômetros da fronteira tailandesa, o que ele faz. Então, Pol Pot lhe ordena de trazer o príncipe de volta a Phnom Penh. Ele obedece.

Em 5 de janeiro, Pol Pot lhe pede para "convidar o príncipe para vir conversar com ele". "Era a primeira vez que ele pedia para ver o príncipe e eu entendi então que a situação estava muito ruim". Durante a conversa, Pol Pot "solicitou" a intervenção de Sihanouk perante o Conselho de Segurança da ONU, para defender o Kampuchea democrático - o regime dos Khmers vermelhos. "Eu entendi", diz Khieu Samphan, "que Pol Pot havia sido surpreendido". Sihanouk - que voltará para o seu trono em 1993 - viajou, depois de uma escala em Pequim, para Nova York, onde, após ter defendido a causa do Camboja na ONU, ele escapou da vigilância de sua escolta de khmers vermelhos.

Frente às forças vietnamitas, "houve deslocamentos de unidades porém não houve nenhuma debandada", afirma contudo Khieu Samphan. A liderança khmer vermelha reuniu-se na floresta dos montes Cardamones, não longe da Tailândia. "Todo mundo reconheceu que graves erros haviam sido cometidos, mas era tarde demais", prossegue. Os Khmers vermelhos renunciam então a uma "solução militar" e optam por uma política "frentista", portanto, por uma "união de todas as forças nacionais". Ele confirma que, em 1979, Pol Pot "assumiu as suas responsabilidades e ofereceu a sua demissão", confirmando o boato que circulou na época. Ta Mok, um pilar da direção khmer vermelha, e Nuon Chea, então o segundo oficial mais importante na hierarquia do movimento, "recusaram a sua demissão". "Quem irá substituir o senhor?", responderam-lhe, segundo Khieu Samphan, o qual acrescenta: "Estávamos distantes do espírito de 1970-1971."

Pol Pot permanece portanto à frente da guerrilha mas a sua saúde vai de mal a pior. Nuon Chea, por sua vez, preocupa-se "cada vez mais com a sua própria saúde" e participa com menos afinco da direção do movimento. Em 1985, os Khmers vermelhos decidem "preparar Son Sen" para a sucessão de Pol Pot. O herdeiro assim designado fora encarregado, entre outras coisas, de supervisionar os centros de tortura e de extermínio de 1975 a 1978. Em 1996, o movimento khmer vermelho, cuja história não passa de uma sucessão de traições e de expurgos, cinde-se novamente: Ieng Sary e o seu clã fazem as pazes com Phnom Penh. "Essa foi uma dura prova", comenta Khieu Samphan, que continuou ao lado de Ta Mok e de Pol Pot. Pouco antes da morte deste último, Son Sen "toma o poder". Ele é abatido. Quem deu a ordem? "Foi Pol Pot", responde Khieu Samphan.

Enquanto ele reconhece, de maneira muito tardia, o genocídio, este último continua a expressar sentimentos divididos - "contraditórios", repete ele - em relação ao líder khmer vermelho. "Pol Pot", diz, "sempre se mostrou amigável comigo, e eu posso afirmar que ele me estimava como um intelectual patriota. Ele comparava as nossas relações com as de Lênin com Gorki e parecia pensar, ao meu respeito, que os intelectuais nunca têm os pés no chão".

A respeito de Ta Mok, cuja aliança com Pol Pot foi crucial, ele conta que ele nunca tomava notas durante as reuniões. Quando Pol Pot o repreendia, Ta Mok começava a escrever "em papel de seda de cigarros". Será que ele chegou alguma vez a ser ameaçado pela direção khmer vermelha? Khieu Samphan responde: "Francamente, não". "Até mesmo Ta Mok gostava de mim; nunca tive problemas com ele. Em 1979, depois da ocupação do Camboja pelos vietnamitas, nós não apostamos numa solução armada, mas na necessidade de uma frente unida apoiada pelos países da região e, numa certa medida, numa intervenção do Ocidente. Ta Mok voltou-se para mim e, brincando, me disse: "Daqui para frente, você poderá aderir à CIA".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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