sábado, 1 de novembro de 2008

Na contramão da crise mundial, Moçambique vê capitalismo prosperar

Daniel Gallas

Enviado especial da BBC Brasil a Maputo

Na contramão da crise mundial, Moçambique vê capitalismo prosperar

Economia subindo em média 7% ao ano, bolsa de valores com alta de 12% no acumulado de 2008, investimento estrangeiro crescendo, obras sendo realizadas e aumento do consumo da população.

Esse é o cenário econômico atual em Moçambique, um dos países mais pobres do mundo, em um momento em que os países ricos vivem sob a ameaça de uma recessão global.

Assista à reportagem.

Enquanto os países desenvolvidos se preparam para taxas de crescimento próximas ou até abaixo de zero, em Moçambique – onde o capitalismo começou há apenas 16 anos – quase todos descartam uma recessão e comemoram o bom momento nacional. Com a economia arrasada por uma guerra civil entre 1976 e 1992, Moçambique passou a última década crescendo rapidamente, sobretudo graças a investimentos estrangeiros.

Embora ainda não se perceba sinais da crise financeira, há temores aqui de que qualquer tropeço da economia mundial possa reduzir o ritmo acelerado de crescimento – que é fundamental para combater a extrema miséria da população de Moçambique, o oitavo país com maior índice de pobreza no mundo.

Bolsa em alta

Um dos símbolos do novo momento capitalista do país é a Bolsa de Valores de Moçambique, no centro da capital Maputo.

Há 20 anos, Moçambique era socialista e quase toda a economia era estatal. Criada no final dos anos 90, durante a transição para o capitalismo, a bolsa começou movimentando US$ 4 milhões em títulos, quase todos de empresas recém privatizadas.

Hoje, o mercado financeiro moçambicano negocia US$ 350 milhões em títulos de empresas com capital aberto. Desde o começo do ano, o movimento cresceu 12%, mesmo em meio à queda das bolsas em todo o mundo.

O presidente da Bolsa de Moçambique, Jussub Nurmamade, reconhece que a bolsa de Maputo é minúscula para os padrões do mercado financeiro – apenas seis corretores operam comprando e vendendo ações – mas diz que as operações refletem o otimismo do novo empresariado nacional.

"Temos uma classe nova de empresários novos motivados, com idéias novas", explica Nurmamade à BBC Brasil. Os setores de mineração, frutos do mar, turismo e agricultura são os que mais crescem em Moçambique.

O sinal mais visível do crescimento econômico de Moçambique está nas ruas. O governo diz que o investimento estrangeiro no país cresceu 700% entre 2006 e 2007, puxado pela instalação de fábricas e, em grande parte, por construtoras chinesas. Em Maputo, há diversos outdoors de construtoras "das quatro estrelas do Oriente" vendendo apartamentos.

No bairro de Zimpeto, 14 quilômetros ao leste do centro de Maputo, cerca de 100 operários chineses constroem o novo Estádio Nacional de Moçambique, com capacidade para 42 mil torcedores. O país quer receber as seleções de futebol na fase preparatória que antecede a Copa do Mundo de 2010, na vizinha África do Sul, o que daria um impulso ao crescente turismo.

A obra é financiada pelo governo da China. Um dos diretores da obra, que preferiu não se identificar, disse à BBC Brasil que o estádio de US$ 57 milhões terá atrações inéditas aos torcedores moçambicanos – como modernos telões, câmeras de segurança e grama sintética – semelhante ao que se viu na Olimpíada de Pequim deste ano.

Futuro incerto

Apesar do otimismo vivido pelo país, os políticos e empresários acreditam que a crise mundial terá algum tipo de impacto na economia do país.

"A crise financeira internacional tem impactos tremendos em diferentes países, mas nós não vislumbramos isso, porque a nossa economia está resistindo bem", disse recentemente a jornalistas o ministro das Relações Exteriores, Olegário Balói.

O presidente da Bolsa de Valores de Moçambique diz que com a crise financeira, grandes investidores estrangeiro – como China, África do Sul e Estados Unidos – terão menos crédito para obras em Moçambique.

"Como podemos pensar que não vamos ser afetados se dependemos muito da ajuda externa, sobretudo de países que nos ajudam, como Estados Unidos e países europeus", questiona Nurmamade. "Eu penso que o que pode acontecer é diminuir as nossas taxas de crescimento, mas posso garantir que de modo algum nos vamos entrar em uma recessão, como se vê no resto do mundo."

A economia de Moçambique já vai crescer menos neste ano, na comparação com 2007. A Direção Nacional do Orçamento, órgão do governo que cuida das finanças públicas, prevê que o PIB crescerá 7,3% em 2008, em vez dos 8,4% registrados no ano passado.

A queda seria mais por conta do excelente ano vivido pela economia em 2007 do que por influência da crise mundial - e o país ainda conseguiu manter seu crescimento acima da média da
última década, de 7% ao ano.

Combate à pobreza

Mas há temores que a desaceleração possa ser maior. O FMI prevê que o crescimento médio dos países da África subsaariana cairá de 6,5% ao ano em 2007 para 6% em 2008 e 2009. No caso de Moçambique, o Fundo prevê que a taxa de crescimento possa ficar abaixo de 7% já no próximo ano.

Apesar de a redução ser modesta, ela é preocupante em Moçambique, o país com o sexto pior IDH (índice de qualidade de vida da ONU) do mundo. Entre 1997 e 2003, período de prosperidade e aceleração, a porcentagem de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza caiu de 69% para 54%.

Segundo o FMI, cada vez que o PIB per capita cresce um ponto percentual em um país da África subsaariana, 0,5% da população ultrapassa a linha da pobreza, de US$ 1 por dia. O medo entre muitos moçambicanos é que uma retração da economia nacional, por menor que seja, agrave ainda mais a miséria e a desigualdade no país.

"Eu concordo e aceito que a economia do país está subindo", disse à BBC Brasil Manoel Matte, comerciante de artesanato do mercado público de Maputo.

"Mas aqui na capital do país temos problemas de alimentação. Os alimentos são produzidos no norte do país, e essa produção vai para o Malauí nós aqui no sul estamos sofrendo de fome. Esta é a única falha que eu estou vendo. O resto, eu acho que está melhor, pois temos transporte e estabilidade da nossa moeda, o que é um sinal de que a nossa economia está subindo."

Um comentário:

dra. marcia alvernaz disse...

Acho importantíssimo verificarmos como são as leis trabalhistas deste país. Talvez um dos fatores incentivadores de investimento estrangeiro seja uma mão-de-obra barata.
Marcia Alvernaz, médica ginecologista e obstetra. Minas Gerais, Brasil.