sábado, 1 de novembro de 2008

Assassinatos do tráfico assombram crianças no México

Marc Lacey
The New York Times

Tragédias traumatizam as pequenas testemunhas.Exposição à violência pode atrapalhar aprendizado e futuro.

Em Tijuana, México, o menininho, com seu uniforme escolar cuidadosamente passado e rodeado de amigos, levantou 10 pequenos dedos, cada um representando um corpo que ele diz ter visto do lado de fora de sua escola numa manhã recente.

Mas ele ainda não tinha terminado. Ele baixou os 10 dedos e levantou outros dois. Doze corpos no total. “Eles deceparam as línguas”, disse o menino, aparentemente fascinado com o que viu na cena da chacina em frente à Escola Primária Valentín Gómez Farías, três semanas atrás. “Eu vi o sangue”, afirmou um colega de classe, entusiasmadamente.

“Eles estava amarrados”, acrescentou outro.

A explosão mexicana de violência relacionada ao narcotráfico ganhou a atenção das crianças do país. Peritos dizem que as atrocidades que os jovens estão escutando e, por vezes demais, testemunhando, estão tornando-os mais duros, traumatizados, preenchendo suas mentes com imagens que são duras de apagar.

“Infelizmente, com essa onda de violência das drogas, houve danos colaterais entre as crianças”, disse Jorge Álvarez Martínez, professor da Universidade Nacional Autônoma do México que se especializa em stress pós-traumático.

Tal exposição à violência pode atrapalhar o aprendizado, interromper o sono e durar anos, disse ele. Em nenhum lugar o trauma é maior do que ao longo da fronteira com os Estados Unidos, onde os cartéis de drogas enfrentam uns aos outros por um crescente mercado doméstico e as lucrativas rotas de trânsito do norte.

Somente em Tijuana, uma onda de assassinatos do crime organizado deixou pelo menos 99 pessoas mortas num período de 24 dias desde 26 de setembro, uma taxa de mortes que iguala, se não ultrapassa, a de Bagdá, uma cidade destruída pela guerra que é quatro vezes maior, no mesmo período.

Ao longo do México, a carnificina é impossível de esconder, com cabeças decepadas e corpos decapitados aparecendo, algumas vezes quase uma dúzia por vez. Houve mais de 3.700 assassinatos relacionados ao tráfico e ao crime organizado neste ano, frente a 2.700 no ano passado, disse este mês o procurador-geral mexicano, com Chihuahua sendo o estado mais violento.

Histórias horripilantes

Trocar histórias horripilantes não é novidade para crianças, que têm uma maneira de exagerar seu contato com o perigo. Mas os 12 corpos torturados e sem línguas que dominavam a conversa no playground não eram nenhum exagero.

Nas primeiras horas de 29 de setembro, os corpos de 12 homens e uma mulher, amarrados e parcialmente despidos, foram encontrados num lote abandonado em frente à escola. O diretor, Miguel Ángel González Tovar, suspendeu as aulas logo que os corpos foram descobertos, mas isso não evitou que alguns estudantes conseguissem vê-los e que muitos outros ouvissem os relatos.

“Não há dúvidas de que essas imagens afetam as crianças”, disse González, que recentemente se reuniu com psicólogos do governo para planejar sessões de aconselhamento com os estudantes. “Alguns deles estão muito quietos agora.

Outros nos perguntam, ‘por que eles morreram?’”. E os corpos desovados em frente à escola são apenas um entre muitos espetáculos macabros, forçando professores a competir com os assassinos pela atenção da juventude do México.

Em verdade, é difícil encontrar um estudante aqui que não saiba alguns dos assustadores detalhes de matanças recentes, como os diversos barris de ácido encontrados ao lado de um restaurante de frutos do mar, contendo o que as autoridades acreditavam ser restos humanos.

Ou os dois corpos embrulhados em algo parecido com celofane, encontrados perto de uma placa de estrada que dizia, “Obrigado por visitar Tijuana”. Corpos estão sendo pendurados em pontes, cortados em pedaços, decapitados, queimados.

O maior medo de González é que as terríveis cenas se desenrolando em grande parte do México fiquem tão comuns que elas eventualmente percam seu valor de choque entre os jovens, tornando as chacinas algo esperado, ou até mesmo aceitável.

“Eles podem crescer com esse tipo de coisa sendo normal,” disse ele. “Eles podem dizer, ‘Eu vi doze! Quantos você viu?’. Nunca poderíamos ter imaginado isso há alguns anos”. Os jovens de hoje já sabem os nomes dos traficantes de drogas, não apenas dos telejornais noturnos, mas também de músicas populares que os exaltam como heróis, e da internet, onde GRISLY chocantes cenas de homicídios podem muitas vezes ser vistas no YouTube.

Em Tijuana, o líder do cartel de drogas Arellano Félix é Fernando Sánchez Arellano, sobrinho dos fundadores do grupo que usa o apelido de o Engenheiro. As autoridades dizem acreditar que a “epidemia” de assassinatos aqui é obra de traficantes rivais tentando obter controle de seu território. Isso explica a nota encontrada junto aos doze corpos da escola: “é isso que acontece a qualquer um associado com o Engenheiro boca-grande”.

Violência e sadismo

O governo do México enviou soldados a pontos problemáticos de todo o país para reforçar as agências da lei locais e, em alguns casos, erradicar a corrupção de seu meio. Mas os traficantes se mostraram mais bem armados e duros de conter.

Além de violentos, eles são sádicos em seus métodos de matar e parecem ter a intenção de ostentar suas últimas matanças, não importando para quem. “Eles estão enviando algum tipo de mensagem perversa”, especulou González sobre o motivo pelo qual os doze corpos teriam sido jogados perto do portão de sua escola.

“Eles querem atenção, e sabem que deixar corpos em frente a uma escola tem impacto. Agora estamos preocupados que em qualquer escola, a qualquer hora, pode aparecer um corpo”. Neste mês, logo antes do horário de saída de uma escola, a polícia estava na cena de outro assassinato.

Dessa vez, tratava-se de um barril contendo o corpo de um homem cujos braços e pernas haviam sido arrancados. O corpo, deixado próximo da linha de primeira base de um popular campo da liga amadora de baseball não muito longe da escola, foi rapidamente levado pelas autoridades ao necrotério antes que qualquer estudante tropeçasse sobre ele. Mas nem sempre é possível manter a violência das drogas escondida dos jovens.

Em janeiro, por exemplo, a polícia e soldados se envolveram num tiroteio de três horas contra traficantes de narcóticos do cartel Arellano Félix num bairro residencial de Tijuana, forçando a evacuação de diversas escolas.

Policiais fortemente armados carregavam crianças aos prantos para locais seguros, enquanto outros agentes agachavam-se pela calçada com as armas em punho. Quando os tiros silenciaram, seis supostos traficantes haviam sido mortos.

“Foi horrível”, disse Gloria I. Rico, diretora da Jardim de Crianças Felizes, uma pré-escola que teve de ser evacuada. “Mesmo quando havia terminado e tentamos voltar ao normal, qualquer pequeno ruído fazia as crianças pularem”.

Em setembro, quando houve uma rebelião num presídio local seguida de mais uma erupção de tiros, professores da pré-escola tentaram distrair os mais novos.

“Dissemos a eles que eram fogos de artifício”, disse Rico, já que as comemorações da independência haviam acabado de passar.

“Dissemos, ‘Não se preocupem,’ mas eles continuavam assustados”. Muitas crianças, segundo Rico, agora associam qualquer um vestindo uniforme à violência – o que não é uma idéia absurda, não apenas porque eles possam estar em combate contra os traficantes, mas também porque muitos oficiais da lei no país estão na folha de pagamento dos traficantes.

“As crianças vêem a polícia e ficam com medo”, diz Rico. “Eles temem que haja mais tiroteios.” E provavelmente haverá, o que estimula os pais a vigiar seus filhos mais de perto do que nunca.

“Se ele sair, você não sabe se ele vai voltar”, disse Patrícia Beltrán, que vigiava enquanto seu filho de oito anos, Marco Antonio, brincava perto do local onde ocorrera um assassinato, com sangue ainda visível na terra.

Esse medo não está fora de lugar, pois jovens inocentes já foram apanhados no fogo cruzado. Além disso, a maioria das vítimas tem menos de 30 anos porque os cartéis usam pistoleiros jovens para proteger sua mercadoria e reforçar a disciplina, dizem as autoridades.

E dada a extensa – e muitas vezes gráfica – cobertura da mídia sobre as mortes, os pais dizem ser impossível proteger suas crianças psicologicamente.

“Meus filhos estão sonhando com isso”, disse Laura Leticia Quezada, que tem três crianças na escola primária perto de onde os corpos foram deixados. “Eles vêem nos jornais, e conhecem absolutamente todos os detalhes.”

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