terça-feira, 28 de outubro de 2008

Impasses no Paraíso parte II

As avaliações sobre a Guerra do Vietnã e a modelagem das forças armadas dos Estados Unidos.

A derrota no Vietnã
É de conhecimento geral que o longo conflito do Vietnã trouxe um vasto elenco de contrariedades para os Estados Unidos. Seus objetivos militares foram totalmente frustrados. Em 27 de janeiro de 1973, todas as partes envolvidas no conflito – os Estados Unidos, o Vietnã do Sul, o Vietnã do Norte e o Comando da Guerrilha Vietcong – assinaram em Paris um acordo de paz que implicava na retirada total da forças norte-americanas do Vietnã. O governo dos EUA apostava na política de “vietnamização” da defesa do Vietnã do Sul, isto é, contando ainda com suporte material norte-americano, a defesa da república sulista ficaria inteiramente a cargo dos soldados do governo daquele país. Porem, à luz dos interesses americanos, a política de vietnamização redundou em fracasso. Em pouco mais de dois anos,(abril de 1975), as ofensivas do Exército do Vietnã do Norte e a desagregação do dispositivo militar sulista culminaram com a queda de Saigon e a unificação do país sob a égide do governo comunista de Hanói.
Os danos provocados ao Vietnã devido a décadas de guerra, a bombardeios maciços e a perda de vidas em todas as faixas etárias são simplesmente incalculáveis. Coube então ao povo vietnamita, contando com muito pouca ajuda internacional, lamber suas feridas, incinerar seus mortos e catar seus próprios cacos. A frase que melhor sintetiza o drama do Vietnã foi emitida com habitual crueza por um major dos marines ao comentar a grande batalha travada pela posse da cidade de Ben Tree durante a Ofensiva do Tet (1968): It became necessary to destroy the town in order to save it. [1]
As avaliações sobre a derrota americana no Vietnã se acumularam com o passar dos anos. Livros, teses, filmes e até canções contaram e cantaram, cada qual à sua maneira, detalhadas versões na tentativa de deslindar por todos os ângulos episódio tão sofrido. Para muitos, a retirada das forças americanas do Vietnã não foi determinada por uma vitória militar dos comunistas. Por mais competentes, corajosos e abnegados que fossem, nem o talentoso general Vo Nguyen Giap (comandante do Exército do Vietnã do Norte), nem seus rapazes, soldados regulares e guerrilheiros, eram páreo para o poderio militar esmagador do Estados Unidos. Caso o governo norte-americano decidisse fazer uso de toda a sua panóplia de morte, certamente tornariam-se verdadeiras as palavras do general Curtis LeMay, ex-comandante do Comando Aéreo Estratégico dos Estados Unidos na década de 50. Procurado pelos jornalistas em seu retiro de aposentadoria, ao ser indagado sobre que faria com o Vietnã caso ainda estivesse no comando, o general respondeu sem sequer se despentear: “eu bombardearia o Vietnã do Norte de volta à Idade da Pedra”.
O fato é que não havia condições políticas para tanto, seja internamente, seja no panorama internacional. À medida em que a guerra se arrastava, ficava cada vez mais difícil convencer o público norte-americano que os comunistas vietnamitas do norte e o pavoroso VC (termo resumido que a inteligência usava para designar a guerrilha vietcong, logo apelidada também de Charlie, pois com algum sarcasmo, para o soldado de infantaria do front, VC significava na verdade Víctor Charlie), eram um perigo para manutenção do American way of life nos rincões do Kansas, ou uma ameaça ao direito das crianças saborearem seus sorvetes na Disneylândia.
Além disso, o sistema de recrutamento vigente e o modo pelo qual o pessoal era distribuído nos vários serviços das Forças Armadas, espelhavam de forma clara as desigualdades vigentes na sociedade norte-americana. Os ricos e os jovens da classe média, ou conseguiam furtar-se ao serviço militar graças à influência política, ou eram destinados às funções mais interessantes e nobres devido à sua melhor escolaridade (pilotar aeronaves, serviços de inteligência e planejamento por exemplo). Aos pobres, os “caipiras” dos estados do Sul ou os negros das pocilgas dos grandes centros urbanos, sobrava, ou os serviços mais cansativos e aviltantes ou o preenchimento das fileiras da “maldita infantaria”.
Diante do desconforto com essas contradições sociais, com as baixas crescentes e temendo a convocação para o serviço militar, os movimentos de protesto e os grupos pacifistas passaram a disputar o domínio das ruas com a polícia. No musical Hair, hipies coloridos dançavam a inutilidade daquela guerra. Os rapazes estavam morrendo por causa de nada. Let the sunshine! A turma mais dura e insensível a tais apelos, bem que tentou travar a luta pelos corações e mentes na mídia, escalando o velho John Wayne para justificar a guerra no filme “Boinas verdes”. O resultado foi que jamais saberemos se o número de jovens que protestavam nas portas dos cinemas era maior ou empatava com a quantidade de pessoas que pagaram o ingresso para assistir o filme.
Se internamente os tumultos antiguerra se avolumavam, as condições externas de sustentação do conflito também não eram nada boas. No campo militar, a URSS envidava esforços para sustentar militarmente Hanói. A China, sempre desconfiada de tudo e de todos fazia a sua parte, dentro de suas possibilidades, mas não com muito entusiasmo. O eixo Moscou-Hanói acendia na liderança chinesa um elenco de preocupações, pois a enorme fronteira entre China e URSS, constituída por vastidões desérticas e montanhas agrestes, tornava-se cada vez mais coalhada de tropas exibindo cenho franzido e muita disposição em pressionar os gatilhos[2]. Mesmo assim, a despeito dos muxoxos mútuos, os dois poderes reunidos agiam de modo a impor uma moderação forçada ao grau de intensidade dos golpes desferidos pelo muque norte-americano contra Hanói. Forneciam armas antiaéreas, sistemas de radar e mantimentos para o Vietnã do Norte. Seus próprios arsenais nucleares eram uma garantia de que a liderança dos EUA se manteria distante de qualquer “exagero radioativo” e seus serviços diplomáticos açulavam o quanto podiam a reprovação internacional à guerra[3].
Os bons e velhos aliados europeus ocidentais por seu turno, estavam longe de aceitar qualquer tipo de parceria com os EUA na aventura vietnamita. Nada de enviar tropas, nenhum apoio moral. O governo britânico (o aliado de sempre), exibia um ânimo modorrento em relação ao assunto Vietnã. Enquanto preparava o chá da tarde, escorava-se na adesão dos australianos e neo-zelandeses ao esforço americano. De acordo com Londres, já que a Austrália e a Nova Zelândia haviam resolvido participar diretamente do conflito (mesmo modestamente), os americanos contavam com todo o apoio britânico que seria possível arranjar no momento. Nas veneráveis ilhas nebulosas, os jovens dedicavam-se a deixar crescer os cabelos e tocar um rock cada vez mais elaborado, enquanto as tropas de Sua Majestade lidavam com um belo atoleiro de encrencas, ali mesmo, ao lado de casa, na Irlanda do Norte. Afinal, quem tem o IRA como vizinho, não precisa cruzar os mares para criar caso com os vietcongs.
Já entre os europeus continentais, os apelos norte-americanos também se deparavam com ouvidos moucos. Entre os franceses, por exemplo, espalhava-se um certo “cruel divertimento” ao perceberem que, mesmo com todo o seu poder, os americanos falhariam no Vietnã, exatamente como havia acontecido com as armas da França na década de 50. Restava saber quanto tempo levaria para que os americanos tivessem de suportar o seu próprio Dien Bien Phu[4].
A Guerra do Vietnã portanto, tornou-se um exemplo clássico de episódio que despertava uma formidável impopularidade internacional. Dessa maneira, as explicações acerca do insucesso dos EUA bem que poderiam se escorar unicamente nos contratempos provocados por tal impopularidade. Os adeptos da guerra, patriotas, militares durões e congêneres sempre poderiam atribuir a responsabilidade do fracasso aos derrotistas, liberais, hipies, aliados vacilantes e, naturalmente, aos comunistas que eram onipresentes e conspiravam o tempo todo. Como é de conhecimento geral, quando as coisas não caminham bem, a culpa é sempre do outro, especialmente quando ousa pensar diferente.

Avaliações e conseqüências

Mas uma posição cômoda como essa não seria compartilhada por todos aqueles que se dedicaram a tirar lições do conflito do Vietnã. Militares americanos profissionalmente lúcidos, muitos deles veteranos que experimentaram o calor dos combates, não caíram na cilada de atribuir exclusivamente aos civis o fracasso da campanha. Suas reflexões basearam-se na idéia de que a senda da derrota havia também sido pautada pelo planejamento equivocado, liderança militar deficiente e um uso da força de modo inadequado. A onda pacifista só ganhou volume e intensidade porque os militares, no campo de batalha, não conseguiram resolver o assunto rápido e de forma eficaz. A retirada dos Estados Unidos do conflito do Vietnã foi algo resolvido a partir do clamor das ruas, respondendo aos brados de civis enfurecidos, mas a derrota militar foi na verdade construída palmo a palmo no campo de batalha[1].
As melhores contribuições para a análise sobre os erros da liderança militar do Vietnã procederam das avaliações de oficiais da Força Aérea. Sua crítica pode ser sintetizada no seguinte ponto: o comando dos Estados Unidos no Vietnã deixou de lado as lições de Clausewitz. É interessante notar que foi a partir dessa linha de aproximação de cunho tradicional, que se preparou uma espantosa revolução na teoria da guerra aérea[2].
Durante a Segunda Guerra Mundial, a estrutura do poder aéreo dos Estados Unidos inspirou-se nas idéias do teórico italiano do início do século XX Giulio Douhet e do ás norte-americano William “Billy” Mitchell. Ambos acreditavam que o poder aéreo se expandiria a ponto de formar uma arma totalmente independente das demais. Douhet em particular, imaginava que as forças aéreas poderiam vencer as guerras sozinhas. Para tanto, era necessário que desenvolvessem um poder de ataque devastador, a ponto de se tornarem capazes de destruir com bombas todos os centros vitais do inimigo. O adversário, aterrorizado, com suas cidades em ruínas e suas fábricas transformadas em escombros fumegantes, acabaria ficando sem outra alternativa a não ser a rendição para evitar o total aniquilamento.
É ponto pacífico que, tanto os norte-americanos quanto os ingleses, testaram essa teoria durante a Segunda Guerra Mundial denominando-a “bombardeio estratégico”. A aplicação de tais idéias criou o cenário mais funesto das guerras do século XX. A distinção entre a população civil e militar desapareceu. Os tapetes de bombas cobriam cidades inteiras, matando indiscriminadamente combatentes e não-combatentes. Por fim, o corolário lógico da prática do bombardeio estratégico é o uso da arma nuclear. De acordo com o objetivo proposto, o de levar a mais violenta destruição possível contra a sociedade do inimigo e leva-lo a render-se logo, nada é mais eficiente do que a bomba nuclear.
Com o advento da Guerra Fria, a Força Aérea dos Estados Unidos preparou-se para um confronto desta natureza contra os soviéticos. O núcleo central da frota aérea era integrado por bombardeiros de médio e de longo alcance, aptos a carregar os artefatos nucleares até o coração do território soviético. As aeronaves representavam um dos vetores possíveis de lançamento de tais armas. Além delas, confiava-se no uso de mísseis (de médio e longo alcance - intercontinentais), navios de superfície e submarinos. A resposta dos soviéticos, isto é, seus sistemas de ataque e defesa, geralmente se estruturavam segundo padrões semelhantes. O mais irônico de tudo isso, é que o tipo de guerra que ambas as Forças Aéreas se prepararam com tanto afinco para travar jamais aconteceu (ainda bem aliás).
Os conflitos que as forças americanas se envolveram diretamente (em especial a Guerra da Coréia e do Vietnã), exigiram empenhos totalmente diferentes. Para prevalecer sobre seus inimigos, mais importante do que uma força aérea estratégica armada com artefatos nucleares, era a necessidade de uma força tática, capaz de apoiar as tropas de linha de frente, desempenhando o papel de uma “artilharia aérea”. Assim poderia abrir caminho para os avanços das tropas, e unidades em dificuldades pulverizando as concentrações de ataque dos adversários.
Ainda assim, ao menos no Vietnã, os americanos tentaram apressar a resolução do conflito por meio de bombardeios estratégicos contra Hanói e o porto de Haiphong (principal porto do país por onde chegavam os suprimentos para o Vietnã do Norte – além de bombardear os depósitos, os americanos minaram as águas da baía). No entanto, a linha do bombardeio estratégico mostrou-se ineficaz. No panorama militar, além dos vietnamitas cavarem muito bem – praticamente criaram uma outra “Hanói subterrânea” – estabeleceram uma rede de defesa antiaérea das mais densas do mundo. O céu, dividido em camadas de altitude, era protegido por mísseis terra-ar e canhões guiados a radar fornecidos principalmente pelos russos. O problema é que as fontes de suprimentos militares que apoiavam o esforço de guerra vietnamita estavam situadas na URSS e na China, áreas politicamente fora do alcance dos ataques aéreos dos EUA.
Na dimensão da opinião pública, o bombardeio estratégico contra o Vietnã do Norte foi um desastre de propaganda. Cada bomba largada contra Hanói tornava-se munição explosiva que nutria os discursos pacifistas. Logo os grupos de protesto exibiram as estatísticas fornecidas pelas próprias forças armadas americanas. A tonelagem de bombas jogadas contra o Vietnã era maior do que o total usado pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Nada poderia justificar o custo em vidas civis que aqueles bombardeios estavam causando. E foi de Hollywood que o movimento pacifista recebeu poderoso reforço. Ninguém esquece de beldades tais como Jane Fonda, desfilando sua invejável e curvilínea silhueta por cima dos escombros de uma Hanói fumegante, distribuindo biscoitos e afagos para criancinhas vietnamitas com vestes rotas e frontes assustadas.


As mudanças

Todos os elementos constantes acima figuraram nas avaliações retrospectivas dos problemas militares e de liderança de campanha dos EUA no Vietnã. A ênfase no bombardeio estratégico baseado no tapete de bombas teria de ser abandonada. Mais importante do que isso era aperfeiçoar a capacidade da força aérea em apoiar os avanços das forças em terra, abrindo caminho através da destruição dos pontos fortes adversários, ou correr em auxílio de unidades em dificuldades bombardeando os pontos de concentração das tropas atacantes e suas linhas de suprimentos. Em última análise, tratava-se de aperfeiçoar o papel tático da força aérea, exigindo uma colaboração mais estreita com as unidades de terra, aperfeiçoando seu papel de artilharia aérea.
Ao mesmo tempo, uma outra questão de relevo se impunha. Caberia à força aérea o esforço no sentido de atacar com poder devastador e liquidar o “centro de gravidade” das forças inimigas. O termo descreve o ponto exato onde o inimigo é mais vulnerável, o ponto em que o ataque terá a melhor chance de ser decisivo. [3] Quase sempre o centro de gravidade representa o lugar onde estão situados os principais sistemas de comando e controle do adversário. Eliminar o centro de gravidade significa deixar as forças do inimigo descoordenadas e às cegas. Tratava-se então de refinar o velho conceito de bombardeio estratégico.
A princípio este conjunto de preocupações traduz um retorno doutrinário ‘as reflexões clássicas de Clausewitz. Em sua obra “Da Guerra”, o oficial prussiano insistia em afirmar que o objetivo primordial das operações de guerra vinculava-se `a necessidade de desarmar o inimigo. O autor enfatizava ainda que o meio (cenário a ser buscado) da guerra era o combate, também chamado de “recontro”. Toda a atividade visa à destruição do inimigo, ou melhor, da sua capacidade de combater, porque é nisso que se resume o próprio conceito de recontro. Daí que a destruição das forças armadas do inimigo seja sempre o meio para atingir a finalidade do recontro. [4]
A aplicação adequada das idéias de Clausewitz, isto é, a concentração de esforços na tarefa de destruir as forças militares adversárias, apelava também para uma outra reflexão emitida pelo prussiano: este afirmava que, para defrontar a violência, a violência mune-se com as invenções das artes e das ciências[5]. Em outras palavras, para cumprir o papel doutrinário que se propunha, os militares americanos enxergaram que acima de tudo deveriam apostar no desenvolvimento de uma sofisticada tecnologia de precisão. As ferramentas e mentes para tanto existiam em profusão. Nos campi das universidades, pululavam cientistas prontos para o trabalho. Quanto ao dinheiro para o financiamento das pesquisas, todos sabemos que este é um fator que a sociedade norte-americana possui em boa profusão. Ainda durante o conflito do Vietnã, foram utilizados artefatos de precisão, tais como bombas guiadas até alvo com a ajuda de sistemas de tv instalados nas aeronaves e os primeiros sistemas utilizando orientação com raio laser. A primeira geração de armas deste tipo dos EUA galgava seu início nos céus vietnamitas.
Os passos seguintes foram dados ao longo da década de 80 e enveredaram por uma mudança de ênfase na pesquisa. Até então, boa parte da “massa cinzenta” preocupara-se em aperfeiçoar as plataformas de lançamento, isto é, os aviões. Nesse campo, modelos e mais modelos, dotados de aperfeiçoamentos cada vez mais apurados se sucediam. Geralmente, a ação da bomba que conduziam até o alvo e lançavam ficava por ser resolvida pelas leis da física. Os sistemas ópticos de pontaria localizavam o alvo, a bomba era lançada e a gravidade cuidava do resto. A idéia agora era a de buscar o aperfeiçoamento de sistemas de orientação para as próprias bombas, desenvolvendo da forma mais eficaz e sofisticada possível as precision guided munitions (PGM). Em última análise, os dispositivos eletrônicos de alta tecnologia permitiriam que a vontade humana interferisse na trajetória do artefato conduzindo-o precisamente até o alvo.
Dotada de uma precisão cada vez maior, a arma aérea poderia economizar munição. Os bombardeios de saturação, em que áreas inteiras tinham de ser devastadas devido `as precariedades dos sistemas ópticos, tinha chances de ser abandonado de vez. O custo em vidas civis para a obtenção das vitórias e o ônus político provocado pelos protestos dos movimentos pacifistas devido às inegavelmente criminosas chacinas que o bombardeio pesado efetuava seriam minimizados. Durante a Guerra do Golfo de 1991, e o último conflito no Iraque, muitos jornalistas ironizavam ou colocavam em dúvida a veracidade do termo “Bombardeio Cirúrgico” propalado pelas autoridades do Pentágono. Porém, embora ironia seja muitas vezes imaginosa e divertida e os militares (assim como quaisquer outros profissionais) tentem vez por outra dourar as tintas de seus méritos, é necessário dizer que o grau de precisão do armamento moderno é verdadeiramente extraordinário.
A maior precisão do armamento e os sofisticados sistemas de comunicação, detecção e interferência contra o comando e controle do inimigo, implicaram também numa possibilidade de redução das forças terrestres dos Estados Unidos, notadamente o Exército e as unidades anfíbias dos Marines. O fato, é que uma vez contando com o suporte de uma força aérea de apoio aproximado e dispondo de precisão suficiente para pulverizar os pontos de concentração do adversário, as unidades de terra podem se tornar menos numerosas e com isso, adquirirem maior mobilidade e flexibilidade. A redução de efetivos permitiu ainda uma remodelação do modo de recrutamento do pessoal para as formações regulares de primeira linha dos EUA. Enquanto que na época do conflito do Vietnã, o modo de obtenção de quadros militares subalternos ainda dependia basicamente do alistamento militar obrigatório, a nova realidade indicava uma transição para forças armadas dependentes fundamentalmente de voluntários cujo treinamento teria por objetivo alcançar elevados padrões de profissionalização. O serviço das armas nas unidades regulares deixava de ser predominantemente uma tarefa a ser exercida por “soldados cidadãos” alistados. Os soldados das fileiras passaram a ser profissionais, e o Exército transformava-se em mais um empregador.
Esse novo desenho poderia atenuar um pouco os protestos e as preocupações presentes na sociedade civil durante os episódios de emprego de tropas norte-americanas no exterior. Afinal de contas, não eram mais pobres conscritos alistados que estavam arriscando a vida, e sim profissionais militares que haviam escolhido a vida das armas. A massa de conscritos passaria a ser inteiramente absorvida pela Guarda Nacional, formando assim a segunda linha (as reservas) da nação[6].
Não podemos deixar de ressaltar que essa redução de efetivos foi proporcionada também pelo fim da Guerra Fria. A inexistência de um conflito, mesmo que de âmbito convencional contra os soviéticos na Europa, abriu caminho para a remodelação que estamos discutindo.

[1] FRIEDMAN, George e Meredith. The future of war. New York, Crown Publishers, 1996.
[2] WARDENT, John A The Air campaign: planing for combat Washington D.C, National Defense University Press, 1988.
[3] FRIEDMAN, op.cit. pp.257.
[4] CLAUSEWITZ, Karl. Da Guerra. São Paulo, Martins Fontes, 1983. PP. 98
[5] idem, pp. 73.
[6] A política de emprego das forças militares é a seguinte. Na eventualidade de guerra ou intervenção armada no exterior, a responsabilidade de atuar pertence às unidades regulares profissionais. A Guarda Nacional pode ser convocada para substituir no trabalho guarnição as forças transferidas para o estrangeiro. Apenas na eventualidade das tropas regulares serem insuficientes para lidar com o conflito é que se cogita o uso da Guarda Nacional fora país.

[1] BARNES, Jeremy. The pictorial history of the Vietnam War. New York, Gallery Books, 1988, pp.136.
[2] JIAN, Chen. “China and the Vietnam wars”. In: LOWE, Peter (ed.) The Vietnam War. London, MacMillan Press LTD, 1998.
[3] GAIDUK, Ilya V. “Developing an alliance”. In: LOWE, Peter (ed.) The Vietnam War. London, MacMillan Press LTD, 1998.
[4] A batalha de Dien Bien Phu, em 1954, marcou a derrota definitiva do colonialismo francês no Vietnã. Naquele ano, milhares de soldados franceses cercados pelo Vietmih (o exército guerrilheiro do Vietnã) foram obrigados a se render ao general Vo Nguyen Giap, o mesmo personagem contra quem os americanos “quebraram seus dentes” anos mais tarde.

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