Um evento que muito contribuiu ao desenvolvimento do terna objeto do presente estudo foi a II Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas (Viena, junho de 1993). No decorrer dos trabalhos preparatórios da Conferência Mundial, o ACNUR – que marcou presença nas três Reuniões Regionais Preparatórias – enfatizou as relações entre o direito dos refugiados e os direitos humanos. Foi esta a tônica de sua intervenção na Reunião Regional Preparatória da América Latina e Caribe (San José, janeiro de 1993), em que afirmou que só se pode conceber o direito dos refugiados no âmbito dos direitos humanos, de que é um "ramo especializado". ACNUR, Ponenciadel RepresoitanteRegionaldel ACNUR para Centroamérica y Paizantá (Sr. J. Amunátegui), Reunión Regional/ San José de Costa Rica, 1822.01.1993, p. 2 (mimeografado, circulação interna). Como ilustrações dos problemas de direitos humanos que afetam diretamente os refugiados, citou os seguintes: o "elemento de coerção" nos movimentos de refugiados, consistente em obrigaras pessoas a sair de seu país (buscando refúgio no exterior) e negar de fato o direito de regressar a seu país; a detenção ou prisão ilegal de refugiados ou pessoas que buscam refúgio; os aspectos de direitos humanos nos êxodos em massa, realçando o dever dos Estados de evitar fluxos maciços de pessoas eliminando as causas que os geram (princípios de prevenção e alerta antecipado); a negação – de direito ou de fato -da nacionalidade (ressaltando o dever dos Estados de reduzir a apatrídia e dar vigência ao direito à nacionalidade). Ibid., pp. 45.
A intervenção do ACNUR insistiu na "estreita relação" entre as causas do problema dos refugiados e os direitos humanos. Ibid., p. 5. Enfim, recordou ademais os importantes desenvolvimentos representados pela Declaração de Cartagena de 1984, que adaptou a normativa jurídica à realidade da região, e pela Conferência Internacional sobre Refugiados Centroamerícanos (CIREFCA) de 1989, que avançou um enfoque integral – compreendendo a paz e o desenvolvimento – para encontrar uma solução eficaz aos problemas dos refugiados, repatriados e deslocados ("desplazados"). Ibid, p. 3.
Na etapa derradeira dos trabalhos do Comitê Preparatório da Conferência Mundial de Direitos Humanos (Genebra, 4a. sessão, abril-maio de 1993), o ACNUR submeteu um estudo em que enfatizou os vínculos entre os direitos humanos e o direito dos refugiados. Assim, o respeito aos direitos humanos no país de origem evita a necessidade de as pessoas o abandonarem e abre o caminho para o seu retomo seguro ao lar, além de formar a base de sua proteção nos países de asilo. ONU, doc. A/CONF.157/PC/61/Add.14, de 31.03.1993, pp. 1 e 3. É possível fortalecer a complementariedade dos direitos humanos e do direito dos refugiados no plano normativo (e.g., no tocante ao asilo e ao non-refoulement); no plano operacional, a adoção de medidas preventivas – como o sistema de alerta imediato Cearly warning – há que incluir informações sobre situações de direitos humanos que possam "ameaçar produzir refugiados ou deslocados intemos". Cf. Ibid., p. 4, e Anexo, pp. 711.
Com efeito, a preocupação com os direitos humanos encontra-se presente tanto na resolução 47/105, de 16.12.1992, da Assembléia Geral das Nações Unidas, como em algumas das Conclusões do Comitê Executivo do próprio ACNUR no período 1987-1992. Cf. Ibid., p. 4, e Anexo, pp. 711. o referido estudo do ACNUR sugeriu que a Conferência Mundial de Direitos Humanos encorajasse os órgãos de direitos humanos a considerar as seguintes questões, do ponto de vista da prevenção e solução dos problemas de refugiados: prevenção de fluxos maciços de refugiados pela eliminação de suas causas; o "direito de permanecer" (no próprio país); os problemas da apatrídia, da privação arbitrária da nacionalidade, e da denegação do direito a uma nacionalidade; a eliminação das causas de perseguição; os problemas relativos ao deslocamento; a cooperação em matéria de direitos humanos relacionada cornos deslocados internos; os aspectos de direitos humanos da assistência humanitária (especialmente em situações de conflito). Ibid., pp. 5 e 2.
Em sua intervenção na Conferência Mundial de Viena, em 15 de junho de 1993, a Alta-Comissária das Nações Unidas para os Refugiados (Sra. Sadako Ogata) começou por enfatizar a prevenção de situações futuras de refugiados, alertando para o fato de que a atual população mundial de refugiados excede 18 milhões. World Conference on Human Rights, Statement by the U.N. High Commissioner for Refugees at the World Conference on Human Rights, Vienna, 15.06.1993, p. 1 (mimeografado, circulação restrita). Instou, a seguir, a Conferência Mundial a que reafirmasse o direito dos refugiados de buscar asilo e dele desfrutar, o princípio do non-refouleinent, e o direito de retomar ao lar (no país de origem) com segurança e dignidade, Ibid., pp. 13 e 5. – os quais requerem a garantia do respeito aos direitos humanos e um "enfoque integrado" dos mesmos. Em suas palavras, "quando as pessoas têm que abandonar seus lares para escapar de perseguição ou conflito armado, toda uma série de direitos humanos são violados, inclusive o direito à vida, liberdade e segurança da pessoa, o direito a não ser submetido a tortura ou outro tratamento degradante, o direito à privacidade e à vida familiar, o direito à liberdade de movimento e residência, e o direito a não ser submetido a exílio arbitrário". Ibid., p. 4.
Em uma das passagens mais significativas de seu discurso, afirmou que os "princípios de direitos humanos permanecem de importância vital" ao trabalho do ACNUR em prol dos refugiados: "O respeito aos direitos humanos é crucial para a admissão e proteção eficaz dos refugiados nos países de asilo; as melhoras na situação dos direitos humanos nos países de origem são essenciais para a solução dos problemas de refugiados por meio da repatriação voluntária; e a salvaguarda dos direitos humanos nos países de origem é a melhor maneira de prevenir as condições que, de outro modo, poderiam forçar as pessoas a tornar-se refugiados. Cada um desses aspectos do problema dos refugiados pode ser visto de uma perspectiva diferente de direitos humanos". Ibid., p. 1. Advertiu, enfim, que um dos mais importantes desafios da atualidade é assegurar a proteção dos deslocados internos e assegurar seu acesso à assistência humanitária; e acrescentou que se podem extrair lições dos arranjos operacionais recentes ou correntes, por exemplo, em El Salvador, no Iraque e no Camboja, para o desenvolvimento de sistemas adequados e eficazes de monitoramento dos direitos humanos. Ibid., p. 3.
A contribuição do ACNUR ecoou na Conferência Mundial de Direitos Humanos, tendo sido devidamente registrada na Declaração de Viena de 1993. Em um parágrafo substancial (o parágrafo 23 da parte operativa I), a Declaração resultante da Conferência Mundial reafirma efetivamente o direito de toda pessoa de buscar e desfrutar de asilo contra perseguição em outros países, assim como de regressar a seu próprio país. Identifica as violações maciças de direitos humanos, inclusive em conflitos armados, como um dos fatores que levam ao deslocamento de pessoas; um enfoque integral da atual "crise global dos refugiados" deve incluir o desenvolvimento de estratégias para abordar as "causas e efeitos dos movimentos de refugiados e outras pessoas deslocadas", o fortalecimento de mecanismos de respostas emergenciais, a concretização de "soluções duráveis" como parte da proteção e assistência eficazes primariamente pela preferível repatriação voluntária com segurança e dignidade. A Declaração de Viena, ao ressaltaras responsabilidades dos Estados (particularmente ao se relacionarem com os países de origem), enfatiza, à luz do mesmo enfoque integral ou abrangente, a importância da busca de "soluções duradouras" a questões atinentes aos deslocados internos, inclusive seu retomo voluntário e seguro e sua reabilitação.
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