País atravessa caos, com crianças passando fome na capital, Mogadíscio. Mas quem lucra com a pirataria não faz questão de esconder sua riqueza.
Esta pode ser uma das cidades mais perigosas da Somália, um local onde você pode ser seqüestrado mais rápido do que se pode secar o suor da testa. Mas também é uma das mais prósperas.
Cambistas perambulam com maços de notas de cem dólares. Novas mansões são construídas ao lado de barracos com telhado de lata. Homens na prisão padecem, com um brilho nos olhos, pensando no dia em que viviam como reis.
Farah Ismail Eid, pirata capturado, em Mandhera, Somália, em 15 de outubro. (Foto: Jehad Nga)
Esta é a história da expansão não muito escondida da economia pirata da Somália. O país está um caos, com inúmeras crianças passando fome e pessoas se matando por uma porção de comida nas ruas de Mogadíscio, a capital.
Mas uma linha de trabalho em especial – a pirataria – parece estar se beneficiando abertamente com essa falta de leis e com o desespero. Só neste ano, segundo oficiais somali, os lucros da pirataria chegarão a US$ 50 milhões, tudo sem pagar imposto.
"Esses caras estão fazendo uma matança”, diz Mahamud Muse Hirsi, alto oficial somali em Boosaaso, que é suspeito de trabalhar com os piratas, mas nega veementemente.
Mais de 75 barcos foram atacados este ano, um número bem maior do que qualquer ano recente. Cerca de uma dúzia apenas neste último mês, inclusive um cargueiro ucraniano cheio de tanques artilharia antiaérea e outras armas pesadas, que foi audaciosamente tomado em setembro.
Os piratas usam lanchas rápidas, estacionam ao lado da vítima e invadem o barco com escadas e às vezes ganchos enferrujados. Quando estão no deck, eles dominam os tripulantes com armas até que um resgate seja pago, normalmente US$ 1 milhão ou US$ 2 milhões.
Na Somália, parece que o crime compensa. Na verdade, é uma das únicas industrias que compensam.
Piratas presos em cadeia da cidade somali de Boossaso. (Foto: The New York Times)
"Você precisa somente de três homes e um barquinho, e no próximo dia você está milionário”, diz Abdullahi Omar Qawden, um ex-capitão da extinta marinha somali.
As pessoas em Garoowe, uma cidade ao sul de Boosaaso, descrevem a pinta de qualquer pirata famoso. Cheio de dinheiro, os piratas dirigem os maiores carros, são donos de muitos dos comércios locais – como hotéis - e dão as melhores festas, dizem os residentes. Fatuma Abdul Kadir disse que foi à festa de casamento de um pirata em Julho que durou dois dias, com dança e carne de carneiro ininterruptos, e uma banda que foi trazida de avião do vizinho Djibouti.
"Foi maravilhoso”, Fatuma, de 21 anos diz. "Agora estou namorando um pirata.
É muito para os homens somalis resistirem, e criminosos de todas as áreas da redondeza estão se aglomerando em Boosaaso e em outras áreas notórias da rochosa costa do país. Eles tornaram essas águas, que podem tem uma coloração azul-safira como as de qualquer paraíso tropical, em um dos lugares mas perigosos para navegação no mundo.
Com a situação claramente fora de controle, navios de guerra de Estados Unidos, Rússia, Otan, União Européia e Índia estão indo para as águas da Somália como parte de um novo plano mundial para acabar com os piratas.
Mas não será fácil. Os piratas entendem do mar. Eles não têm medo. Eles são ricos e estão ficando mais ricos, com as mais avançadas tecnologias em mãos, como GPS portátil. Os clãs antigos que por muito tempo jogaram os somalis uns contra os outros por décadas não são mais um problema aqui. Muitos piratas capturados foram entrevistados na cadeia principal de Boosaaso e disseram que tem cruzado fronteiras de clãs para abrir franquias novas, lucrativas e envolvendo diversos clãs.
"Nós trabalhamos juntos”, diz Jama Abdullahi, um pirata preso. “É bom para os negócios, não é?”
E mesmo se os navios da marinha prenderem piratas no ato, não está claro o que eles podem fazer. Em setembro, um navio de guerra dinamarquês capturou 10 homens suspeitos de serem piratas no Golfo de Aden com foguetes lança granada e uma longa escada. Depois de segurar os suspeitos por quase uma semana, os dinamarqueses concluíram que não tem jurisdição para processá-los, então eles soltaram os piratas na praia, sem as armas.
Não é claro nem se as autoridades somalis querem que a pirataria pare. Enquanto muitos piratas foram presos, diversos pescadores, pesquisadores ocidentais e mais de meia dúzia de piratas enjaulados falaram sobre a relação entre as companhias de pesca, seguranças privados terceirizados e oficiais do governo, especialmente aqueles trabalhando para o governo regional semi-autônomo de Puntland, que é no canto nordeste do país.
“Acredite, muito de nosso dinheiro vai diretamente para os bolsos do governo”, diz Farah Ismail Eid, um pirata que foi capturado próximo a Berbera e sentenciado a 15 anos de prisão. Ele diz que sua equipe normalmente divide o dinheiro dessa maneira: 20% para os chefes, 20% para missões futuras (para cobrir os essenciais, como armas, combustível e cigarros), 30% para os homens armados no navio e 30% para funcionários do governo.
Abdi Waheed Johar, diretor geral do ministério da pesca e porto de Puntland, reconheceu abertamente em uma entrevista nesse ano que “existem pessoas do governo trabalhando com os piratas.”
Mas ele rapidamente completou, “Só que não somos nós.”
O que ocorre na costa da Somália é basicamente uma extensão da violenta e inconseqüente corrupção que assombra a terra há 17 anos, desde que o governo central implodiu em 1991. A vasta maioria dos somalis saem perdendo. Jovens brutamontes dispostos a trabalhar usando forca braçal conseguem um emprego, abrem mão de empregos que não pagam bem e reduzem significativamente a expectativa de vida. E alguns poucos chefões, que sentaram para descobrir como lucrar na anarquia, fazem fortuna.
Poucos navios cargueiros passam por aqui, tirando do governo legítimo a oportunidade de operações que trariam taxas portuárias. Os únicos navios que arriscam a viagem são pequenos barcos de madeira da Índia, basicamente jangadas de outra época.
“Nós não podemos sobreviver disso”, diz Bile Qabowsade, um oficial de Puntland.
Os problemas portuários tem contribuído com falta de alimentos, inflação nas alturas e menos trabalho para estivadores que perambulam pelas praias de Boosaaso todas as manhãs e ficam olhando para o horizonte em vão, pés descalços plantados na areia quente, esperando que um navio se materialize para que possam juntar alguns centavos carregando sacos de açúcar nas costas.
E ainda, suspeitosamente, tem havido muita construção em Boosaaso. Há um bairro emergente chamado Nova Boosaaso com casas enormes surgindo por cima das cabanas em forma de bolha dos refugiados e dos barracos de metal que os pescadores chamam de casa. Essas novas casas custam centenas de milhares de dólares. Muitas são pintadas de cores exuberantes e protegidas com muros altos.
Mas, claro, nenhum oficial do governo somali admitiria abertamente que os castelos de Nova Boosaaso foram construídos com lucro dos piratas. Mas muitas pessoas, inclusive oficiais das Nações Unidas e diplomatas ocidentais, suspeitam que esse seja o caso.
Toda vez que um navio tomado ancora, significa farra dos piratas. Ovelhas, cabras, água, combustível, arroz, macarrão, leite e cigarros – os piratas compram tudo isso, em grandes quantidades, de pequenas cidades pela costa da Somália.
Os marinheiros ladrões somalis não são como os piratas bárbaros que aterrorizaram cidades da costa Européia centenas de anos atrás e que tratavam seus reféns como prisioneiros de bordo amarrados ao leme. Os piratas somalis são conhecidos por serem bons anfitriões, normalmente não batem em seus reféns e os mantém bem alimentados até o dia do pagamento.
“Eles são pessoas normais”, diz Said Farah, 32, dona de uma loja em Garoowe. “Mas muito, muito ricos.”
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