Inimigo interior: desvio de munição em Uganda e no Brasil
Em outubro de 2006, os guerreiros da região de Karamoja ao norte de Uganda mataram a tiros 16 soldados ugandenses que estavam dirigindo operações de desarmamento compulsório na região (New Vision, 2006). As revelações deste capítulo sugerem que alguns desses soldados podem ter sido mortos por balas que eram destinadas para seu próprio uso. No Rio de Janeiro, Brasil, 52 policiais foram mortos em serviço no ano de 2004 (AI, 2005). A evidência apresentada neste estudo indica que alguns deles podem ter sido mortos por balas originalmente fornecidas para suas próprias forças.
Recentemente, a munição ganhou destaque na pauta internacional. Este capítulo investiga a mecânica da sua proliferação no nível local em Karamoja e no Rio de Janeiro. De forma mais notável, ele se volta para o problema do desvio de munição dos estoques das forças de segurança do estado por atores não-estatais.1 Karamoja hospeda diversos grupos pastoris cujos combates e roubos de animais aumentaram nos últimos anos com a proliferação de fuzis modernos. O estudo revela que a munição que deve ter sido fabricada exclusivamente para as forças de segurança do Estado está nas mãos dos guerreiros Karimojong.
O Brasil é um exemplo bem documentado de taxas muito altas de crimes e de homicídios relacionados a armas pequenas. A complexidade do comércio de munição que abastece essa dinâmica é bem menos documentada. O estudo revela que uma quantidade significativa de munição apreendida pela polícia com os criminosos é do mesmo tipo da usada pela polícia do Rio de Janeiro.
As descobertas dos estudos apresentadas neste capítulo foram geradas através de amostras de munição de atores não-estatais. É importante destacar que os dois estudos usam métodos de coleta e análise de dados ligeiramente diferentes. No caso de Karamoja, um pesquisador do Small Arms Survey recolheu munição diretamente dos estoques particulares dos guerreiros na região.2 Esses dados foram então comparados com os dados sobre os estoques de munição das forças de segurança do Estado, que foram registrados da mesma forma. No Rio de Janeiro, a polícia tinha apreendido a munição com criminosos.
Em ambos os casos, uma seleção da munição tomada como amostra foi comparada com as tendências da munição da força de segurança de mesmo calibre e mesma origem. Cada estudo utiliza as marcações em cartuchos individuais de munição para determinar o ano de fabricação e a fábrica em que a munição foi produzida. Os dados neste "carimbo"são então usados para criar perfis de munição nas mãos dos diversos grupos de atores e para fazer comparações entre eles. Os resultados dessas análises são revisados à luz das descobertas qualitativas da pesquisa, incluindo pesquisa de campo, entrevistas, documentos do governo e relatórios jornalísticos.
Em Karamoja e no Rio de Janeiro, a semelhança entre os estoques estatais e não-estatais de munição de fuzil sugere que o tráfico internacional desse tipo de munição pode não ser o principal canal para o comércio ilícito. As descobertas específicas do capítulo são as seguintes:
- Em Karamoja e no Rio de Janeiro, atores não-estatais possuem munição que é produzida quase exclusivamente para as forças de segurança do Estado de cada país.
- Em ambos os casos, esses tipos de munição, nas mãos de atores não-estatais, correspondem em volume e em origem aos tipos usados por suas forças de segurança do Estado.
- Em cada estudo de caso, os atores estatais e os não-estatais exibem estoques de munição muito “nova”, sugerindo uma cadeia de abastecimento curta.
- Outras fontes de informações reforçam as descobertas dos dados de munição. Essas fontes incluem casos de desvio e outra evidência de comércio entre grupos estatais e não-estatais.
O capítulo conclui que as metodologias de rastreamento de munição apresentadas aqui são ferramentas de pesquisa vitais para compreender os fluxos ilícitos de munição. Os casos de Karamoja e do Rio de Janeiro re-enfatizam o papel das forças de segurança do Estado na aquisição de munição por grupos armados não-estatais. Há uma clara necessidade de tratar esse problema se as forças que são empregadas para diminuir a violência armada não contribuem para isso.
1 O termo ‘forças de segurança do estado’ é usado neste capítulo para indicar as forças armadas e as forças e agências armadas estatais de execução da lei.
2 O pesquisador era James Bevan, que também fez todas as entrevistas em Karamoja.
Leia a íntegra do capítulo (arquivo compactado em formato PDF)
Mais informações: http://www.comunidadesegura.org/?q=pt/taxonomy_menu/15/156
http://www.smallarmssurvey.org/
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
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