terça-feira, 7 de julho de 2009

Morre Robert McNamara, o secretário de Defesa que questionou a guerra

The New York Times
Tim Weiner

Robert S. McNamara, o poderoso e cerebral secretário de Defesa que ajudou a conduzir os Estados Unidos ao redemoinho do Vietnã e passou o resto de sua vida lidando com as consequências morais da guerra, morreu na segunda-feira (6) em sua casa em Washington. Ele tinha 93 anos.

McNamara foi o mais influente secretário de Defesa do século 20. Tendo servido aos presidentes John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson de 1961 a 1968, ele supervisionou centenas de missões militares, milhares de armas nucleares e bilhões de dólares em gastos militares e vendas de armas para o exterior. Ele também ampliou o papel do secretário de Defesa, cuidando da diplomacia internacional e do envio de tropas para garantir o cumprimento dos direitos civis no Sul.

"Ele é como uma britadeira", disse Johnson. "Nenhum ser humano pode suportar o que ele suporta. Ele crava fundo. Ele é perfeito demais."

Meio milhão de soldados americanos foram à guerra durante o mandato de McNamara. Mais de 16 mil morreram; outros 42 mil tombariam nos sete anos posteriores.

A guerra se transformou em seu pesadelo pessoal. Nada do que fez, nenhuma das ferramentas ao seu comando - o poder das armas americanas, as forças da tecnologia e da lógica ou a força dos soldados americanos- conseguiu deter os exércitos do Vietnã do Norte e seus aliados sul-vietnamitas, os vietcongues. Ele concluiu muito antes de deixar o Pentágono que a guerra era fútil, mas ele não compartilhou esse entendimento com o público até mais tarde em sua vida.

Em 1995, ele assumiu uma posição contra sua própria condução da guerra, confessando em um livro de memórias que foi "errada, terrivelmente errada". Em resposta, ele enfrentou uma tempestade de desprezo.

Na época ele exibia a expressão de um homem assombrado. Ele podia ser visto nas ruas de Washington -inclinado, sua fralda de camisa balançando ao vento- entrando e saindo de seu escritório a poucas quadras da Casa Branca, usando tênis gastos e com um olhar distante.

Ele passou décadas pensando nas lições da guerra. A maior delas foi conhecer o inimigo - e ter "empatia com ele", como McNamara explicou no documentário de Errol Morris de 2003, "Sob a Névoa da Guerra".

"Nós temos que tentar nos colocar dentro da pele deles e nos olharmos pelos olhos deles", ele disse. O fracasso americano no Vietnã, ele disse, foi ver o inimigo pelo prisma da Guerra Fria, como um dominó que derrubaria as nações da Ásia se caísse.

A idéia dos Estados Unidos perderem a guerra parecia impossível quando McNamara chegou ao Pentágono em janeiro de 1961, como o oitavo secretário de Defesa do país. Ele tinha 44 anos e tinha sido nomeado presidente da Ford Motor Company apenas 10 semanas antes. Kennedy o chamava de o homem mais inteligente que já tinha conhecido.

Em 1962, a União Soviética começou a enviar mísseis nucleares para Cuba, estabelecendo uma ameaça direta e nivelando a balança de poder com os Estados Unidos, que tinham colocado seus próprios mísseis perto da fronteira soviética, na Turquia.

No auge da crise, em 27 de outubro de 1962, o Estado-Maior das Forças Armadas recomendou que Cuba fosse invadida em 36 horas. Enquanto o sistema de gravação em áudio da Casa Branca registrava suas palavras, McNamara estabeleceu as perspectivas para a guerra.

"O plano militar é basicamente invasão", ele disse. "Quando atacarmos Cuba, teremos que realizar um ataque total."

Ele prosseguiu: "A União Soviética pode, e eu acho que provavelmente irá, atacar os mísseis turcos". Os Estados Unidos então teriam que atacar os navios e bases soviéticos no Mar Negro, ele disse. As chances de uma escalada descontrolada eram altas.

"E eu diria que é altamente perigoso", ele disse. "Agora, eu não sei ao certo se podemos evitar algo assim se atacarmos Cuba. Mas eu acho que deveríamos fazer todos os esforços para evitar isso. E uma forma de evitarmos é desarmar os mísseis turcos antes de atacarmos Cuba."

Esta idéia - um acordo secreto no qual Kennedy ofereceu retirar os mísseis americanos da Turquia se os soviéticos removessem suas ogivas de Cuba- resolveu a crise. "No final, tivemos sorte -foi sorte que impediu a guerra nuclear", disse McNamara em "Sob a Névoa da Guerra".

Sob McNamara, o orçamento do Pentágono aumentou de US$ 48 bilhões em 1962 para US$ 74,9 bilhões no ano fiscal de 1968. O número de 1968 equivale a atuais US$ 457 bilhões. Esse foi basicamente o custo da guerra no Sudeste Asiático.

Quando Johnson se tornou presidente após o assassinato de Kennedy em 1963, McNamara descobriu que o novo presidente dependia dele para vencer a guerra, que logo se transformou em um conflito pleno para os Estados Unidos.

Em 1965, dezenas de milhares de soldados americanos chegaram ao Vietnã e aviões de guerra americanos começaram a atacar o inimigo. Mas em fevereiro de 1966, quando McNamara realizou um briefing privado para os repórteres, ele não mais possuía a confiança radiante que sempre exibia em público. Ele disse com convicção: "Nenhuma quantidade de bombardeio pode colocar um fim à guerra".

Em 26 de agosto de 1966, McNamara leu um estudo da CIA chamado "A Vontade dos Comunistas Vietnamitas de Persistir", que concluiu que nada do que os Estados Unidos estavam fazendo poderia derrotar o inimigo. Ele chamou um analista da CIA, George Allen, que passou 17 anos trabalhando na questão do Vietnã.

"Ele queria saber o que eu faria se estivesse no seu lugar", escreveu Allen em seu livro de memórias de 2001 sobre o Vietnã, "None So Blind". "Eu decidi responder francamente."

"Pare de aumentar as forças americanas", ele contou ter dito a McNamara. "Pare o bombardeio ao Norte e negocie um cessar-fogo com Hanói."

McNamara então disse aos seus assessores que começassem a compilar uma história confidencial da guerra - conhecida posteriormente como "Os Documentos do Pentágono"- e ele começou a se perguntar o que Estados Unidos estavam fazendo no Vietnã. Muitos americanos estavam se perguntando o mesmo.

O momento da virada ocorreu em 19 de maio de 1967, quando McNamara enviou um longo e cuidadosamente argumentado documento para Johnson, pedindo que negociasse a paz em vez de promover a escalada da guerra.

Johnson anunciou em 29 de novembro de 1967 que McNamara deixaria seu posto na Defesa para dirigir o Banco Mundial. McNamara deixou o Pentágono dois meses depois, sem nunca compreender, em suas próprias palavras, "se me demiti ou fui demitido". Foi claramente o segundo.

McNamara analisou por muito tempo que os Estados Unidos não podiam vencer a guerra. Na aposentadoria, ele listou os motivos: um fracasso em entender o inimigo, um fracasso em ver os limites das armas de alta tecnologia, um fracasso em dizer a verdade ao povo americano e um fracasso em entender a natureza da ameaça do comunismo.

Robert Strange McNamara nasceu em 9 de junho de 1916, em San Francisco, filho de Robert e Clara Nell McNamara. Ele se formou com mérito em economia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, em 1937. Após dois anos na Escola de Administração e Negócios de Harvard, ele se tornou professor assistente de negócios lá.

Ele se casou com Margaret Craig em 1940. Ela criou o Leitura é Fundamental, um programa de alfabetização para crianças pobres, enquanto ele estava no Pentágono. Quando ela morreu em 1981, o programa já tinha atendido 3 milhões de crianças.

McNamara se casou com Diana Masieri Byfield, sua segunda esposa, em 2004.

Ele deixa sua esposa; um filho, Robert Craig McNamara, de Winters, Califórnia; duas filhas, Margaret Elizabeth Pastor e Kathleen McNamara, ambas de Washington, e seis netos.

Na Segunda Guerra Mundial, McNamara ensinou métodos estatísticos para jovens oficiais da Força Aérea, visando orquestrar a guerra aérea na Europa ao determinar quantos aviões podiam voar a cada dia em cada teatro de operações.

Após a guerra, McNamara e nove outros estatísticos de guerra foram contratados pela Ford Motor Company para reorganizar a empresa má administrada. Em novembro de 1960, um dia após a eleição de Kennedy, McNamara foi nomeado presidente da empresa. Cinco semanas depois, Kennedy o convidou para dirigir o Pentágono.

O tempo de McNamara no Pentágono quase quebrou seu espírito. Mas após essa provação, ele trabalhou por 13 anos como presidente do Banco Mundial. Ele buscou expandir o poder do banco e combater a pobreza mundial.

Como fez no Pentágono e na Ford, McNamara buscou remodelar o banco. Quando chegou em 1º de abril de 1968, o banco emprestava cerca de US$ 1 bilhão por ano. Esse número cresceu até chegar a US$ 12 bilhões quando ele o deixou em 1981. Àquela altura, o banco supervisionava cerca de 1.600 projetos no valor de US$ 100 bilhões em 100 países, incluindo hidrelétricas, autoestradas e siderúrgicas.

Em 1995, McNamara publicou sua condenação à Guerra do Vietnã e ao seu papel nela: "In Retrospect: The Tragedy and Lessons of Vietnam" (em retrospecto: a tragédia e lições do Vietnã, em tradução livre, Times Books/Random House), pelo qual foi criticado.

Diferente de qualquer outro secretário de Defesa, McNamara lutou em público com a moralidade da guerra e com o uso do poder americano.

"Nós somos atualmente a nação mais forte do mundo", ele disse em "Sob a Névoa da Guerra", lançado na época da invasão ao Iraque, em 2003. "Eu não acredito que devemos aplicar esse poder econômico, político e militar unilateralmente. Se tivéssemos seguido essa regra no Vietnã, nós não teríamos estado lá."

"A guerra é tão complexa que está além da capacidade de compreensão da mente humana", concluiu McNamara. "Nosso julgamento, nosso entendimento, não são adequados. E matamos pessoas desnecessariamente."

Nenhum comentário: