quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Obama não pode mais adiar decisões para o Oriente Médio

Financial Times
Daniel Dombey

Dos desertos e montanhas do Afeganistão aos laboratórios nucleares do Irã e às terras disputadas por árabes e israelenses, o mundo está aguardando que Barack Obama tome uma decisão.

É verdade que o presidente dos Estados Unidos é capaz de transmitir a impressão de que já se decidiu. No seu último discurso importante sobre política externa, em Phoenix, no mês passado, perante a organização Veteranos de Guerras Externas, ele procurou projetar a imagem de um indivíduo decidido. Prometendo que só enviará tropas para situações perigosas se estiver "guiado por uma estratégia sensata", Obama fez uma distinção entre o Afeganistão, como sendo "uma guerra necessária", e o Iraque, que segundo ele foi uma "guerra de opção".

Mas, neste mês de setembro, o presidente terá que tomar grandes decisões na área de política externa - escolhas que ele evitou fazer durante os seus primeiros sete meses na Casa Branca. Obama terá que decidir quantos soldados mais enviará ao Afeganistão; como e se intensificará a pressão sobre Teerã tendo em vista um prazo estabelecido pelos Estados Unidos e os seus aliados; e se atenderá às expectativas árabes de que imponha uma proposta enérgica para resolver de uma vez por todas o conflito israelense-palestino.

Qualquer uma dessas decisões seria por si só significante. Mas, juntas, elas representam os dilemas mais importantes na área de política externa já enfrentados até o momento pelo governo. "Setembro será um mês crítico para este presidente - e, eu acrescentaria, para a nação e o mundo", afirma Strobe Talbott, diretor da Brookings Institution e ex-vice-secretário de Estado, que vincula as decisões internacionais que o presidente terá que tomar ao teste doméstico de força no que se refere às suas propostas de reforma do sistema de saúde.

A questão mais premente é o Afeganistão. Tendo, durante a campanha, defendido esta guerra como sendo um conflito pelo qual valeria a pena lutar - uma posição que ajudou a evitar que ele fosse retratado como um pacifista democrata -, o presidente precisa agora decidir até que ponto ele está de fato comprometido com esse conflito. Ele terá que decidir entre enviar mais tropas ou tornar mais modestas as metas dos Estados Unidos. E isso ocorre em um momento em que ele é acusado de ser fraco no que se refere às políticas domésticas e quando a popularidade dele e a da Guerra do Afeganistão estão em queda.

Em julho último, 44 soldados dos Estados Unidos morreram no Afeganistão e, em agosto, 45 - números que superam os registrados em quaisquer outros meses. Em uma pesquisa Gallup da semana passada, 61% dos entrevistados afirmaram que a situação, no que se refere ao conflito no Afeganistão, não está nada boa. Este número representa um grande salto em relação aos 43% que tinham a mesma opinião em julho. Outras pesquisas revelam que a maioria da população é contrária à guerra e favorável a retirada das tropas.

O presidente não conta com nenhuma opção agradável. Líderes republicanos como John McCain têm pedido energicamente o envio de mais tropas. Os democratas querem um cronograma para uma retirada, enquanto os próprios comandantes militares subordinados a Obama lhe dizem que, mesmo com menos tropas no Iraque, será difícil obter uma quantidade muito maior de soldados para o Afeganistão. O general Stanley McChrystal, o comandante do Afeganistão selecionado pelo novo governo norte-americano, deverá solicitar mais recursos dentro de alguns dias.

Mas tais problemas estão se acumulando na agenda de Obama. No que se refere a várias questões, o presidente anunciou uma nova estratégia ou abordagem - mas ele evitou tomar as decisões concretas que precisam ser tomadas a seguir. O general da reserva Anthony Zinni, ex-chefe do Comando Central dos Estados Unidos, diz que não consegue se lembrar de uma só grande decisão estratégica tomada por Obama. Ele acrescenta que o governo precisa anunciar uma estratégia de segurança nacional estabelecendo aquilo que defende e como pretende usar o poderio norte-americano.

Não há dúvida de que Obama causou um grande impacto no cenário global. A sua campanha eleitoral, com as enormes multidões e as promessas de engajamento diplomático; a sua vitória, com todo o simbolismo advindo do fato de ele ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos; e o seu discurso de posse, no qual prometeu uma ruptura com a era de George W.
Bush, tudo isso ecoou bem em todo o mundo.

Como presidente, ele adotou também duas iniciativas de política externa que contrastam com o governo anterior - melhorar as relações com a Rússia e pressionar Israel quanto à questão da construção de assentamentos em terras ocupadas dos palestinos. Ele fez dois discursos - sendo o mais notável aquele do Cairo, dirigido ao mundo muçulmano - que Bush jamais teria feito. Mas, no que se refere a diversas outras questões importantes, Obama não rompeu com os últimos anos do governo Bush, o que traduziu-se em continuísmo.

Seis semanas após a sua posse, Obama anunciou uma estratégia para o Iraque baseada em promessas de campanha no sentido de retirar as forças de combate em um prazo de dois anos. Mas, em termos práticos, a estrutura dessa políticas continua sendo a mesma que aquela assinada relutantemente por Bush - a retirada de tropas norte-americanas das cidades iraquianas, que ocorreu em junho, e uma retirada completa do país até o final de 2011.

Diante do aumento da violência após a retirada das forças norte-americanas das áreas urbanas, Obama não conta com praticamente nenhuma margem de manobra: tanto nos Estados Unidos quanto no Iraque, a opinião pública deseja que as tropas norte-americanas retirem-se do país que invadiram seis anos e meio atrás.

No Afeganistão, Obama revelou em março uma estratégia que deveria romper com o legado de Bush. Mas, embora durante os seus primeiros dias na presidência ele tenha falado da necessidade de "possuir um objetivo claro", a dimensão daquelas metas relativas ao conflito que ele procurou tornar mais modestas voltou a crescer. Quando lhe pediram, no mês passado, que definisse o que seria o sucesso nesta guerra, Richard Holbrooke, o representante especial de Obama no Afeganistão e no Paquistão, afirmou: "Nós saberemos o que é o sucesso quando o enxergarmos".

No início, o presidente enfatizou acima de tudo a necessidade de impedir que o Afeganistão voltasse a ser uma base da Al Qaeda e desestabilizasse ainda mais o vizinho Paquistão. Mas os Estados Unidos também abraçaram outros objetivos para o Afeganistão, tais como a promoção dos direitos das mulheres, o aperfeiçoamento do governo em todos os níveis e a repressão à corrupção e aos narcóticos.

"É difícil entender e enxergar qualquer período razoável de tempo no qual eles seriam capazes de atingir essas metas", afirma Andrew Bacevich, ex-instrutor da academia militar de West Point e atualmente professor da Universidade de Boston. "A linguagem moralista e a agenda declaradamente ideológica do governo Bush foram neutralizadas sob o governo Obama. Mas as ambições continuam sendo extraordinariamente grandiosas".

Robert Gates, o secretário de Defesa, argumenta que os objetivos dos Estados Unidos são claros. "Sucesso significa as forças de segurança nacionais afegãs assumirem um papel cada vez maior no controle e na proteção do seu próprio território, à medida que nós adotamos um papel de assessoramento e, finalmente, nos retiramos", disse ele na semana passada.

Deparando-se com uma antiga demanda feita pelos comandantes para que sejam enviados mais 30 mil soldados ao Afeganistão, Obama optou por uma solução intermediária neste ano, despachando 17 mil soldados adicionais e 4.000 instrutores. Mas o pedido iminente de mais recursos por parte do general McChrystal colocará o presidente novamente na mesma situação - e com as atenções voltadas ainda mais para o Afeganistão será mais difícil do que antes deixar de atender ao apelo dos militares. Ao mesmo tempo, Obama terá que determinar uma série de parâmetros segundo os quais o progresso feito no Afeganistão será mensurado - pontos de referência que determinarão de fato a amplitude da estratégia adotada pelos Estados Unidos.

Da mesma forma como os objetivos do governo para o Afeganistão expandiram-se para equiparem-se àqueles elaborados sob Bush, a sua ambição por uma nova relação com o Irã parece ter encolhido até o patamar do governo anterior. As discussões com Teerã foram um grande tema da campanha presidencial de Obama, e o tópico foi novamente enfatizado durante as suas primeiras semanas na Casa Branca. Mas a contestada eleição de junho no Irã tornou politicamente mais difícil para os Estados Unidos oferecerem aquele diálogo amplo com Teerã que vinha sendo cogitado, enquanto os problemas internos exigiam muito mais atenção do regime na república islâmica.

Atualmente, a abordagem é similar àquela adotada por Bush - uma iniciativa multilateral para negociar com o Irã com foco no programa nuclear daquele país, em vez de uma iniciativa mais ampla dos Estados Unidos para melhorar as relações. De fato, a oferta que está sobre a mesa é aquela que foi assinada por Condoleezza Rice, a secretária de Estado de Bush - algo que David Miliband, o secretário britânico das Relações Exteriores, admitiu, ao pedir neste verão a Teerã que respondesse "ao pacote claro que foi apresentado ao Irã cerca de 15 ou 16 meses atrás".

Caso neste mês o Irã não dê início a uma negociação de "boa fé", os Estados Unidos e os seus aliados estão cogitando endurecer as sanções propostas no âmbito das Nações Unidas, apesar das reservas da Rússia e da China. O governo Bush deparou-se com tal cenário periodicamente durante os seus últimos, e menos ideológicos, anos de poder.

Sanções mais duras contra o Irã é algo que também vem sendo buscado por Israel - um fator importante a se considerar no momento em que o governo dos Estados Unidos procura concluir um acordo com o seu aliado sobre o congelamento dos assentamentos judeus em território palestino, abrindo desta maneira o caminho para negociações de paz entre árabes e israelenses.

Em relação a este tópico o governo Obama rompeu de fato com o seu antecessor - não só com as contínuas pressões públicas exercidas pela Casa Branca sobre Israel, mas também devido ao foco anterior de Obama no Oriente Médio -, em contraste com outros presidentes recentes, que só abordaram a questão no final dos seus mandatos. Entretanto, diplomatas árabes disseram que Obama informou que em setembro tomará uma medida ainda mais decisiva e delineará a sua estratégia para resolver o conflito árabe-israelense como um todo.

Mas embora as próximas semanas sejam decisivas para determinar até que ponto o governo estabelecerá a sua própria rota, tais expectativas poderão ser frustradas. A criação de uma política sustentável para o Afeganistão, as pressões efetivas sobre o Irã e a adoção de uma rota progressiva para o Oriente Médio - tudo isso antes do final do mês - representariam um desafio para qualquer líder.

De fato, os Estados Unidos já esboçaram um segundo prazo para o Irã - segundo o qual Washington avaliará o progresso das negociações até o final deste ano -, e esquivaram-se de assumir qualquer compromisso público explícito de apresentar um plano de paz para o Oriente Médio neste mês.

"Não seria algo realista acreditar que ele fosse capaz de apresentar uma solução para esses três problemas nas próximas três semanas", afirma Talbott, que argumenta que Obama já deu grandes passos ao procurar fortalecer as relações com os aliados e instituições internacionais.
"Dentre os três, o Afeganistão é o que exige decisões mais duras".

O professor Bacevich acrescenta: "Tenho me perguntado quando Obama teria que apresentar medidas duras quanto à política externa. Achei que seria em meio a uma crise, mas eu creio que este é o seu momento de ser testado. O conjunto de decisões em relação ao Afeganistão representará de fato o primeiro teste para esse homem".

De Carter a Obama

"Muito tempo perdido com hesitações". Três décadas atrás, Zbigniew Brzezinski enfrentou problemas com o Afeganistão, o Irã e o Oriente Médio, como assessor de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter. Atualmente a equipe de política externa de Barack Obama está envolvida com aquelas mesmas regiões.

Embora Brzezinski, 81, tenha sido apoiador entusiasmado de primeira hora do novo presidente, ele parece estar ficando cada vez mais preocupado com a abordagem do atual governo.

Ele teme que os Estados Unidos corram o risco, "apesar da nossa retórica, de mergulhar em um conflito mais profundo com diversos segmentos do mundo islâmico".

Sobre Obama, ele adverte: "Quanto maior for a quantidade de problemas com os quais estiver envolvido, menos capacidade ele terá para agir".

Brzezinski diz ao "Financial Times" que Obama já deveria, a esta altura, ter tomado uma decisão quanto ao Afeganistão, e adverte que Washington corre o risco de ver-se atolada em uma guerra cada vez mais intensa.

Ele acrescenta que a abordagem para a promoção de relações diplomáticas com o Irã e para a tentativa de solução do conflito israelense-palestino corre o risco de ser muito estreita.

"Eu gostaria de ter visto essas decisões serem tomadas no início do verão", diz ele a respeito do dilema de Obama quanto às tropas e à estratégia para o Afeganistão. "A minha posição tem sido sempre a de que é melhor enfrentar esses problemas difíceis o mais cedo possível".

Ele diz que a questão que o presidente deveria sopesar em relação à guerra é: "Qual é exatamente a ameaça que precisa ser neutralizada, e será que existem outras formas de evitá-la?".

Brzezinski argumenta que as negociações com elementos do Taleban, e não um esforço de guerra mais intenso e as grandes metas de vitória militar, podem ser a chave para um Afeganistão mais estável. Ele afirma: "Eu precisaria estar convencido de que seríamos expulsos ou derrotados caso não aumentássemos o tamanho das nossas tropas - mas se a expansão do contingente for elaborada para a obtenção de alguma espécie de vitória, acredito que este seria o caminho errado. Será que o fato de nos envolvermos cada vez mais profundamente em um conflito que envolve não só o Afeganistão, mas também o Paquistão, atende aos interesses de longo prazo dos Estados Unidos?".

Em relação ao Irã, Brzezinski teme que as negociações atualmente cogitadas pelos Estados Unidos não tenham a possibilidade de prosperar por encontrarem-se demasiadamente focadas no status nuclear da república islâmica, e excluírem as outras preocupações iranianas.

"Se nos recusarmos a discutir outras questões que os iranianos desejam discutir, nós os encorajaremos a se recusarem a conversar sobre aquelas questões que nós desejamos discutir", diz Brzezinski. "A questão é simples e básica assim. E não podemos atrair os iranianos para negociações sérias se, ao mesmo tempo, discutimos publicamente sanções mais severas, isso para não mencionar que outras opções (ele refere-se à força militar) estão sobre a mesa".

Quanto às iniciativas do governo para a paz no Oriente Médio, a frustração de Brzezinski é também bastante clara. "Muito tempo foi perdido com hesitações", afirma ele, argumentando que "um compromisso vago" quanto aos assentamentos judaicos em territórios palestinos ocupados pouco contribuirão para que se chegue a um acordo final. "Eu não abandonei a esperança, mas a esperança não é eterna", diz ele tristemente.

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