quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Como conversar com o Irã

International Herald Tribune
Roger Cohen
Em Genebra (Suíça)

O documento iraniano de cinco páginas que trata de conversações com as principais potências - chamado de "Cooperação para a Paz, a Justiça e o Progresso" - tem sido bastante ironizado por ser considerado um conjunto de tolices evasivas, mas na verdade trata-se de um trabalho instrutivo que sugere que essa questão pode não ser uma causa perdida. É necessário examiná-lo atentamente.

É verdade que ele não menciona o programa nuclear do Irã, o elefante na sala, embora fale de "promover a universalidade" do tratado de não proliferação nuclear, do qual o Irã é membro, ao contrário de Israel, um Estado nuclearmente armado.

O que a proposta fornece é um guia útil sobre a psicologia e as preocupações da república islâmica, que ecoam por todas as partes. Quando o Irã pede "multilateralismo" e "progresso livre dos duplos padrões para todas as nações", ele reflete o pensamento predominante em Moscou e Pequim, e esse é um dos motivos pelos quais a obtenção de apoio significativo da Rússia e da China às sanções contra o Irã não passa de um sonho: falarei sobre isso mais tarde.

O presidente Obama fez bem ao aceitar o documento como um preâmbulo às conversações que terão início em 1º de outubro. Eu defendi energicamente negociações com o Irã após uma visita em fevereiro ao país. Durante um segundo período que passei em Teerã, chocado com a repressão brutal contra os manifestantes que testemunhei após a eleição de 12 de junho, eu disse que Obama precisaria adotar um intervalo decente para dar início às conversas. Três meses se passaram. Trata-se de uma curta pausa, mas os problemas são prementes e esta é uma questão realmente séria.

O presidente está certo por vários motivos. A psicose iraniana-americana que dura 30 anos é uma ressaca perigosa e ilógica. Quando Obama reuniu-se com os seus assessores especializados no Irã após a eleição de junho para rever os dados de inteligência, os pequenos detalhes foram suficientemente minúsculos para que o presidente perguntasse: "Isso é tudo o que vocês têm?". A ignorância gera uma perigosa incompreensão.

O presidente está certo porque apenas a diplomacia criativa é capaz de conter o rápido processo iraniano de enriquecimento de urânio (8.000 centrífugas ineficientes, e o número aumenta); porque relações mais próximas com o Ocidente representam a melhor esperança de longo prazo para reformas no Irã; porque o Irã está negociando a partir de uma posição de relativa fraqueza após a desunião revolucionária que seguiu-se ao 12 de junho; e porque é de extremo interesse dos Estados Unidos evitar um ataque israelense contra a Pérsia muçulmana (isso, aliás, é também do interesse de Israel; já há um punhado de árabes que pensam o mesmo).

Há muita verbosidade - daquele tipo que Orwell aproveitaria - no "pacote" iraniano, mas é assim que este tipo de coisa funciona no Irã. Assim com vários países que foram muito conquistados, incluindo a Itália, o Irã adora artifícios, enfeita a verdade com camadas elaboradas. Ele sempre preferirá a ambiguidade à clareza. Essa é uma nação cujas convenções incluem uma elegante insinceridade cerimonial conhecida como "taarof" (hipocrisia disfarçada de bajulação), e que pratica o "tagieh", que significa sacrificar a verdade em nome de imperativos religiosos mais elevados.

Vale a pena relembrar essas características. Gary Sick, o membro do governo Carter que negociou a libertação dos reféns norte-americanos, me disse pouco antes do avanço crítico que recebeu uma volumosa e absurda "proposta" iraniana que quase fez com que Carter interrompesse as negociações. A proposta consistia de um uma narrativa desimportante que continha uns dois elementos úteis escondidos entre o texto emotivo.

No caso atual existem também elementos úteis. A profunda indignação iraniana com injustiças passadas está evidente no uso repetido de palavras como "justo" ou "imparcial". Vale a pena lembrar que o intermitente programa nuclear iraniano teve início na década de 80, quando o Irã sofreu ataques a gás por parte do Iraque, cujo arsenal químico foi possível em grande parte devido à colaboração da Europa e dos Estados Unidos. Tais verdades não são menos verdadeiras por serem desagradáveis.

Na minha opinião, é inconcebível qualquer processo para acabar com o programa nuclear iraniano que não resolva a síndrome de vítima do Irã por meio de um certo grau de fortalecimento altamente monitorado.

Outros elementos úteis são o pedido pelo Irã de uma "função fiscalizadora justa e baseada em regras" por parte da Agência Internacional de Energia Atômica - a fiscalização pela AIEA é exatamente o que os Estados Unidos e os seus aliados precisam reforçar; uma linguagem referente à questão palestina ("paz ampla e irrestrita, segurança duradoura") que é moderada para os padrões iranianos; e uma "disposição para o engajamento em negociações amplas, irrestritas e construtivas".

Este é um momento ruim para a diplomacia, pois a repressão no Irã continua. Mas a situação na União Soviética e na China também não era propícia quando houve avanços. Os Estados Unidos têm que continuar fazendo pressões pela libertação de prisioneiros políticos e o respeito aos direitos humanos no Irã.

No fim das contas, as conversações são essenciais porque não existe nenhuma alternativa viável. Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, disse recentemente que "agora é o momento para dar início a sanções duras contra o Irã". Mas o Irã está acostumado a sanções, após ter passado anos convivendo com elas, e sabe que os anos que passou cultivando relações com a Rússia e a China (nenhuma menção ao sofrimento dos tchetchenos ou dos muçulmanos uigures) lhe renderão frutos. O Irã é na verdade um aliado da Rússia.

Não consigo vislumbrar nenhum acordo no qual, em algum momento, não haja um enriquecimento controlado de urânio em solo iraniano em troca da aceitação pelo Irã de vigorosas inspeções por parte da AIEA. Protocolos adicionais e uma presença ininterrupta da AIEA, como no Japão.

Aproxima-se o momento em que os Estados Unidos e os seus aliados terão que abandonar a meta de "enriquecimento zero" - esta meta não é mais viável - para concentrarem-se na forma de excluir a produção de armas nucleares, estabelecer um limite para o enriquecimento e fazer com que o Irã acredite que o preço pela quebra de qualquer acordo será caro.

Como regra geral, quanto mais for aliviada a psicose americana-iraniana, mais favorável será qualquer acordo. Portanto, é necessário ler nas entrelinhas.

Nenhum comentário: