terça-feira, 26 de agosto de 2008

Análise: Rússia reconhece formalmente independência de Ossétia do Sul e Abhkhazia

Link para reportagem: http://www.nytimes.com/2008/08/27/world/europe/27russia.html?_r=1&ref=world&oref=slogin

No dia de hoje o presidente Dmitri Medved, seguindo orientação e pedido do parlamento, reconheceu formalmente a independências das regiões da Ossétia do Sul e da Abhkazia, que fazem parte do território da Geórgia (ao sul da parte européia da Rússia). Como resposta, o presidente georgiano, Mikheil Saakashvilli, convocou uma reunião de emergência com seus ministros, além de ter afirmado que essa é prova irrefutável da não-retirada russa de seu território, além de clara violação a fundamentos basilares do Direito Internacional, como a soberania e não-intervenção. Seus protestos fizeram eco à reação norte-americana, tendo Condolezza Rice descrito a ação como "lamentável", e da UE, tendo tanto Sarkozy como Merkel as descrito como "violação ao princípio da integridade territorial". O presidente Saakashvilli continuou afirmando que isso é mais que uma afronta somente à Geórgia, mas a todo o Direito Internacional que rege as relações das potências ocidentais e, corroborando com essa idéia, é muito pouco provável que países de alguma importância no Sistema Internacional venham a seguir os passos do reconhecimento russo.

A questão pode ser olhando por diferentes primas, sendo eles:
=> Rússia: as regiões há anos tinham uma independência de facto do governo georgiano, sendo muito mais próximas de Moscou que de Tbisli. O ponto de mudança no status quo que vinha se estendendo já há alguns anos foi a repressão, dias atrás, de forças separatistas pelo governo central da Geórgia, retaliado prontamente pelas forças russas - criando, finalmente, uma desculpa para a intervenção e a oportunidade perfeita em apoio mais ativo à separação. Uma contradição interessante quando confrontada à situação da Chechênia, que pede a mesma separação e é recebida com a mesma leveza de um elefante.
=> Geórgia: são parte de seu território e estão querendo se separar. Tem o Ocidente ao seu lado, mas uma Rússia cobiçosa de uma nova (e própspera) região que pode ser anexada/entrar em sua esfera direta de influência, o que é bastante incômodo. Tenta se utilizar de mecanismos multilaterais, como a ONU, para aumentar seu poder na questão - ainda que "as fraquezas" dessas organizações, como a incapacidade de ação sem a aprovação da própria Rússia, não ajude muito nesse ponto...
=> Ocidente: a Rússia está crescendo. Novamente. A continuação da diplomacia expansionista e confrontadora que Putin iniciou (e obviamente continua orquestrando, agora como Primeiro-Ministro) é razoável quando traz consigo petróleo, gás e novos lugares para se investir, mas essa confrontação tem um limite - que pode estar chegando. Os próximos passos dos EUA e da UE e, principalmente, a resposta da Rússia pode arrefecer ou abalar ainda mais a tímida confiança que vem do pós-Guerra Fria.
=> ONU: Não é nova a situação, mas teremos, provavelmente, um novo Iraque. Tal qual 5 anos atrás, nada o CS poderá fazer ou deixar de fazer enquanto a Rússia tiver seu veto. O que leva ao repensar da função da organização: paz mundial para quem?
=> Mundo: Tudo pode acabar em pizza. Ou não. É interessante como a situação no mundo vem estremecendo nos últimos 7 anos. Ainda que seja um mero marco histórico e pouco tenha a ver com isso, o 11 de Setembro determina uma nova era: saímos do "Pós-Guerra Fria", essa zona incerta em que uma possível unipolaridade estabelecer-se-ia. Entramos em uma era de nova contestação hegemônica; por ora, ainda só pela economia (vide o crescimento chinês, a crise americana...), mas o que não impede uma contestação mais direta em alguns casos. A Rússia pode ter dado esse primeiro exemplo hoje. Mas o principal a se ter em mente é a lembrança que, independente de declínios de antigos hegemons, a contestação dessa liderança e sua mudança efetiva é sempre feita, no limite, por vias belicosas. O século passado testemunhou duas guerras mundiais e uma ameaça de quase 50 anos de guerra nuclear. Rezemos para que as disputas continuem só econômicas...

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