Martin Fackler Do New York Times, em Yeonpyeong, Coreia do Sul
Sentado em frente a sua casa, remendando uma rede de pesca com mãos sulcadas pelos anos de trabalho no mar, Kim Sang-jin relembrou a última vez que a Coreia do Norte e a Coreia do Sul entraram em conflito militar no Mar Amarelo.
Foi há sete anos. Os disparos dos navios de guerra, durante as duas horas de batalha naval, chegaram perto o suficiente para fazer barulho nas janelas. Ele e sua esposa foram obrigados a buscar um lugar seguro. Agora, com as tensões aumentando desde os testes nucleares da Coreia do Norte, em maio, e as subsequentes sanções das Nações Unidas, Kim Sang-jin disse que ele e outros residentes temem que uma nova batalha possa surgir a qualquer momento, perto dessa pequena ilha controlada pela Coreia do Sul, localizada na costa de uma hostil Coreia do Norte.
"Estamos sempre com medo, todos os dias", disse Kim, 66 anos, que vive a duas casas de um abrigo antibombas da vizinhança. "Mas você se acostuma a viver com o medo."
Especialistas militares sul-coreanos afirmam que esta ilha solitária, também reclamada pela Coreia do Norte, é o lugar mais provável para a ocorrência de um conflito, com o Norte possivelmente provocando uma batalha limitada como parte de sua atitude temerária em relação aos Estados Unidos e outros países.
A Ilha Yeonpyeong está situada a apenas três quilômetros do chamado limite norte, uma extensão inundada da zona desmilitarizada que divide as duas Coreias. Esse foi o cenário de duas batalhas navais mortais, ocorridas na última década.
Pescadores trabalham em cais em Yeonpyeong, com navio militar da Coreia do Sul ao fundo. (Foto: The New York Times)
A Coreia do Sul, desde então, lançou o primeiro de sua nova classe de navios de míssil guiado "mata-patrulha", projetado especialmente para as batalhas navais de curto alcance que têm ocorrido nessas águas. A embarcação, chamada de Yoon Young-ha, foi batizada em homenagem a um dos seis marinheiros sul-coreanos mortos na segunda batalha, em 2002, vencida pela Coreia do Norte.
Com isso e com a guarnição militar da ilha, de cerca de mil marinhas em alerta, a Coreia do Sul parece quase ansiar por uma luta. Em uma recente cerimônia para marcar o décimo aniversário da primeira das duas batalhas navais anteriores aqui, quando a Coreia do Sul disse ter derrotado o Norte ao afundar dez de suas embarcações, o tenente-comandante Kwon Young-il prometeu "afundá-los", caso a Coreia do Norte ataque novamente.
Muitos dos 1.600 civis residentes na ilha, a maioria pescadores grisalhos, disseram se no meio de um fogo-cruzado. Porém, também disseram estar acostumados ao aumento, de tempos em tempo, das tensões entre os países. Eles descrevem a situação como parte da vida nessa ilha disputada.
A maioria afirma que eles estão determinados a cuidar de seu trabalho diário de mover seus barcos de camarão ou monitorar armadilhas para peixes ao longo da costa rochosa da ilha.
"Esta não é a primeira vez que a Coreia do Norte testou mísseis e bombas", disse Kim Seung-ju, que lidera o ramo da ilha da cooperativa agrícola nacional. "Isso não nos agita."
Realmente, com seus bunkers de concreto, emboscadas para tanques e linhas de trincheiras, a ilha parece uma cápsula do tempo da Guerra Fria. Os ilhéus conduzem incursões aéreas mensais e mantêm máscaras de gás em casa. Cartazes em restaurantes locais alertam residentes para estarem atentos a botes espiões e submarinos norte-coreanos. Desde o teste nuclear, a ilha estoca seus 19 abrigos civis antibombas com água potável e macarrão instantâneo.
Militar sul-coreano patrulha a costa da Ilha Yeonpyeong em 18 de junho. (Foto: The New York Times)
Visitantes da ilha são revistados na descida do ferry boat por policiais militares buscando agentes norte-coreanos. Apesar de a ilha estar a apenas 13 km da costa da Coreia do Norte, sua única ligação regular com o resto da Coreia do Sul é uma viagem de ferry boat de 106 km, com duas horas e meia de duração.
Isso faz da ilha uma anomalia, mesmo na Coreia do Sul, que ainda enfrenta o Norte por toda a zona desmilitarizada e altamente armada, mas onde algumas comunidades começaram a desativar seus abrigos antibomba e armadilhas para tanques.
Muitos sul-coreanos parecem ansiosos para esquecer o vizinho bélico do norte. Eles têm pressa para atingir padrões de vida cada vez mais altos. Apesar disso, as duas Coreias permanecem em guerra, tecnicamente, há mais de meio século.
Apesar de tudo seguir como de costume em grande parte da Coreia do Sul durante o empate nucelar, a tensão é notável em Yeonpyeong. Em um sinal potencialmente ameaçador, moradores afirmam que muitos barcos de camarão chineses, que pescam todos os anos nessas águas, foram embora. Apesar disso, não está claro se eles foram alertados pela Coreia do Norte ou simplesmente foram embora para casa porque a temporada de camarões acabou.
Ainda assim, alguns ilhéus e membros das forças militares afirmam que as tensão não estão tão acirradas como na década de 1970, quando a Coreia do Norte tentou reclamar a ilha para si e enviou seus jatos de guerra. Hoje em dia, o sul parece muito mais confiante em sua superioridade material em relação ao empobrecido norte.
"Nós temos a tecnologia", disse o tenente-coronel aposentado Kim In-sik, ex-comandante da Marinha Sul-Coreana, que visitou a ilha recentemente para reforçar o moral das tropas. "Mas ainda é possível que o Norte ataque esta zona para aumentar a pressão." -como parte de sua estratégia de barganha contra Seul e Washington.
Kim, líder da cooperativa de agricultores, disse que os ilhéus eram anticomunistas fervorosos, pois muito deles, incluindo sua mãe, fugiram da Coreia do Norte durante e após a Guerra da Coreia, de 1950 a 1953. Ao mesmo tempo, esses laços com o norte faz com que ele e outros ilhéus sintam que nenhuma das duas Coreias deseja outra guerra total.
Na verdade, eles disseram que os perigos aqui são frequentemente exagerados. Muitos ilhéus reclamaram que o aumento nas tensões assustou turistas e trouxe ligações de parentes preocupados, perguntando por que eles insistem em morar em um lugar tão perigoso.
Alguns moradores locais até reclamaram que os únicos invasores que eles viram foram os bandos de repórteres e câmeras sul-coreanos, que os assediam a cada impasse com a Coreia do Norte.
"Quando vemos o pessoal da TV, sabemos que algo está acontecendo", disse Park Choon-geun, 49 anos, capitão de um barco de camarão. "Tirando isso, achamos que a vida segue normal."
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