BBC
Desde que Manuel Zelaya foi deposto da Presidência de Honduras pelos que se opunham ao seu plano de mudanças constitucionais, o país está em crise. O conflito reflete uma batalha ideológica que está ocorrendo por toda a América Latina, segundo o professor de Política Comparativa e da América Latina na London School of Economics George Philip.
Na América Latina, assim como em outros lugares, os conflitos constitucionais costumam refletir batalhas pelo poder.
A crise em Honduras, que começou quando Zelaya tentou aprovar uma emenda à Constituição do país para permitir a reeleição presidencial, também parece seguir este padrão.
Para alguns, principalmente o presidente venezuelano Hugo Chávez, o conflito em Honduras é uma batalha entre esquerda e direita.
Segundo a interpretação do presidente venezuelano, a esquerda hondurenha liderada por Zelaya tenta estabelecer uma Presidência forte, capaz de liderar um processo de transformação política e social. Por outro lado, os conservadores como o presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, querem um executivo mais fraco, sob controle do Congresso e do Judiciário.
O conflito a respeito do limite de mandatos presidenciais, apesar de este não ser o único fator para a inibição ou o reforço de uma Presidência forte, pelo menos reflete parcialmente esta diferença de ponto de vista.
Estados Unidos
De certa forma, os Estados Unidos têm uma perspectiva diferente.
O presidente Barack Obama está tentando mostrar que seu governo está comprometido com a governança democrática na América Latina, não importa quem esteja envolvido.
Ele tem evitado um duelo com Hugo Chávez, seja sobre Honduras ou qualquer outro assunto.
Para Obama, a questão mais importante é de legitimidade. Ele quer o governo dos Estados Unidos livre de sua reputação histórica de intimidação regional.
Barack Obama quer ser o promotor da democracia, não um intervencionista, além de um bom vizinho. Conflitos institucionais dentro da América Latina podem fazer com que este objetivo americano seja mais difícil de alcançar.
Reeleição proibida
A questão da reeleição presidencial recentemente ficou importante na América Latina.
Rafael Correa, do Equador, e Evo Morales, da Bolívia, são vistos como aliados de Chávez Apesar das histórias diferentes dos países da região, já ocorreram várias votações relativas, de forma direta ou indireta, à questão.
Historicamente a ideia de proibição da reeleição tinha como objetivo limitar as vantagens do mandato presidencial em países onde outras formas de responsabilidade política eram fracas.
Originalmente, os presidentes podiam fazer o que queriam, bastava ter o apoio necessário dos militares.
O lema da Revolução Mexicana - sufragio efectivo, no re-elección ("um voto efetivo e sem reeleição", em tradução livre) - era visto como democratizador.
Quando a democracia voltou a fincar raízes na América Latina no final dos anos 80, a maioria das Constituições dos países da região proibiu a reeleição imediata.
A década de 80 foi um período econômico ruim para a América Latina e poucos presidentes tinham chances de reeleição, portanto a questão foi colocada de lado. No entanto, na década de 90, quando a economia regional começou a se recuperar, a questão voltou a ser discutida.
Outros países
O presidente peruano Alberto Fujimori fechou o Congresso Nacional em 1992, organizou eleições para uma nova Assembleia Constituinte e aprovou uma nova constituição por plebiscito. Com isso, ele conseguiu um segundo mandato em 1995.
Mudanças constitucionais durante a década de 90 também permitiram um segundo mandato para a Presidência no Brasil e Argentina.
Na Colômbia, a Constituição foi mudada recentemente para permitir um segundo mandato consecutivo e o presidente Álvaro Uribe foi reconduzido ao poder.
Já na Venezuela, a questão da reeleição se tornou mais polarizadora desde a eleição de Hugo Chávez para a Presidência. Ele usou uma série de plebiscitos para mudar a Constituição do país.
A nova Constituição aumenta o mandato presidencial de cinco para seis anos e permite uma única reeleição. Ao ser reeleito em 2006, ele convocou um novo plebiscito para permitir o terceiro mandato.
Chávez foi derrotado na primeira votação em 2007. Ele então convocou uma votação sobre a mesma questão (com algumas mudanças) no início de 2009 e venceu.
Juan Peron, da Argentina, foi substituído na presidência pela terceira mulher, Isabel E este padrão, um presidente aprovando mudanças constitucionais para aumentar o poder da Presidência e permitir um segundo mandato (ou mais), também foi adotado pelos principais aliados de Chávez, o presidente Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, no Equador.
Agora, há a crise em Honduras e o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, também pedindo mudanças na Constituição do país para permitir a reeleição.
Familiares
Pode parecer uma anomalia toda esta preocupação com a questão da reeleição na América Latina.
Afinal, existem formas de contornar a questão e uma delas é a eleição de um familiar do presidente.
Cristina Fernández de Kirchner foi eleita para a Presidência da Argentina em 2007, logo depois do fim do mandato de seu marido.
Outro presidente argentino, Juan Perón, foi substituído no cargo pela esposa, Isabel, depois de sua morte em 1974. Mas este mandato foi curto e desastroso.
No conflito particular de Honduras, existe o aspecto constitucional, mas a questão também pode ser vista como o conflito entre Chávez (e seus partidários) e os conservadores da região.