quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Honduras seguirá a sua vida e Brasil termina como perdedor na crise

por Gustavo Chacra

O Congresso de Honduras, eleito democraticamente, determinou que o presidente deposto, Manuel Zelaya, não retorne ao cargo. A Suprema Corte, que representa o poder judiciário, sempre se manifestou contra. As Forças Armadas, ao longo de cinco meses de crise, não apresentou um racha. Nem mesmo quando Zelaya retornou a Honduras. Nenhum sargento, nenhum major, nenhum coronel, nenhum general se levantou para lutar contra o governo de facto.

As eleições presidenciais foram livres e ocorreram sem problemas. O presidente eleito, Pepe Lobo, integra um partido opositor ao de Roberto Micheletti. Aliás, Micheletti é do mesmo Partido Liberal de Zelaya. O presidente foi deposto depois de tentar levar adiante uma reforma constitucional, indo contra o artigo 239 da Constituição hondurenha. Foi removido do cargo. Micheletti, presidente do Congresso, assumiu o poder, conforme prevê a lei.

Verdade, não existe nada dizendo que Zelaya deveria ser removido no meio da madrugada e expulso de Honduras. Os responsáveis por esta ação precisam ser punidos. Porém o presidente deposto desrespeitou a Constituição e perdeu os poderes conforme está previsto no artigo que citei acima - não existe impeachment em Honduras e a remoção é automática.

Eu estive em Honduras por duas ou três semanas ao desembarcar um dia depois da deposição. Na época, a minha percepção era de que os hondurenhos, na sua maioria, apoiavam a remoção de Zelaya. Nas manifestações a favor do governo de facto, vi pessoas de todoas as classes, idades e profissões. Ja nas de Zelaya, eram membros de sindicatos, professores e alguns universitários, além de nicaraguenses enviados por Ortega e Chávez.

Agora, Honduras terá um novo presidente. Países como os Estados Unidos já reconheceram. E o Brasil permanecerá com Zelaya dentro de sua Embaixada em Tegucigalpa. Difícil imaginar um perdedor maior em toda esta crise.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Afeganistão e o azar de Obama de ter o Bush errado como antecessor

por Gustavo Chacra

Bill Clinton e Barack Obama tiveram antecessores que se chamavam George Bush. Mas a herança do marido da secretária de Estado foi incomparavelmente melhor do que a do atual ocupante da Casa Branca. Basicamente, porque o Bush-Pai era realista e o Bush-Filho um neo-conservador - lembre que Clinton e Obama são liberais.

Em 1990, pouco depois do fim da Guerra Fria, Saddam Hussein ocupou o Kuwait. Os EUA possuem enormes interesses no território kuwaitiano – no caso, o petróleo. Bush deu um ultimato para Saddam, um antigo aliado americano, se retirar do país vizinho. Ao mesmo tempo, montou uma coalizão com o apoio de quase todos os países árabes e de muitos ao redor do mundo.

Como o líder iraquiano não respeitou a exigência de se retirar, Bush-Pai ordenou um ataque que, em poucos dias, conseguiu obrigar os iraquianos a deixarem o Kuwait e ainda impôs uma série de medidas restritivas a Saddam. O Kuwait ficou livre, o petróleo voltou a circular e Saddam ficou enfraquecido no poder, mas servindo ainda como um tampão para o regime iraniano não expandir a sua influência pelo Oriente Médio. Para completar, as baixas civis foram mínimas e praticamente nenhum americano morreu. Bush-Pai e seu secretário de Estado, James Baker, são realistas.

Depois do 11 de Setembro, Bush-Filho atacou o Afeganistão. E também contou com o apoio de uma coalizão internacional. Seu objetivo era bem mais amplo e ambicioso. Eliminar a rede terrorista Al Qaeda e remover o Taleban do poder. Conseguiu apenas a segunda. Foi uma guerra realista.

O erro ocorreu em 2003. Bush deixou o realismo e agiu de uma forma descrita como neo-conservadora. O Iraque não havia atacado os EUA, não possuía armas de destruição em massa, estava sob restrições impostas pela ONU e ainda servia como tampão para o Irã, conforme explicado acima. Basicamente, a única justificativa para atacar Saddam, que nada tinha a ver com a Al Qaeda, seria implementar a democracia no Iraque. Esta não é uma política realista e esteve restrita apenas aos iraquianos, afinal Egito, Jordânia e Arábia Saudita não são democráticos e, mesmo assim, mantêm alianças com os americanos.

Ao priorizar esta guerra neo-conservadora em detrimento da realista, no Afeganistão, Bush-Filho se perdeu. No final, depois do bem sucedido surge (uma estratégia realista, que enxerga a situação como ela é, defendendo acordos com líderes tribais) e com dezenas de milhares de mortos, incluindo 4 mil americanos – mais do que no 11 de Setembro –, o ex-presidente ordenou a retirada. Mas a herança para Obama estava no Afeganistão, a guerra realista e esquecida. O Taleban havia se fortalecido, o Paquistão se deteriorado e com bases da Al Qaeda.

Agora, oito anos depois, Obama, um liberal, terá a sua guerra. Clinton, outro liberal, não teve este problema, porque o Bush-Pai-Realista deixou a casa arrumada para ele. O Bush-Filho-Conservador não. Vamos ver como o Nobel da Paz irá se sair. O problema é que, neste caso, a Guerra do Afeganistão, realista há oito anos, se tornou praticamente neo-conservadora. Uma difícil batalha para um liberal.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Hondurenhos ensinam ao chavismo o que é democracia

por Marcos Guterman

Honduras deu ao chavismo uma lição de democracia. Mesmo numa situação de forte tensão, criada pela inabilidade do governo de facto e pela irresponsabilidade do deposto Manuel Zelaya, os hondurenhos foram às urnas para escolher seu novo presidente. A eleição transcorreu sem problemas e com grande afluência de eleitores – maior do que quando Zelaya foi eleito, o que tornou inevitável considerá-la legítima. Assim, países e entidades que antes ameaçavam não reconhecer o resultado, como Espanha e União Européia, começavam a sinalizar um recuo, antes de mais nada por respeito à vontade soberana dos hondurenhos.

Apesar disso, Lula ainda mantinha nesta segunda-feira um discurso intransigente e descolado da realidade. Disse que não reconheceria as eleições porque Zelaya “não coordenou o processo”. Mas a função de coordenar eleições em Honduras (como de resto em qualquer país em que vigora a separação de Poderes) não é do presidente, mas da Justiça e de órgãos específicos. Zelaya não poderia coordenar nada, porque obviamente era parte interessada. Esse detalhe escapou a Lula. A restituição de Zelaya e a realização das eleições sempre foram problemas distintos, e o acordo hondurenho previa que Zelaya só voltaria ao poder se o Congresso assim determinasse – como viu que não conseguiria votos suficientes para voltar, o deposto esperneou e rasgou o acordo, recebendo o alegre e irresponsável apoio brasileiro.

Lula disse ainda que não reconhecer a eleição em Honduras era uma forma de “alerta para outros aventureiros” e afirmou que os descontentes com um presidente “têm o Congresso, têm a Justiça local para recorrer”. Ora, foi justamente isso o que aconteceu em Honduras: Manuel Zelaya estava a caminho de alterar a Constituição para se reeleger indefinidamente, como manda o script chavista, e foi impedido pelo Congresso e pela Suprema Corte. Tudo dentro da lei – se erro houve, foi o modo como Zelaya foi defenestrado do país.

Outro argumento é o de que a eleição de domingo “não foi livre nem limpa”, como escreveu Claudia Antunes na Folha desta segunda-feira. Segundo esse raciocínio, a “militarização” do país e o conseqüente constrangimento de eleitores, a suposta dificuldade de simpatizantes de Zelaya de participar do processo e a repressão a meios de comunicação zelaystas provam que o pleito não foi legítimo. Ora, se a votação em Honduras não pode ser considerada legítima por causa desses fatores, então nenhuma votação na Venezuela pode.

Na Venezuela, para refrescar a memória, a imprensa opositora é sistematicamente perseguida, dissidentes estão presos, o governo mantém milícias de estilo cubano nos bairros, a Suprema Corte, o Congresso e o Conselho Nacional Eleitoral são controlados pelo caudilho e a figura onipresente de Chávez inibe quem ousa desafiá-lo nas urnas. Aquilo que em Honduras foi pontual e circunstancial, na Venezuela é parte do infeliz cotidiano dos cidadãos. No entanto, o governo brasileiro jamais questionou a lisura dos inúmeros plebiscitos venezuelanos – aliás, Lula já disse que o problema da Venezuela é “excesso de democracia”.

Mas parece que o bom senso está emergindo mesmo dentro do governo Lula, que já sugere mudar de posição, e o processo de transição em Honduras enfim se dará sem a interferência nociva do chavismo – este sim, o maior problema atual do continente latino-americano, que envenena relações, mina a economia e assenta-se sobre a mentira para prevalecer.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A hug from Lula

Why Brazil's president offered a red carpet to Mahmoud Ahmadinejad

Friday, November 27, 2009

FOR SEVERAL years, U.S. policy in Latin America has aimed at forging a partnership with Brazil. Like the Bush administration before it, the Obama administration sees Latin America's largest country as an emerging superpower whose economic dynamism and relatively stable democracy make it a natural ally. But Brazil's potential has been frequently overestimated in the past; an old saw says it will always be the country of the future. And this week its popular but erratic president, Luiz Inácio Lula da Silva, is doing his best to prove the cynics right.

On Monday Mr. Lula literally gave a bear hug to Iranian President Mahmoud Ahmadinejad, who thereby recorded a major advance in his effort to prop up his shaky domestic and international standing. Heading an extremist regime that is rejected by the majority of Iranians -- and that has just spurned a compromise on its outlaw nuclear program -- the Iranian president headed abroad in search of friends. He found few: Gambia and Senegal in Africa; and Hugo Chávez's Venezuela, along with two of its satellites, Bolivia and Nicaragua.

Mr. Ahmadinejad's world tour would have looked pathetic and served to underline the growing isolation of his hard-line clique, if not for the warm welcome from Mr. Lula. When even Russia is publicly discussing new sanctions against Tehran, the Brazilian government signed 13 cooperation agreements with the regime, prompting Mr. Ahmadinejad to predict that bilateral trade would grow fifteenfold.

Mr. Lula had nothing to say about the bloody suppression of Iran's pro-democracy reform movement, or Mr. Ahmadinejad's denial of the Holocaust and Israel's right to exist. Instead he declared that Iran has a right to its nuclear program. Mr. Ahmadinejad, in turn, endorsed Brazil's bid for a permanent seat on the U.N. Security Council.

Mr. Lula showed why the West would be wise to keep that chair on hold. His advocates say he invited the Iranian president because he aspires to broker peace in the Middle East. If so, the Brazilian president merely demonstrated his ignorance of the region. The Revolutionary Guard faction that Mr. Ahmadinejad represents is the force most implacably opposed to an Israeli-Arab settlement; that's why it backs the terrorism of Hamas and Hezbollah. Mr. Lula's embrace of Mr. Ahmadinejad will not change his fanaticism, but it may make him stronger. It will also ensure that any attempt by Brazil to intervene in the Middle East will be dismissed by Israel and mainstream Arab governments.

Brazil may yet become a regional power; Mr. Lula's mostly sensible domestic policies have made it stronger. But if it is to acquire global influence, Brazil will have to reform the anachronistic Third Worldism that informs its foreign policy. By embracing pariahs such as Mr. Ahmadinejad or attempting to position itself between the democratic West and the world's rogue states, Brazil will merely ensure that it remains the country of the future.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Cuba persegue a blogueira que entrevistou Obama

El País
Mauricio Vicent
Em Havana (Cuba)

Yoani Sánchez e seu marido, Reinaldo Escobar, viveram nos últimos dias um sequestro relâmpago da polícia e uma surra pelas mãos de seguidores do regime.

Dias de ataque para os blogueiros Yoani Sánchez e Reinaldo Escobar, seu marido. Em 6 de novembro, foi Yoani, 34 anos, quem denunciou um "sequestro siciliano", com surra incluída, por supostos agentes da polícia política; tudo em 20 minutos, sem câmeras nem depoimentos gráficos. Na última sexta-feira, o agredido foi Escobar, 62 anos, e a imprensa estrangeira filmou o ato de repúdio de que participaram centenas de pessoas ligadas ao governo, que atacaram o blogueiro com sanha e impunidade. Entre esses dois atos violentos, Yoani entrevistou o presidente americano, Barack Obama, e ofereceu seu testemunho a uma comissão do Congresso dos EUA.

"Não gosto de lamber minhas feridas. Continuo apostando no diálogo e em tudo o que abre as portas para o futuro, por isso do que aconteceu fico com a entrevista com Obama", disse Sánchez no sábado a "El País", no meio de um turbilhão de ligações do exterior. Seu marido opinou que o ato de repúdio e os golpes foram uma "mensagem" clara: "O sinal do governo é que enquanto ficarmos na rede escrevendo nossos blogs, não há problema; mas não querem ações na rua porque a consideram dele".

O casal estava há dias ocupando espaços nos mais importantes meios de comunicação do mundo. Na quinta-feira sua popularidade chegou ao auge, quando Yoani publicou em seu blog "Geração Y" as respostas de Obama para sete perguntas que ela lhe fez sobre as relações Cuba-EUA. "Seu blog oferece ao mundo uma janela particular para as realidades da vida cotidiana em Cuba", escreveu o presidente, em um forte apoio a Sánchez, que em 2008 recebeu o Prêmio Ortega y Gasset de jornalismo.

Em suas respostas à blogueira, Obama mostrou-se favorável a uma "diplomacia direta e incondicional" com Havana e disse que deve ser o povo cubano quem decidirá seu futuro. Mas advertiu o governo de Raúl Castro de que é preciso dar passos na direção da democratização e do respeito aos direitos humanos se pretende chegar a uma normalização de relações com os EUA.

No mesmo dia do incidente com Reinaldo Escobar, pela manhã, realizou-se em Washington uma audiência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que debateu a pertinência de se eliminar a proibição aos americanos de viajar em turismo à ilha caribenha. Em meio a um acalorado debate, o presidente da comissão, o deputado democrata Howard Berman, da Califórnia, leu um testemunho de Yoani a favor do levantamento da proibição, alegando que "poderia dar mais resultado na democratização de Cuba do que as medidas indecisas de Raúl Castro". "Junto com as malas, as bermudas e os filtros solares poderão chegar também apoio, solidariedade e liberdade", colocou Sánchez.

O papel de Yoani nas relações entre Cuba e EUA não agrada ao governo de Raúl Castro, como tampouco seu crescente "ativismo cidadão" e seu salto do blog para a rua. Os choques mais duros de Sánchez com o mundo oficial ocorreram exatamente quando realizou atos públicos. Em 6 de novembro Yoani denunciou que foi detida e espancada por supostos agentes do governo vestidos de civis para impedir sua participação em uma manifestação contra a violência convocada em um bairro central de Havana.

Em desagravo, Escobar desafiou para um "duelo verbal" o policial que agrediu sua mulher, um chamado agente Rodney. O encontro era em 20 de novembro às 5 da tarde na mesma esquina da cidade, mas dias antes foi convocado para esse lugar um Festival Universitário do Livro e da Leitura. A coisa acabou como se sabe. Segundo a versão oficiosa, embora nada tenha saído na imprensa, a população "espontaneamente" saiu ao encontro de um grupo de provocadores "contrarrevolucionários".

"É sua resposta à oferta de diálogo: golpes, gritos e comícios de repúdio", diz Sánchez, que acaba de criar em sua casa uma "academia blogger". Na velocidade em que vão os acontecimentos, qualquer perfil que se faça hoje da blogueira fica velho na semana seguinte.

A emergência brasileira e os atritos com os EUA

Enviado por Gilberto Scofield

A decisão do Brasil de apoiar as pretensões nucleares do Irã — aliada às críticas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito aos EUA, a maneira como o país vem lidando com a questão hondurenha e até a postura pouco crítica ao abusos do governo de Hugo Chavez nos terrenos da liberdade de imprensa e direitos humanos — podem todos prejudicar a relação entre o Brasil e os EUA e atrapalhar as pretensões da política externa brasileira de consolidar o país como grande líder global e regional.

A opinião é de analistas das relações entre os EUA e o Brasil, que vem sendo acusado de perder o equilíbrio e a sensatez na sua ânsia de "agradar a todos os países":
— A intenção do Brasil de querer ser um interlocutor de todos os países é absolutamente legítima e deriva da emergência que o país conquistou no cenário internacional nos últimos anos — diz Eric Farnsworth, vice-presidente do Council for the Americas. — Mas esta aproximação tem que ser feita com cuidado, para que não comprometa a confiança que outros paíse possuem no Brasil. Afinal, quem quer um país tão próximo do Irã, um pária internacional, sentado no Conselho de Segurança da ONU?

Peter Hakim, presidente do Inter-Americana Dialogue, afirma que a política externa brasileira este ano vem perdendo certo senso de equilíbrio que sempre a caracterizou e que é fundamental para um país que tem pretensões de fazer parte do grupo de países que incluenciam nos rumos do planeta.

— É preciso que a diplomacia brasileira tenha mais habilidade para enxergar certas discrepâncias. Não é possível, por exemplo, apoiar incondicionalmente Hugo Chavez diante de um governo cada vez mais autoritário. Ou criticar a atuação dos EUA na mediação dos conflitos no Oriente Médio se os próprios palestinos e israelenses pedem isso. E não é possível defender um programa nuclear iraniano, que se recusa a ser monitorado pela comunidade internacional. Isso fere a imagem do país — diz Hakim.

A professora de ciências políticas internacionais da Universidade George Washington, Cynthia McClintock, afirma que, com a declaração de Lula ontem, o Brasil ajuda a legitimizar as demandas do presidente Mahmoud Ahmadinejad, colocando o país numa situação "não exatamente positiva", já que Lula não pressionou o presidente iraniano em nada: do monitoramento internacional de seu projeto nuclear, a sua polêmica reeleição ou as violações de direitos humanos no país.

— É uma vitória iraniana importante ter Lula como aliado em sua política de enfrentamento dos EUA e da União Européia.— diz ela.

Em uma reportagem na edição de ontem do jornal "The New York Times", o deputado democrata Elliot L. Engel, presidente do Subcomitê da Câmara dos Representantes que cuida do Hemisfério Ocidental, fez uma ácida crítica à decisão brasileira: "Esta visita é um erro ofensivo, um terrível erro. Ele (Ahmadinejad) é ilegítimo para sua própria população e o Brasil agora vai dar a ele um ar de legitimidade num momento em que o mundo está tentando achar um meio de prevenir o Irã de ter armas nucleares. Não faz sentido para mim e e mancha a imagem do Brasil, francamente".

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Confira polêmicas que marcaram política externa no governo Lula

A recepção ao presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, volta a colocar em debate a atuação diplomática do Brasil no que diz respeito a governos acusados de violar normas internacionais e temas de direitos humanos.

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad
Visita de Ahmadinejad reacende debate sobre diplomacia brasileira

Elogiada por ter conquistado espaço para o Brasil em alguns dos principais fóruns mundiais, a diplomacia brasileira também tem sido criticada pelo que alguns veem como excesso de pragmatismo na relação com governos autoritários e por supostamente abrir mão de princípios de direitos humanos.

O Itamaraty e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm defendido o diálogo com Ahmadinejad, e com outros governos que enfrentam questionamento internacional, dizendo que a atitude é mais produtiva do que o isolamento.

Confira abaixo alguns dos episódios polêmicos envolvendo a atuação internacional do Brasil nos últimos anos.

Apoio a governos acusados de violar direitos humanos

Omar al-Bashir, presidente do Sudão
Líder sudanês teve prisão ordenada pelo Tribunal Penal Internacional

O Brasil tem sido acusado de, em diversas ocasiões, votar no Conselho de Direitos Humanos da ONU ao lado de governos de países acusados de graves violações aos direitos humanos.

Em 2006, o Brasil se absteve da votação de uma resolução que pedia a investigação de acusados por abusos e mortes em Darfur, no Sudão, e ajudou na aprovação de uma moção mais branda, com elogios ao governo de Omar al-Bashir.

Na época, o Itamaraty justificou a posição dizendo que Brasil desejava um "consenso eficaz em torno do assunto".

Bashir acabou tendo a prisão ordenada pelo Tribunal Penal Internacional em março deste ano por crimes contra a humanidade.

Em junho deste ano, depois da condenação, o Brasil votou contra os interesses do governo do Sudão, pela manutenção de uma investigação independente dos crimes cometidos no país.

Além do governo do Sudão, o Brasil foi criticado por organizações de defesa dos direitos humanos por ter se alinhado aos governos do Congo e da Coreia do Norte (março de 2009) e do Sri-Lanka (maio de 2009) em outras votações do Conselho.

Uma justificativa que tem sido usada tanto pelo Ministério das Relações Exteriores como pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a de que as condenações internacionais isolam os países acusados e que o diálogo seria a melhor caminho para a solução dos conflitos.

Bombas de fragmentação

Bombas de fragmentação
Bombas de fragmentação espalham bombas menores por grande área

O Brasil ficou de fora do tratado da ONU que proíbe o uso e a fabricação de bombas de fragmentação, assinado por mais de cem países no final de 2008.

As bombas de fragmentação (também chamadas de bombas de submunição) espalham bombas menores por uma grande área e foram condenadas pelas mutilações e mortes que provocam em populações civis.

Segundo cálculos da Handicap International, ONG que defende a proibição do armamento e recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1997, 98% das vítimas das bombas de fragmentação são civis e 27%, crianças.

O Itamaraty justificou a posição dizendo que as bombas de fragmentação são "armamento necessário para a defesa nacional". Estados Unidos, Rússia, China e Israel também não assinaram o tratado.

Eleição na Unesco

O egípcio Farouk Hosni
Egípcio tinha apoio de Brasil, Estados Unidos e europeus na Unesco

O Brasil apoiou o candidato egípcio Farouk Hosni, ministro da Cultura do Egito, para a diretoria-geral da Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

Hosni, ministro da Cultura do Egito há 22 anos, se envolveu em uma polêmica ao afirmar que queimaria livros hebraicos se os encontrasse na biblioteca de Alexandria e é acusado de participar de um governo que promove a censura a livros, jornais e sites.

O Itamaraty justificou o apoio a Farouk em nome da "aproximação do Brasil com o mundo árabe". O egípcio também foi apoiado pelos Estados Unidos e por países europeus, preocupados em fortalecer o governo egípcio, visto como interlocutor importante no conflito entre palestinos e israelenses no Oriente Médio.

Na reta final da escolha, em setembro, Farouk acabou sendo derrotado pela ex-ministra das Relações Exteriores da Bulgária, Irina Bokova.

Abrigo a Manuel Zelaya

Manuel Zelaya na embaixada do Brasil em Honduras
Zelaya permanece hospedado na embaixada do Brasil desde setembro

Em 21 de setembro, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, foi recebido como "hóspede" na embaixada brasileira em Tegucigalpa, onde permanece até hoje graças à imunidade concedida à representação diplomática.

A situação provocou um debate jurídico sobre a legalidade da imunidade diplomática da embaixada para abrigar um personagem que é parte de um conflito político interno de Honduras.

Críticos também argumentaram que, ao se colocar ao lado de Manuel Zelaya, o Brasil deixava de lado sua tradicional posição de neutralidade em relação a assuntos internos de outros países e perdia condições de atuar como mediador na disputa.

Em audiência no Senado, o ministro Celso Amorim negou considerar a atitude do Brasil uma interferência nos assuntos internos de Honduras.

Amorim também justificou a postura do Brasil dizendo que "o que estava em jogo no caso não era apenas a situação em Honduras, mas a democracia na região".

Incidente na Conferência da ONU sobre o Racismo

A abertura da conferência da ONU sobre discriminação racial, realizada em Genebra, em abril, foi marcada por um polêmico discurso em que Mahmoud Ahmadinejad acusou Israel de ser um Estado "totalmente racista", criado pelas potências ocidentais em compensação pelas "graves consequências do racismo europeu" contra os judeus.

Em sinal de protesto, várias delegações deixaram o plenário, entre elas as da França e da Grã-Bretanha.

A delegação brasileira permaneceu no plenário, e o representante brasileiro, o ministro Edson dos Santos, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, criticou a atitude dos delegados que deixaram a sala.

No dia seguinte, o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, publicou uma entrevista em que o ministro dizia não ter visto racismo na fala de Ahmadinejad e que o discurso teria sido "interessante" para os judeus, "que queriam dar visibilidade à sua causa".

O Itamaraty acabou divulgando uma nota em que expressou preocupação com o discurso de Ahmadinejad, "que, entre outros aspectos, diminui a importância de acontecimentos trágicos e historicamente comprovados, como o Holocausto".

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Brasil precisa deixar posições claras em diálogo com Irã, diz analista

Alessandra Corrêa

Da BBC Brasil em São Paulo


Ao receber a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, na próxima segunda-feira, o Brasil deve deixar claras suas posições e sobre o que vai conversar com o líder iraniano, disse à BBC Brasil o cientista político Amaury de Souza.

"Se não ficar claro por que estamos recebendo Ahmadinejad, a posição do Brasil pode ser mal-interpretada", afirma o analista, que é sócio-diretor da MCM Consultores Associados e autor do livro A Agenda Internacional do Brasil: A Política Externa Brasileira de FHC a Lula. "Pode parecer que estamos apoiando o que o presidente do Irã pensa e fala."

Segundo Souza, o diálogo com Ahmadinejad deve ser feito "dentro de uma estratégia clara", em que o Brasil reafirme ao presidente iraniano suas posições de defesa do Estado de Israel, da democracia e contra a proliferação nuclear.

Ahmadinejad chega ao Brasil em um momento de grande pressão da comunidade internacional para que o Irã abandone seu programa nuclear, por temor de que o país esteja tentando desenvolver armas secretamente. O governo iraniano nega essas alegações e afirma que seu programa é pacífico.

Souza diz que o Brasil, que tem em sua Constituição a proibição de armas nucleares, não pode aceitar uma situação em que outros países desenvolvam armas nucleares.

"Nossas diferenças com o Irã são diferenças de princípio", afirma.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil – A visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, tem dividido opiniões. Alguns analistas dizem que é ruim para a imagem do Brasil no Exterior. O governo afirma que isso mostra independência e que o melhor caminho é o diálogo. O que o senhor acha?

Amaury de Souza – Não há, em princípio, nenhuma objeção ao fato de o Brasil conversar com todos os países, todos os dirigentes. Mas isso tem de ser feito dentro de uma estratégia que seja clara, não apenas para o público doméstico, mas também internacionalmente. Não se aceita se não deixar claro o que está conversando. E, no caso de Ahmadinejad, não está claro.

O Brasil não tem visivelmente interesses muito vitais em relação ao Irã. Exportamos muito para o Irã, mas ainda assim o volume não se compara com o que temos com outros parceiros. Aumentou, mas ainda é pequeno. E, além disso, podemos continuar a exportar para o Irã sem receber o presidente aqui.

O grande problema é que o senhor Ahmadinejad já definiu certas ações contrárias aos interesses brasileiros. Como a repressão à oposição após as eleições (de junho, em que Ahmadinejad foi reeleito). O Brasil tem uma posição constitucional a favor da democracia. Trata-se de um comportamento ofensivo aos valores (brasileiros). Em segundo lugar, Ahmadinejad vem há tempos defendendo uma linha muito radical em relação a Israel e, particularmente, em relação aos judeus, afirmando que não houve o Holocausto. Novamente, é um comportamento ofensivo aos valores e à tradição da política brasileira. Em primeiro lugar, porque Israel é um velho e forte aliado do Brasil. A criação do Estado de Israel foi fortemente apoiada pelo Brasil.

Temos na cultura brasileira a tradição de completo respeito a qualquer etnia e a qualquer religião. Aqui dentro, nos orgulhamos do fato de que judeus e árabes, ou islâmicos e israelitas, vivem em perfeita harmonia. Disso não abrimos mão. Então, a presença do senhor Ahmadinejad, sem estar claro no que interessa aos interesses brasileiros, significa apenas importar conflitos do Oriente Médio para dentro do Brasil. Nos preocupa também a presença do Irã em outros países da América do Sul, como a Venezuela e a Bolívia.

BBC Brasil – Mas não há um certo exagero e um uso político das críticas à visita de Ahmadinejad? O próprio chanceler da Europa, Javier Solana, já disse que é bom que o Brasil abra um canal de diálogo com o Irã.

Souza –(O presidente dos Estados Unidos, Barack) Obama também disse isso. Não tenho nada contra o Brasil abrir um canal de diálogo, mas tem que ser claro. Vamos abrir um canal de diálogo para que? Se é para conseguir um voto para a entrada do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança (da ONU), não precisa vir o presidente aqui. Simplesmente conversando, como vamos ajudar o diálogo de paz?

BBC Brasil – Que consequências negativas a visita de Ahmadinejad pode trazer ao Brasil?

Souza – Temos uma população em que judeus e muçulmanos vivem em perfeita harmonia e vamos acabar importando para o Brasil um conflito que não é nosso. Ahmadinejad tem um discurso radical que pode ter consequências internas. Em primeiro lugar, como um insulto à comunidade judaica. Não podemos esquecer que brasileiros morreram na Itália lutando para derrotar o nazismo. Isso tem a ver com a memória brasileira, com a memória dos nossos soldados. O nazismo fez o Holocausto. O governo não pode simplesmente fazer o que passa pela cabeça.

BBC Brasil – Quais são os interesses do Irã com essa visita?

Souza – Os interesses são claros. O Irã tem um projeto próprio de poder para o Oriente Médio. Quer se lançar como a principal potência no Oriente Médio. É preciso lembrar que o Irã tem condições muito específicas para reivindicar esse papel. É de longe a cultura com maior tradição de vida política e de liderança dentro do Oriente Médio. No fundo, nada mais é do que o modelo do Império Persa, que antecedeu até mesmo o surgimento do islamismo na península árabe.

Segundo, tem uma força religiosa muito específica. São persas e são todos xiitas, em um Oriente Médio dominado por sunitas. Com o enfraquecimento do Iraque, que sempre foi outro polo de competição política com o Irã, ficou com mais espaço para o seu projeto de se tornar uma potência no Oriente Médio.

Para Ahmadinejad, é importante que possa projetar o prestígio de seu país em outros continentes. Hoje o Irã vive em um quase limbo por causa de sanções da ONU contra seu programa nuclear. Essa é a razão de Ahmadinejad vir ao Brasil, à Bolívia, à Venezuela.

BBC Brasil – Como a visita de Ahmadinejad se encaixa na estratégia do Itamaraty de inserção do Brasil no mundo?

Souza – Existe uma estratégia? Não consigo ver qual é. O Itamaraty quer negociar apoio à entrada no Conselho de Segurança? Acha que é capaz de demover o Irã da ideia do desenvolvimento de seu programa nuclear? Acha que tem um papel em mudar a posição do Irã com relação a Israel? Acha que tem poder para fazer tudo isso? Faço perguntas retóricas porque me parece que se é isso que o Itamaraty quer está um pouco longe da sua capacidade. O Brasil nunca foi um ator de qualquer relevância na política do Oriente Médio. A única vez em que desempenhamos um papel mais ou menos importante no Oriente Médio foi quando apoiamos o Iraque na guerra contra o Irã, com o fornecimento de armas.

A posição brasileira sempre foi de defesa do Estado de Israel, e essa é uma estratégia e uma tradição brasileira, tem lastro, tem princípios atrás dela. Dentro disso, lutamos pela constituição de um Estado palestino. Lutamos pela paz dentro do Oriente Médio, contra a proliferação nuclear. São valores que o Brasil vem defendendo há décadas.

Se Ahmadinejad quer se aproximar do Brasil, tem que saber que nossas posições são essas. Se não, vai parecer aos olhos do mundo que o Brasil está recebendo Ahmadinejad porque as posições que ele defende não são ofensivas para o país. E isso não é verdade. Elas são ofensivas.

BBC Brasil – Em nome do pragmatismo, e com a justificativa da não-interferência em assuntos internos e da importância na manutenção de canais de diálogo, o Brasil tomou atitudes criticadas por grupos de defesa dos direitos humanos. Recebeu políticos acusados de crimes contra os direitos humanos, votou contra sanções duras a governos acusados de crimes contra a humanidade. Não há um limite para esse realismo político?

Souza – O realismo político não pode virar sinônimo de oportunismo. O Brasil tem que ter clareza sobre seus interesses nacionais. A diplomacia só existe para defender os interesses do Brasil. Onde esses interesses estão sendo defendidos, não está claro.

BBC Brasil – Há o risco de o feitiço virar contra o feiticeiro?

Souza – O Brasil é interpretado como estando fazendo um gesto em outra direção. Isso tem consequências internas indesejáveis. O Brasil deveria chamar o Ahmadinejad e dizer: “Houve Holocausto sim”. Mostrar que aqui não é a casa da sogra.

BBC Brasil – O Brasil recebeu, no período de duas semanas, as visitas do presidente de Israel, Shimon Peres, do presidente palestino, Mahmoud Abbas, e agora do presidente do Irã. Há alguma chance de o Brasil realmente se tornar um interlocutor importante nas questões do Oriente Médio?

Souza – Acho difícil. Não temos nenhuma tradição de participação em questões no Oriente Médio. E que poder temos? Que fórum podemos comandar para resolver a situação no Oriente Médio? Me parece um pouco exagerada essa pretensão.

É evidente que Israel, ao saber que o presidente do Irã vem ao Brasil, também resolve vir, para deixar claro quais são suas posições. Temos tratado de livre comércio com Israel, mas não com o Irã. Israel é um valioso parceiro para o Brasil. Tem mais que apenas o comércio. Temos um tratado, isso mudo a situação de Israel perante o Brasil.

Se não ficar claro por que estamos recebendo Ahmadinejad, a posição do Brasil pode ser mal-interpretada. Tem consequêncas externas. Pode parecer que estamos apoiando o que o presidente do Irã pensa e fala.

Estamos muito longe do Oriente Médio. É preciso ter certa sobriedade, não achar que estamos no centro do mundo. O Brasil não é um ator tão importante na política mundial. Se compararmos o Brasil não apenas com as grandes potências, mas até mesmo com seus parceiros no Bric (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China), vemos que sua importância é muito relativa. É preciso ter modéstia.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Afeganistão, a Amazônia e a China

The New York Times
Thomas L. Friedman
em Belém (Brasil)

"Um milhão de dólares?".

A pergunta foi feita com olhos arregalados e uma voz de incredulidade. O indivíduo que a fez foi Antônio Waldez Goes da Silva, o governador do Estado brasileiro do Amapá, que fica na Amazônia e que conta com o maior parque nacional do mundo. Eu acabara de mostrar a Waldez Goes um artigo recente do "The Hill", o jornal do congresso dos Estados Unidos, que informa que o custo total de manutenção de um soldado norte-americano no Afeganistão por um ano é de US$ 1 milhão (R$ 1,7 milhão).

"E se nós tirássemos apenas um soldado do Afeganistão e lhe déssemos o dinheiro?", eu perguntei ao governador. O que você compraria com essa quantia? Waldez Goes respondeu: "Se você retirasse três soldados de lá, o dinheiro economizado seria suficiente para manter a Universidade Estadual do Amapá funcionando por um ano, de forma que 1.400 alunos poderiam cursar disciplinas sobre desenvolvimento sustentável na Amazônia.

Ok, eu sei. Examinar um orçamento de guerra e assumir que, se o dinheiro não fosse gasto em combate, ele seria destinado a escolas e parques, é algo meio enganoso. E nós temos inimigos reais. Algumas guerras precisam ser travadas, não importa o custo. Mas tais comparações são um lembrete útil de que o nosso debate sobre o Afeganistão não está ocorrendo em um vácuo. Nós teremos que fazer concessões, e atualmente existem outros projetos extremamente importantes necessitando de verbas, conforme o meu colega Nick Kristof observou em relação ao sistema de saúde.

Bem, se os Estados Unidos assumissem a tarefa prioritária de resolver os problemas da Ásia Central, talvez, digamos, a China, poderia ajudar a arcar com os custos de salvar o que restou da Amazônia e das outras grandes florestas tropicais do planeta. Será que o presidente Barack Obama poderia apresentar esta ideia em Pequim?

Um grupo de trabalho intergovernamental para salvar as florestas tropicais calcula que com cerca de US$ 30 bilhões (R$ 51,3 bilhões) nós poderíamos reduzir em 25% o desmatamento em países como o Brasil, a Indonésia e o Congo até 2015. Depois disso, o financiamento advindo dos mercados globais de carbono, mais as reservas desses próprios países, poderiam salvar grande parte do restante. Atualmente a China possui US$ 2,2 trilhões (R$ 3,8 trilhões) em reservas. O que acha disto, Pequim? Por que você não se apresenta e fornece alguns benefícios públicos para o mundo pelo menos uma vez - não porque teria um benefício direto com isso, mas apenas porque tal iniciativa tornaria o mundo um lugar melhor para todos?

Sem dúvidas os Estados Unidos ainda precisariam liderar tais iniciativas. Mas a era de uma China que tira vantagem de tudo sem pagar um centavo precisa acabar. A China deveria pagar a sua parcela justa - e mais -, já que ela se beneficia tanto quanto os Estados Unidos, a Europa e o Japão. De fato, a Fundação da Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, como as florestas tropicais vivas são enormes reservas de carbono - que é liberado quando nós cortamos as árvores - , se nós simplesmente parássemos de desmatar, obteríamos uma grande parcela da redução de emissões de carbono da qual o mundo necessita até 2020.

"E países em desenvolvimento ricos em florestas, como o Brasil, estão atualmente prontos a fazer a sua parte porque eles dependem da água que as florestas tropicais fornecem para a produção de energia e a agricultura, e também porque eles enxergam um novo modelo de crescimento baseado no seu capital natural", afirma Glenn Prickett, vice-presidente da Conservation International e meu companheiro de viagem ao Brasil. "O Brasil desenvolveu a ciência, a vontade política e as regras e instituições básicas para a preservação das suas florestas tropicais. Entretanto, o que o Brasil e outros países dotados de florestas tropicais, como a Indonésia, não têm são as verbas necessárias para aplicar este novo modelo econômico em uma escala ampla".

Eu fiquei surpreso com a quantidade de blocos de construção do "capitalismo natural" que Waldez Goes - cujo Estado fica na foz do Rio Amazonas - está implementando, de forma que ele possa contar com uma economia baseada na preservação das floresta, e não na sua destruição. Waldez Goes está implementando os três "Pês" - criando áreas de florestas protegidas, aumentando a produtividade em terras que já foram desmatadas, de forma que os agricultores não necessitem de mais terras, e criando direitos de propriedade para as terras amazônicas, um setor no qual a situação atual é uma bagunça, que estimula as invasões de terras no estilo do faroeste e assusta os investidores interessados em agricultura sustentável.

Waldez Goes já protegeu 75% do território do seu Estado com a classificação de floresta e criou leis e uma faculdade técnica que fornece educação em extração sustentável de madeira, ecoturismo e desenvolvimento de produtos medicinais e cosméticos derivados de plantas da selva. Mas ele necessita de verbas para implementar e monitorar esses projetos em grande escala e provar que o "capitalismo natural" é capaz de produzir mais do que a versão extrativista do sistema capitalista.

"Sou filho de um seringueiro", explica ele. "Nasci e fui criado na selva, de forma que mesmo antes de me tornar político eu já tinha um forte vínculo com a natureza. O mundo está se deparando com essa rota de desenvolvimento incansável que provoca poluição, degradação ambiental e desmatamento", afirma o governador.

Ele e outros brasileiros desejam provar que é possível obter melhores resultados ao "integrar preservação e desenvolvimento".

As florestas tropicais representam cerca de 5% da superfície da Terra, mas elas abrigam 50% de todas as espécies vivas. A Conservation International tem um lema: "O que é perdido lá é sentido aqui". Se nós perdermos aquilo que restou da Amazônia, todos sentiremos os efeitos climáticos, a mudança do regime das chuvas e a perda da biodiversidade que enriquece o mundo. O Brasil parece estar pronto para fazer a sua parte. Mas nós estamos? E quanto a você, China?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Brazil takes off

Nov 12th 2009
From The Economist print edition

Now the risk for Latin America’s big success story is hubris


Rex Features

WHEN, back in 2003, economists at Goldman Sachs bracketed Brazil with Russia, India and China as the economies that would come to dominate the world, there was much sniping about the B in the BRIC acronym. Brazil? A country with a growth rate as skimpy as its swimsuits, prey to any financial crisis that was around, a place of chronic political instability, whose infinite capacity to squander its obvious potential was as legendary as its talent for football and carnivals, did not seem to belong with those emerging titans.

Now that scepticism looks misplaced. China may be leading the world economy out of recession but Brazil is also on a roll. It did not avoid the downturn, but was among the last in and the first out. Its economy is growing again at an annualised rate of 5%. It should pick up more speed over the next few years as big new deep-sea oilfields come on stream, and as Asian countries still hunger for food and minerals from Brazil’s vast and bountiful land. Forecasts vary, but sometime in the decade after 2014—rather sooner than Goldman Sachs envisaged—Brazil is likely to become the world’s fifth-largest economy, overtaking Britain and France. By 2025 São Paulo will be its fifth-wealthiest city, according to PwC, a consultancy.

And, in some ways, Brazil outclasses the other BRICs. Unlike China, it is a democracy. Unlike India, it has no insurgents, no ethnic and religious conflicts nor hostile neighbours. Unlike Russia, it exports more than oil and arms, and treats foreign investors with respect. Under the presidency of Luiz Inácio Lula da Silva, a former trade-union leader born in poverty, its government has moved to reduce the searing inequalities that have long disfigured it. Indeed, when it comes to smart social policy and boosting consumption at home, the developing world has much more to learn from Brazil than from China. In short, Brazil suddenly seems to have made an entrance onto the world stage. Its arrival was symbolically marked last month by the award of the 2016 Olympics to Rio de Janeiro; two years earlier, Brazil will host football’s World Cup.

At last, economic sense

In fact, Brazil’s emergence has been steady, not sudden. The first steps were taken in the 1990s when, having exhausted all other options, it settled on a sensible set of economic policies. Inflation was tamed, and spendthrift local and federal governments were required by law to rein in their debts. The Central Bank was granted autonomy, charged with keeping inflation low and ensuring that banks eschew the adventurism that has damaged Britain and America. The economy was thrown open to foreign trade and investment, and many state industries were privatised.

All this helped spawn a troupe of new and ambitious Brazilian multinationals (see our special report). Some are formerly state-owned companies that are flourishing as a result of being allowed to operate at arm’s length from the government. That goes for the national oil company, Petrobras, for Vale, a mining giant, and Embraer, an aircraft-maker. Others are private firms, like Gerdau, a steelmaker, or JBS, soon to be the world’s biggest meat producer. Below them stands a new cohort of nimble entrepreneurs, battle-hardened by that bad old past. Foreign investment is pouring in, attracted by a market boosted by falling poverty and a swelling lower-middle class. The country has established some strong political institutions. A free and vigorous press uncovers corruption—though there is plenty of it, and it mostly goes unpunished.

Just as it would be a mistake to underestimate the new Brazil, so it would be to gloss over its weaknesses. Some of these are depressingly familiar. Government spending is growing faster than the economy as a whole, but both private and public sectors still invest too little, planting a question-mark over those rosy growth forecasts. Too much public money is going on the wrong things. The federal government’s payroll has increased by 13% since September 2008. Social-security and pension spending rose by 7% over the same period although the population is relatively young. Despite recent improvements, education and infrastructure still lag behind China’s or South Korea’s (as a big power cut this week reminded Brazilians). In some parts of Brazil, violent crime is still rampant.

National champions and national handicaps

There are new problems on the horizon, just beyond those oil platforms offshore. The real has gained almost 50% against the dollar since early December. That boosts Brazilians’ living standards by making imports cheaper. But it makes life hard for exporters. The government last month imposed a tax on short-term capital inflows. But that is unlikely to stop the currency’s appreciation, especially once the oil starts pumping.

Lula’s instinctive response to this dilemma is industrial policy. The government will require oil-industry supplies—from pipes to ships—to be produced locally. It is bossing Vale into building a big new steelworks. It is true that public policy helped to create Brazil’s industrial base. But privatisation and openness whipped this into shape. Meanwhile, the government is doing nothing to dismantle many of the obstacles to doing business—notably the baroque rules on everything from paying taxes to employing people. Dilma Rousseff, Lula’s candidate in next October’s presidential election, insists that no reform of the archaic labour law is needed (see article).

And perhaps that is the biggest danger facing Brazil: hubris. Lula is right to say that his country deserves respect, just as he deserves much of the adulation he enjoys. But he has also been a lucky president, reaping the rewards of the commodity boom and operating from the solid platform for growth erected by his predecessor, Fernando Henrique Cardoso. Maintaining Brazil’s improved performance in a world suffering harder times means that Lula’s successor will have to tackle some of the problems that he has felt able to ignore. So the outcome of the election may determine the speed with which Brazil advances in the post-Lula era. Nevertheless, the country’s course seems to be set. Its take-off is all the more admirable because it has been achieved through reform and democratic consensus-building. If only China could say the same.

Caminhões, trens e árvores

The New York Times
Thomas L. Friedman
Na Floresta Nacional de Tapajós (Brasil)

Não importa quantas vezes você ouça a respeito, há algumas estatísticas que simplesmente impressionam. Uma que sempre me espanta é esta: imagine pegar todos os carros, caminhões, aviões, trens e navios no mundo e somar todas as suas emissões anuais.

A quantidade de dióxido de carbono, ou CO2, de todos os carros, caminhões, aviões, trens e navios emitida coletivamente na atmosfera é, na verdade, menor do que as emissões anuais de carbono que resultam do corte e desmatamento de florestas tropicais em lugares como o Brasil, Indonésia e Congo. Nós estamos atualmente perdendo todo ano uma floresta tropical do tamanho do Estado de Nova York e o carbono que isso lança na atmosfera agora representa aproximadamente 17% de todas as emissões globais que contribuem para a mudança climática.

Vai demorar muito até transformarmos toda a frota de transporte do mundo para que se torne livre de emissões. Mas no momento - tipo amanhã - nós poderíamos eliminar 17% de todas as emissões globais se pudéssemos suspender o corte e queima das florestas tropicais. Mas, para isso, é necessária a implantação de todo um novo sistema de desenvolvimento econômico - um que torne mais lucrativo para os países mais pobres, ricos em florestas, preservar e administrar suas árvores, em vez de cortá-las para fabricação de móveis ou plantar soja.

Sem um novo sistema de desenvolvimento econômico nos trópicos ricos em madeira, é possível dizer adeus às florestas tropicais. O velho modelo de crescimento econômico as devorará. A única Amazônia que seus netos conhecerão será a Amazon, a loja pontocom.

Para melhor entender esta questão, eu estou visitando a Floresta Nacional de Tapajós, no coração da Amazônia brasileira, em uma viagem organizada pela Conservação Internacional e pelo governo brasileiro. Voando aqui em um bimotor que decolou de Manaus, é possível entender porque a floresta Amazônica é considerada um dos pulmões do mundo. Mesmo a 6 mil metros de altitude, para toda direção em que se olhe se encontra uma vastidão contínua de copas de árvores que, do ar, parece um vasto e interminável carpete de brócolis.

Assim que pousamos, nós dirigimos de Santarém até Tapajós, onde nos encontramos com uma cooperativa comunitária que administra os negócios bons para o meio ambiente que sustentam 8 mil pessoas que vivem nesta floresta protegida. O que você aprende quando visita uma minúscula comunidade brasileira que de fato vive na e da floresta é uma verdade simples, mas crucial: para salvar um ecossistema da natureza, é preciso um ecossistema de mercados e governança.

"É preciso um novo modelo de desenvolvimento econômico - um baseado na elevação dos padrões de vida das pessoas pela manutenção de seu capital natural, não apenas convertendo esse capital natural em agropecuária industrial ou extração de madeira", disse José Maria Silva, vice-presidente para a América do Sul da Conservação Internacional.

No momento, as pessoas que protegem a floresta tropical recebem uma ninharia - em comparação à aqueles que a destroem - apesar de agora sabermos que a floresta tropical fornece de tudo, desde a remoção de CO2 da atmosfera até a manutenção do fluxo de água doce aos rios.

A boa notícia é que o Brasil implantou todos os elementos de um sistema para compensar os moradores da floresta pela sua manutenção. O Brasil já separa 43% da Amazônia para conservação e para os povos indígenas. Outros 19%, da Amazônia, entretanto, já foram desmatados por agricultores e pecuaristas.

Logo, a grande pergunta é o que acontecerá com os outros 38%. Quanto mais fizermos o sistema brasileiro funcionar, mais desses 38% serão preservados e menos reduções de carbono o mundo todo teria que fazer. Mas isso exige dinheiro.

Os moradores da reserva de Tapajós já são organizados em cooperativas que vendem ecoturismo por trilhas na floresta, móveis e outros produtos feitos de madeira extraída de forma seletiva e sustentável e uma linha muito atraente de bolsas feitas de "couro ecológico", isto é, borracha da floresta. Elas também recebem subsídios do governo.

Sérgio Pimentel, 48 anos, explicou para mim que costumava plantar cerca de 2 hectares de terra para subsistência, mas agora usa apenas 4 mil metros quadrados para sustentar sua família de seis. O restante da renda vem dos negócios da cooperativa. "Nós nascemos dentro da floresta", ele acrescentou. "Logo, nós sabemos da importância dela ser preservada, mas precisamos de melhor acesso aos mercados globais para os produtos que fazemos aqui. Você pode nos ajudar com isso?"

Há cooperativas comunitárias como esta por todas as áreas protegidas da floresta Amazônica. Mas este sistema precisa de dinheiro -dinheiro para expansão para mais mercados, dinheiro para manutenção da vigilância e fiscalização policial e dinheiro para melhorar a produtividade da atividade agropecuária em terras já degradadas, para que as pessoas não desmatem mais floresta. Este é o motivo para precisarmos assegurar que, qualquer que seja o projeto de lei de energia e clima que saia do Congresso americano, qualquer que seja a estrutura que saia da conferência de Copenhague, no próximo mês, ela inclua medidas para financiamento de sistemas de preservação da floresta tropical como esses no Brasil. Os últimos 38% da Amazônia ainda estão em jogo. Eles estão lá para salvarmos. Seus netos agradecerão.

domingo, 8 de novembro de 2009

'Obama é o presidente da renovação ou será o Gorbachev americano?', pergunta demógrafo que previu o fim do comunismo

Haroldo Ceravolo Sereza
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Em 1976, um demógrafo francês, após analisar dados sobre a população soviética, publicou seus estudos com um título ousado: "A Queda Final - Ensaio sobre a Decomposição da Esfera Soviética" ("La Chute Finale - Essai Sur La Décomposition de la Sphère Soviétique").

Antes que Ronald Reagan chegasse ao governo dos Estados Unidos, antes que a Igreja Católica escolhesse um papa polonês e muito antes que as palavras "Glasnost" e "Perestroika" fossem popularizadas no Ocidente pelo secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev, Emmanuel Todd previu que problemas estruturais estavam minando de forma definitiva o poder do PC.

Um dos dados que mais chamaram a atenção de Todd foi a supressão, nas estatísticas oficiais, de dados relacionados à mortalidade infantil. Isso indicava que elas deviam estar subindo. Essa e outras informações oficiais indicavam que o planejamento econômico centralizado no modelo stalinista estava em crise.

Treze anos depois, as previsões começaram a se confirmar.

"A Rússia saiu de forma muito elegante do comunismo, sem muito sofrimento, sem grande derramamento de sangue, quase nenhum. A história real é cheia de paradoxos, não é a história dos sistemas ou das ideias puras. A verdade é que quem venceu o nazismo foram os russos. O grande paradoxo da história é que o sistema stalinista contribuiu largamente para salvar a humanidade", disse Todd, em entrevista ao UOL Notícias.

Na combinação de estatística e geopolítica, Todd foi além. Passou a defender que também o sistema imperial norte-americano vivia uma crise, e o mundo, depois da bipolaridade da Guerra Fria e da tendência unipolar dos anos 1990, conheceria o poder multipolar. É a tese central do seu livro "Depois do Império: a Decomposição do Sistema Americano" (Record, 2003).

Sobre o governo norte-americano de Barack Obama, ele faz uma ligação com a crise do sistema soviético: "Será que Obama é o presidente da renovação ou será o Gorbachev americano? Quando vemos a massa de problemas não resolvidos, volta do desemprego, guerra do Afeganistão... Há, no entanto, uma última força para os EUA. É que o mundo tem medo do vazio."

Para Todd, as estruturas familiares ajudam a explicar porque o sistema soviético ruiu enquanto o Partido Comunista chinês sobreviveu, apesar de até hoje a China manter fortes traços da organização stalinista.

"Se pensarmos que na China há 1,3 bilhão de pessoas hoje, e que na Rússia há 140 milhões, vamos perceber que, do ponto de vista populacional, a maior parte do comunismo sobreviveu", diz ele. Na sua opinião, o sistema familiar chinês, mais autoritário que o russo, ajudou o PC chinês a ter condições de comandar uma aproximação controlada com a economia capitalista.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

LOUCURAS COMPLEMENTARES
"O sistema ultraliberal é uma espécie de loucura complementar do comunismo. O comunismo é a ideia maluca de que a coletividade é tudo, e o ultraliberalismo é a ideia maluca de que o indivíduo é tudo. Numa sociedade normal, é preciso considerar que há o indivíduo e a coletividade."

SISTEMA REGULADOR
"A União Soviética se tornou uma espécie de sistema regulador do capitalismo. Isso quer dizer que, na época do comunismo, a classe dirigente do mundo ocidental era obrigada a levar em conta os interesses da sua população, dos operários. A queda do comunismo colocou os países ocidentais numa situação de desequilíbrio, numa corrida desesperada pelo dinheiro."

GLOBALIZAÇÃO E ALFABETIZAÇÃO
"O sistema político e as organizações econômicas são a superfície das coisas. Quando as pessoas pensam na globalização, elas pensam em comércio mundial, livre comércio e, eventualmente, difusão de valores políticos. Para mim, a globalização é outra coisa, é a elevação do nível educativo em todo o planeta. Na época do capitalismo e do comunismo triunfantes, na primeira metade do século 20, a Europa, os Estados Unidos e o Japão eram alfabetizados. O que se passou após a Segunda Guerra Mundial foi um enorme desenvolvimento, com a aceleração da alfabetização das populações. Mas nas novas gerações, mais da metade das pessoas sabe ler, mais que isso em certos casos. Em 2030, a totalidade do planeta será alfabetizada.

E é a alfabetização que 'ativa' as populações. Ativa nos planos ideológico, político e, sobretudo, no plano econômico. O conjunto do planeta está se desenvolvendo, por isso há a emergência de países como a China. A China é importante porque ela desequilibra as economias ocidentais, mas agora há o Brasil, a Índia, os novos grandes atores. E, ligada a essa decolagem, há a elevação do nível educativo, em populações que estão ainda em crescimento. Portanto, a ideia de um mundo unipolar, a ideia de que os Estados Unidos, com seus 300, 310 milhões de habitantes, vão controlar um planeta alfabetizado com 6 bilhões de habitantes é absurda."

CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES
"Eu escrevi um livro para rebater essa tese (a do choque de civilizações, de Samuel Huntington), chamado "Le Rendez-Vous des civilizations" (O Encontro das Civilizações), com meu amigo Youssef Courbage, um demógrafo especializado no mundo muçulmano. Não penso que haverá um choque de civilizações. Acho, ao contrário, que tendemos para uma convergência razoável, o que não significa, claro, a uniformidade.

O choque de civilizações, entre o mundo cristão e o muçulmano, é uma bobagem, uma idiotice. Eu acho que os antagonismos vêm do fato não apenas de que os países estão em momentos diferentes de desenvolvimento econômico, mas que não estão no mesmo momento histórico. Se você compara cada país em relação aos outros países, você tem uma espécie de 'tempo real' histórico. A China, agora, por exemplo, está completamente alfabetizada, exceto pelos mais velhos. Está agora em termos de alfabetização onde estava a Europa Ocidental no final do século 19. O crescimento chinês, a violência das relações sociais na China, o nacionalismo, tudo o que encontrávamos na Europa do século 19. Há um conflito, em princípio, mas é um conflito que nasce de uma distância histórica."

RÚSSIA HOJE
"A Rússia continua sendo um ator muito importante. Um dos pecados do Ocidente é tratar mal a Rússia após o fim do comunismo. Os russos saíram com muita elegância de uma situação imperial, saíram de uma república popular, deixaram sair de um regime federativo as repúblicas balcânicas, passaram para um regime que não é uma democracia perfeita, há um controle da informação etc., mas, se comparamos o estado de liberdade da Rússia hoje com a da época do comunismo, é claro que avançaram numa boa direção.

A sensação que eu tenho é que os EUA queriam explodir a Rússia, e os jornalistas ocidentais hoje criticam mais a Rússia do que na época em que ela era totalitária. Um jornal com o "Le Monde", por exemplo, quando eu trabalhava nas páginas de cultura, nos anos 1970, era bastante polido com a Rússia. Quando fazíamos um artigo desagradável em relação ao comunismo, éramos interpelados pela direção. Agora que o comunismo acabou e que há eleições na Rússia, o mundo não para de insultá-la."

AMÉRICA À BEIRA DA LOUCURA
No período recente, nos vivemos uma situação estranha também. É para mim muito claro que, na época de [George W.] Bush, a América (Estados Unidos) ficou à beira da loucura. E isso começou a acontecer quando ela acreditou que a Rússia tinha afundado completamente, por volta de 1996, 1997, ainda na segunda administração de Bill Clinton.

Para quem se preocupa com a relação de forças, não tanto com a natureza do sistema político, há uma potência que permite o equilíbrio da potência nuclear estratégica norte-americana, que é a Rússia. Enquanto existir a Rússia, a América não pode fazer só que o lhe importa. A Rússia continua a ser o único país que pode fazer face ao poder nuclear norte-americano, portanto nós não saímos do equilíbrio anterior. Se a Rússia tivesse afundado completamente, não haveria uma outra potência de equilíbrio."

EUA IMPOTENTES, RÚSSIA MAIS FRACA?
"Eu tenho um livro, 'Depois do Império', em que eu profetizo o declínio dos Estados Unidos. E tem um capítulo sobre um retorno da Rússia. No momento, estamos tomando consciência de que a América não domina o mundo. Primeiro, tomamos consciência disto no Iraque e no Afeganistão. Mas acho que o ponto de virada dessa percepção ocorreu quando a Rússia invadiu a Geórgia e os Estados Unidos foram incapazes de reagir. O que foi impressionante foi a impotência completa dos Estados Unidos, que não conseguiu apoiar um aliado.

A Rússia se mostrou muito importante em todo esse período intermediário. Mas, para o futuro, sua fraqueza demográfica é tal - taxa de mortalidade alta, taxa de nascimento baixa, perda de centena de milhares de habitantes por ano - que ela pode deixar de ser uma potência importante."

IRAQUE
"A situação está estabilizada porque os Estados Unidos fizeram vários acordos com diferentes grupos e não controlam mais nada. De fato, o que vai se passar no Iraque quando os americanos se retirarem nós não sabemos. O que restará da Guerra do Iraque para os Estados Unidos é que ela foi uma verdadeira abominação humana. Uma guerra de agressão. Quando contabilizarmos todos os mortos que ela provocou por nada, bloqueando o desenvolvimento normal do Iraque...

Cada país conhece um certo número de 'más-ações' em sua história. Para a França, foi a Guerra da Argélia. Para os Estados Unidos, a bomba atômica de Hiroshima, o Iraque..."

AFEGANISTÃO
"O Afeganistão será a guerra que eles irão perder. É uma guerra perdida, uma catástrofe que se desenvolve. A grande questão para os historiadores será entender por que os dois grandes impérios, o império soviético e o império americano, decidiram morrer militarmente no Afeganistão.

Há algo de surpreendente. Não sou crente, mas se tivesse alguma crença, eu veria nas duas guerras do Afeganistão uma espécie de maldição divina. Uma região do mundo totalmente desprovida de interesse: é um problema para os metafísicos, para os moralistas, não para os especialistas em geopolítica."

UNIÃO EUROPEIA
"O papel da União Europeia, hoje, é nulo. Os dirigentes europeus não têm papel nenhum. Eu trabalho no Instituto Nacional de Estudos Demográficos, sou portanto muito sensível às questões da população. Por muito tempo, foi dito que o envelhecimento da população europeia, resultado da baixa taxa de fecundidade, era um problema. Quem elegeu Nicolas Sarkozy (presidente francês) foram os velhos. Eles são cada vez mais numerosos, e deixam que a globalização e o livre-mercado provoquem um empobrecimento da juventude.

Há, claro, outros fatores para a Europa, mas eu sou cada vez mais sensível à questão do envelhecimento da população deste continente. Nas últimas eleições europeias, a direita venceu, e isso é resultado do envelhecimento. Não ocorre, claro, com todo mundo, mas há uma tendência de os mais velhos votarem na direita, é uma regularidade das análises eleitorais."

EUROPA, SUBPOTÊNCIA
"A Europa hoje é o principal massa industrial do planeta. Não são os Estados Unidos, está longe de ser a China. O centro de gravidade industrial do mundo é a Europa, com seu coração na Alemanha. Europa é, do ponto objetivo, no entanto, uma subpotência.

Nós estamos em um momento de hesitação, porque as pessoas acham que a crise mundial terminou. Não acredito. O que aconteceu foi que os Estados Unidos e a Europa conseguiram relançar a economia chinesa. A crise não terminou e nesse momento, talvez os europeus percebam que têm os instrumentos para comandar o mundo. O caso da Europa, no entanto, é impressionante, porque é o caso de uma potência objetiva e de uma subpotência subjetiva."

OBAMA
"Para mim, a questão que resta é se a dinâmica dos clãs norte-americanos, a fraqueza do dólar, as dificuldades para se livrar da atual conjuntura... Será que Obama é o presidente da renovação ou Obama será o Gorbachev americano? Quando vemos a massa de problemas não resolvidos, volta do desemprego, guerra do Afeganistão... Há, no entanto, uma última força para os Estados Unidos. É que o mundo tem medo do vazio. O sistema de dominação ou de liderança não existe somente porque há relações de força, ele existe também porque as pessoas aprovam a ideia de uma necessidade de liderança."

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Last chance in Kabul

Nov 5th 2009
From The Economist print edition

The election was a disaster. Hamid Karzai must reform quickly if he wants to save his country, and himself


AP

THE election is over and it was a charade. A fortnight ago, Western leaders pushed Hamid Karzai, Afghanistan’s president, into a second round of voting to wash out the stain of wholesale fraud (1m-odd votes, most in Mr Karzai’s favour were declared invalid). Now Barack Obama and others have rushed to congratulate Mr Karzai on winning another five years. Never mind that he was unchallenged because his rival, Abdullah Abdullah, withdrew, complaining that officials who oversaw the cheating had not been sacked. Never mind that those same Afghan officials quickly ruled Mr Karzai the winner, despite doubts about the legal process (see article).

Many in Afghanistan were relieved to be spared a second poll in the face of Taliban threats, voter indifference and the approaching winter. Westerners coping with the crisis were also relieved that they had averted, for now, street protests by Dr Abdullah’s supporters, which would have risked political violence and open Pushtun-Tajik rivalry.

But that is small comfort. The election has been a debacle for both Afghanistan and the West. It cost $300m, but it has deepened the country’s crisis. Since the vote, more than 170 NATO soldiers have been killed. Ever more Westerners understandably ask why their compatriots must keep dying to prop up the inept and corrupt Mr Karzai. Opinion in Britain is souring fast. This week five soldiers killed by an Afghan policeman added to the country’s heavy casualties.

Afghans, too, are losing faith in the West. The American military commander in Kabul, General Stanley McChrystal, has asked for a big reinforcement—rumoured to be about 40,000 extra troops, which would make NATO’s deployment bigger than the Soviet Union’s ill-fated one—to “gain the initiative and reverse insurgent momentum”. He says that without more Western troops and massively larger Afghan forces, more Afghans could throw in their lot with the Taliban. If so, the West will fail. His counter-insurgency plan seeks to protect the Afghan population and win its allegiance to a legitimate Afghan government. That is why this election has been so damaging: Mr Karzai’s legitimacy is what has suffered most.

Mr Karzai has a way of ignoring his Western protectors. But he should not think that he is safe for the next five years, or that America needs him more than he needs it. Mr Obama must soon make his decision, put off for the past two months, on whether to heed General McChrystal’s call for more troops, and stake his presidency on the Afghan war. Those, including this newspaper, who have advocated a big surge are finding it harder to sustain the case. Many in Mr Obama’s entourage think it is time to give up on Afghanistan; if that happens, Mr Karzai will not survive in power.

What Karzai must do

One would hope that Mr Obama made this threat explicit in his private telephone call to Mr Karzai where he offered those mistaken congratulations. This week Mr Karzai promised to remove the “stigma” of corruption and form an inclusive government that will be a “mirror of Afghanistan”. He even urged “our Taliban brothers to come home”.

These are fine words but it is deeds that count. Mr Karzai must appoint competent ministers and replace the sycophants in his palace; he should prosecute corrupt officials; he should move his brother, Ahmad Wali, accused of being both a drugs lord and in the pay of the CIA, away from his power-base in Kandahar; and he should boost programmes to woo Taliban fighters. Above all he should launch a reform of the constitution, devolving some of his over-centralised powers to parliament, and to provincial and district governors. Best of all would be to entrust that task to his rival, Dr Abdullah.

Is that a vain hope? Mr Karzai may yet be able to regain his authority, as most Afghans will care more about what he does with power than about how he got it. Now in his second and final term in the Arg, the fortress that was home to Afghan kings, Mr Karzai must choose his place in history. If he reforms boldly, he may yet be remembered as the father of post-Taliban Afghanistan, a modern-day Abdur Rahman, the 19th-century British-backed emir who united the country. But if he sticks to his old ways, Mr Karzai could become another Najibullah—the last Communist president who, abandoned by Moscow, was strung up in 1996 from a Kabul lamppost.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

sábado, 31 de outubro de 2009

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

domingo, 25 de outubro de 2009

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

ONU vê violações a direitos de palestinos, coreanos e birmaneses

Por Michelle Nichols

NAÇÕES UNIDAS (Reuters) - As violações aos direitos humanos em Mianmar são alarmantes, os norte-coreanos estão passando fome e vivendo sob constante medo, e os palestinos sofrem em meio às tensões do Oriente Médio, disseram relatores especiais da ONU na quinta-feira.

Os especialistas apontados pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em Genebra, descreveram as condições dos habitantes em cada país numa reunião com os 192 Estados membros.

O relator para Mianmar, Tomas Ojea Quintana, pôde visitar duas vezes o país asiático governado por militares, enquanto o regime comunista norte-coreano proibiu o acesso do enviado Vitit Muntarbhonr, e Richard Falk foi impedido por Israel de entrar nos territórios palestinos.

"A situação dos direitos humanos em Mianmar continua alarmante. Há um padrão de violações disseminadas e sistemáticas, que em muitas áreas de conflito resultam em sérios abusos à integridade e aos direitos civis", disse Quintana. "A impunidade prevalecente permite a continuação das violações".

Ele também criticou a junta militar por manter a líder oposicionista Aung San Suu Kyi sob prisão domiciliar. Autoridades ocidentais temem que ela continue detida até a eleição presidencial do ano que vem, de modo que não possa concorrer.

Um representante de Mianmar, identificado por funcionários da ONU como Thaung Tun, descreveu o relatório de Quintana como menos do que objetivo, dizendo que grupos insurgentes e antigoverno encontraram um "ouvido solidário", e que todas as acusações feitas "deveriam ser tomadas com um grão de sal" (ou seja, com desconfiança).

Ele prometeu que as eleições planejadas para 2010 serão "livres e justas".

Durante a reunião, Mianmar também repreendeu os Estados Unidos e a Grã-Bretanha por se referirem ao país por seu antigo nome, Birmânia, enquanto a Coreia do Norte se queixou do fato de os EUA não chamarem o país pela sigla RDPC (de República Democrática Popular da Coreia).

"REPRESSÃO DISSEMINADA"

Sobre a Coreia do Norte, Muntabhorn disse que a situação da ajuda alimentar ao país asiático é desesperadora, pois o Programa Mundial de Alimentos da ONU só consegue alimentar cerca de um terço dos necessitados. Ele disse que a tortura é amplamente praticada, e descreveu as prisões como um purgatório.

"As liberdades associadas aos direitos humanos e à democracia, como a liberdade de escolher o próprio governo, a liberdade de reunião, a liberdade de expressão (...), a privacidade e a liberdade de culto são violadas diariamente pela natureza e as práticas do regime no poder", afirmou.

"A repressão disseminada imposta pelas autoridades faz com que as pessoas vivam em constante medo e sejam pressionadas a se delatar mutuamente", afirmou. "O Estado pratica uma vigilância extensiva sobre seus habitantes".

Pak Tok Hun, embaixador-adjunto da Coreia do Norte na ONU, rejeitou o relatório e disse que o país, que também tem atraído condenação internacional por seus testes nucleares e de mísseis, está sendo "apontado devido a propósitos políticos sinistros".

O relatório de Falk sobre os territórios palestinos abordou as preocupações com os direitos humanos relativas a questões como a guerra de dezembro e janeiro entre o grupo islâmico Hamas e Israel na Faixa de Gaza, e também a construção por Israel de uma barreira em torno da Cisjordânia e de novos projetos habitacionais em assentamentos no território ocupado.

Ele afirmou que, por causa do bloqueio israelense à Faixa de Gaza, "necessidades básicas insuficientes estão atingindo a população".

Falk também criticou a "não-cooperação ilegal" de Israel, que o impediu de visitar os territórios palestinos. Israel não se pronunciou sobre o relatório na reunião.

domingo, 4 de outubro de 2009

Os obstáculos para uma ação militar israelense contra o território iraniano

por Gustavo Chacra

A chegada de uma coalizão direitista ao poder em Israel e a radicalização do discurso do Irã, além de um suposto avanço no seu programa nuclear, fizeram muitos analistas deixarem de questionar sobre "se" os israelenses atacariam instalações iranianas, para passarem a discutir "quando" essa operação ocorreria. Nas últimas duas semanas, esse cenário se atenuou. Apesar de ainda estar na mesa, um ataque preventivo não é iminente nem inevitável.

Retórica de Obama
Dois fatores contribuíram para a possibilidade de uma ação militar, por enquanto, estar descartada. Primeiro, Barack Obama endureceu a retórica contra Teerã, deixando claro que não tolerará a falta de cooperação nas inspeções de instalações nucleares suspeitas de ser usadas para a fabricação de uma bomba atômica - o Irã insiste que os fins de seu programa são civis. Esta atitude repercutiu bem em Israel, onde o presidente dos EUA era visto como fraco na questão iraniana por tentar forçar a via diplomática.

Reunião em Genebra

Em segundo lugar, as negociações em Genebra entre o sexteto - composto pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha -, que poucos previam que alcançariam algum resultado, foram consideradas "construtivas" por todos os participantes. O Irã concordou em permitir inspeções de uma usina nuclear clandestina e propôs enviar urânio para ser enriquecido em um outro país - provavelmente a Rússia.

Israel mais calmo, mas com cautela

Em Israel, o novo contexto foi bem recebido, apesar da cautela. "Não há necessidade de atacar ninguém", afirmou o ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, um dos mais radicais da coalizão governista. O ministro da Defesa, Ehud Barak, acrescentou que o risco para Israel "não é existencial". Um contraste com o discurso do premiê Binyamin Netanyahu na Assembleia-Geral da ONU uma semana antes, quando ele perguntou se "a comunidade internacional não impediria o regime terrorista de Teerã de desenvolver armas de destruição em massa".

Bomba estaria distante

De acordo com a consultoria de risco político Stratfor, apesar do discurso duro, israelenses sabem que a possibilidade de o regime de Teerã produzir uma bomba ainda está distante. "Mas, ainda que no longo prazo, uma arma nuclear nas mãos dos iranianos representa um perigo mortal para Israel e, consequentemente, os israelenses usariam a força militar caso a diplomacia fracasse." Depois da série de encontros envolvendo Netanyahu e Obama, os israelenses receberam garantias de que, caso as iniciativas diplomáticas não surtissem efeitos, os EUA intensificariam as sanções contra o Irã.

Mas ataque ainda não está descartado

No limite, se tudo fracassar, Israel pode lançar uma ofensiva. "E isso é o que tende a acontecer", segundo Gary Gambill, do Middle East Monitor. Esta linha de pensamento considera inevitável que uma hora o Irã terá uma bomba. Outros, como Stephen Walt, da Universidade Harvard, e Gary Sick, da Universidade Columbia, apostam que os iranianos apenas alcançarão a capacidade de produzir a bomba, sem fabricá-la, sendo inútil um ataque de Israel, que não conseguiria eliminar o conhecimento. Bruce Bueno de Mesquita, especialista em teoria dos jogos aplicada às relações internacionais, montou um modelo para prever o que ocorrerá com o Irã e concluiu: o Irã dominará toda a capacidade de desenvolver uma bomba atômica, mas não a produzirá.

Alvos não são fáceis como na Síria e no Iraque

Apesar de o debate ter voltado a ser sobre o "se", e não "quando", estrategistas frisam que uma ação israelenses contra o Irã não seria tão simples quanto a realizada contra o reator de Osirak, em 1982, no Iraque, ou contra uma misteriosa instalação na Síria, há dois anos.

Primeiro, nos casos anteriores, havia apenas um alvo em cada país. Agora, no Irã, os objetivos estão espalhados por vários pontos. Em análise no Wall Street Journal, Anthony Cordesman, do Centro para Estudos Estratégicos Internacionais, afirma que Israel teria como foco a usina nuclear de Natanz, onde há milhares de centrífugas para enriquecimento de urânio, e os reatores de Arak e Bushehr. Essas instalações estão a 2 mil quilômetros dos outros alvos de Israel e a logística não seria simples, com necessidade de reabastecimento no ar.

Israel teria que sobrevoar Iraque, Turquia ou Arábia Saudita

Os aviões israelenses também teriam obstáculos nas três vias aéreas para chegar ao Irã. Poderiam cruzar pela Síria e, posteriormente, optar por sobrevoar a Turquia ou o Iraque. Os turcos provavelmente diriam não. No caso iraquiano, poderia haver o veto americano. Outra opção seria descer pelo sul, via mar Vermelho, atravessar pela Arábia Saudita e o Golfo Pérsico. Os sauditas não têm interesse em um Irã nuclear. Mas dificilmente, por serem a terra sagrada do islã, poderiam tolerar a violação de seu espaço aéreo por Israel, com quem não mantêm relações.

Irã poderia fechar Estreito de Ormuz
A Stratfor cita outras consequências na resposta iraniana. Além de poder usar o Hezbollah, no sul do Líbano, para alvejar Israel, o Irã poderia envolver os EUA indiretamente por meio do fechamento do Estreito de Ormuz, por onde passa 40% da produção mundial de petróleo. Com os preços do barril disparando, os americanos teriam de agir contra a Marinha iraniana para conseguir liberar o fluxo de cargueiros.

Imagem israelense seria afetada

Por último, autoridades de Israel temem o reflexo dessa ação na sua imagem no exterior. No conflito em Gaza, em janeiro, e no Líbano, em 2006, o país teve inicialmente suporte internacional, mas com o início da ofensiva, na avaliação de Israel, eles foram vistos como o lado responsável pela eclosão do conflito, e não como uma reação a provocações dos grupos libanês Hezbollah e do palestino Hamas.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A história da bomba atômica no Irã

por Gustavo Chacra

Os primeiros inimigos

O Irã possuía três inimigos em suas fronteiras. De um lado, o Taleban, que governava o Afeganistão, e a Al Qaeda, a quem os afegãos concediam abrigo. Do outro, estava Saddam Hussein, no Iraque. Este cenário durou até ocorrer o 11 de Setembro e os Estados Unidos ajudarem indiretamente o Irã ao derrubar do poder seus rivais. Melhor, colocou no lugar administrações simpáticas a Teerã, com Hamid Karzai, no Afeganistão, e uma coalizão controlada por xiitas, no Iraque.

A Al Qaeda é inimiga do Irã por questões religiosas. Sunita, a rede terrorista considera os xiitas infiéis. O regime de Teerã, assim como a maioria dos iranianos, seguem a corrente xiita, e, por sua vez, consideram os sunitas infiéis. O Taleban também é sunita, se encaixando no mesmo perfil da Al Qaeda. Some-se à questão religiosa as disputas territoriais que quase levaram afegãos e iranianos a uma guerra no fim dos anos 1990. Para completar, os pashtus compõe a maior parte do Taleban, enquanto o Irã concede apoio a etnias mais fracas.

Saddam Hussein travou uma guerra de dez anos com o Irã nos anos 1980. Foi o mais sangrento conflito do século 20 no Oriente Médio, matando bem mais pessoas do que todas as disputas entre árabes e israelenses. Nesta guerra, os iranianos introduziram a prática dos atentados suicidas justamente contra soldados iraquianos. Antes disso, um muçulmano xiita jamais havia se matado. Os sunitas demorariam um pouco mais.

Irã e Iraque possuíam disputas territoriais. A questão religiosa não teve tanta importância. Por mais que tenha combatido xiiitas nos anos 1990 e tenha nascido sunita, Saddam não tinha religião. Seu vice, Tariq Aziz, era cristão caldeu. O problema com o Irã era territorial e o expansionismo do líder iraquiano. Foi uma guerra nacionalistas. Aliás, xiitas iraquianos, no Exército de Saddam, combateram xiitas iranianos. Afinal, eles são árabes, não persas.

O expansionismo e as ameaças externas

Sem o Taleban e Saddam, o Irã se sentiu mais livre, podendo levar adiante sonhos expansionistas para o Oriente Médio. O regime de Teerã intensificou seu apoio ao grupo xiita libanês Hezbollah, concedeu apoio a organizações xiitas no Iraque e, nas áreas palestinas, se uniu ao Hamas, que, mesmo sunita, viu em Teerã um aliado forte para se livrar do isolamento imposto pelos países árabes e Israel. Também formou uma forte aliança com a Síria, uma ditadura secular, mas, de certa forma, sob o controle político de uma elite alauíta e econômico dos sunitas.

Ao mesmo tempo que isso ocorria, o Irã se sentia ameaçado pelos Estados Unidos. Em 2003, a Guerra no Iraque era um sucesso e no Afeganistão também. A administração de George W. Bush advertia que os iranianos poderiam ser os próximos. Em 2005, foi eleito o radical Mahmoud Ahmadinejad para presidente. Ele pode não ter todo o poder do Irã, onde quem comanda é o líder supremo, Ali Khamanei. Mas seu discurso assustou Israel. Logo, os israelenses começaram a se sentir ameaçados e, consequentemente, passaram a cogitar um ataque contra o Irã.

Com a possibilidade de ser atacado tanto por Israel e pelos EUA, o normal seria o Irã buscar uma bomba atômica. O regime de Teerã sabe que o armamento serve para conter os adversários. Os EUA nunca se meteram com o Paquistão, China e relutam em fazer algo contra a Coréia do Norte porque eles possuem armas nucleares. A arma, neste caso, não serviria para atacar. Por mais radical que seja o regime em Teerã, não há lógica em bombardear Tel Aviv ou Haifa. Em minutos, os americanos e os israelenses varreriam todas as cidades iranianas com mais de 50 mil habitantes do mapa. Sem falar que, no ataque às cidades israelenses, milhares de palestinos seriam mortos também.

O Tratado de Não Proliferação

Mas, mesmo que seja apenas para defesa, o Irã não pode ter estas armas por ser signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, ficando sujeito a leis internacionais. Precisa colaborar com a Agência Internacional de Energia Atômica. A decisão de integrar o tratado foi de Teerã. Ninguém os obrigou. Outros países não assinaram justamente por se sentirem ameaçados.

Israel, por exemplo, esteve envolvido em quatro guerras contra seus vizinhos, sem falar em conflitos contra grupos palestinos e libaneses. Com sua existência ameaçada, optou por desenvolver armas nucleares, garantindo assim a sua segurança, em vez de assinar o tratado. Oficialmente, os israelenses não negam e tampouco confirmam possuírem armas. A Índia e o Paquistão são inimigos. Como um se sente ameaçado pelo outro, levaram adiante uma corrida armamentista. Hoje, os dois tem armas nucleares e não são signatários.

Os indícios

Não dá para dizer com certeza se o Irã está em busca de armas nucleares. Mas há indícios, como uma usina pequena demais para fins civis, os obstáculos impostos às ações da AIEA, a falta de necessidade de energia nuclear em um país com petróleo abundante, os recentes testes com mísseis de médio alcance. Além disso, entra toda a lógica realista acima.

Pode ser que todos estejam errados, como foi o caso do Iraque de Saddam, onde também existiam indícios. Neste caso, o Irã estaria blefando para se mostrar forte, ao colocar todos estes obstáculos. Fica difícil saber.

Por enquanto, a tática do Ocidente é tentar dialogar. Se não funcionar, endurecer as sanções. Um risco de uma ação dos EUA é nula com Barack Obama no poder. Mas os americanos usam as ameaças de ataque preventivo de Israel como barganha na hora de falar com Teerã. Amanhã, vamos ver o que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha decidem em discussões com os iranianos em Genebra.

Os riscos

Antes de terminar, apenas para ficar claro, o Ocidente não quer que o Irã possua a bomba atômica porque 1) poderia haver uma corrida armamentista na região, com a Turquia e os países árabes buscando a bomba 2) o Irã poderia conceder uma bomba suja para grupos como o Hezbollah 3) os EUA não querem um país inimigo com o armamento 4) o regime de Teerã não é considerado confiável 5) Ameaçado, Israel poderia levar adiante um ataque preventivo e, em uma espiral, haver uma guerra regional em uma das regiões mais estratégicas do mundo.


quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Os passos de Obama diante do conflito árabe-israelense

El País
Miguel Ángel Bastenier

O presidente americano, Barack Obama, deu uma virada radical na forma de ver o mundo de seu antecessor, George W. Bush, mas ainda não completou nenhum dos novos percursos que planejou. Não instalará os mísseis na Europa que preocupavam a Rússia; mas em troca negociará com o Irã a partir de 1º de outubro; deu uma volta no discurso pró-israelense no Oriente Médio; suprimiu as limitações econômicas mais severas do embargo a Cuba; prometeu um rascunho e nova conta sobre a mudança climática; concordou que no Iraque não haja tropas de combate americanas no final de 2011; balbuciou com alguma convicção que no Afeganistão é preciso negociar além de combater, e está lutando para que nos EUA se estabeleça algum tipo de previdência social.

  • O presidente dos EUA, Barack Obama, observa o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o presidente palestino Mahmoud Abbas apertarem as mãos em Nova York

Mas, mesmo que sua presidência se defina por este último capítulo, no contexto da crise econômica mundial, é na frente externa que se acumulam os problemas ainda em fase de boa esperança. A tática de Obama consiste em enfrentar de saída os problemas de transcurso, ao mesmo tempo que escolhe a casa central do tabuleiro para projetar seu grande salto à frente; exatamente o contrário do que fez Henry Kissinger com sua estratégia de pequenos passos, nos anos 1970, com a qual a única coisa que conseguiu foi reforçar Israel, como certamente desejava.

E, assim como o ex-secretário de Estado, o presidente entende que o centro geopolítico do tabuleiro é constituído pelo conflito árabe-israelense, porque de sua eventual solução deveria se seguir um tsunami positivo do Iraque ao Irã, passando por esse casamento de inconveniência que é a dupla Afeganistão-Paquistão.

Assim, em 4 de junho passado, Obama pôs a bola para rodar com o discurso mais equilibrado entre sionismo e palestinismo já pronunciado por um presidente americano: terra e paz para todos, mas não à ditadura das armas, senão algo razoavelmente parecido com a Resolução 242 da ONU, que exige a retirada total por Israel da Cisjordânia e de Jerusalém Leste.

A ideia de começar por tudo ao mesmo tempo tem sua lógica. O presidente havia convocado na terça-feira em Nova York o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para conseguir que, embora dificilmente o mundo o engula, ambos dissessem que retomariam as conversações de paz. E, contrariamente, se adiasse esse começo até a aprovação de uma lei sobre a reforma da saúde pelo Congresso, a deterioração não mais do conflito no Oriente Médio - que está em seu grau máximo -, mas de guerras relacionadas poderia ser tal que não ficasse nada para sanear. O problema reside, no entanto, em que esse plano de força exercida simultaneamente em várias frentes só tem sentido quando o ator possui os meios para desencadear uma grande ofensiva, quando sobra capital político e, diferentemente, se mostra pouco apto para a defensiva.

Na data de junho em que Obama começou a espalhar cartas sobre a mesa, um conhecedor excepcional do conflito como o britânico Patrick Seale quase se entusiasmou com a abertura do jogo presidencial e previu um choque de trens entre Jerusalém e Washington; mas hoje é muito mais comedido, porque não está nada claro que a Casa Branca possa ou queira medir-se em duelo com o sionismo universal.

As recentes viagens à região do enviado especial do presidente, o maronita George Mitchell, quase fazem invejar as cerca de 20 inutilidades em forma de visitas que sua antecessora com Bush, a secretária de Estado Condoleezza Rice, fez a Israel e Palestina, exibindo a impossibilidade de uma diplomacia que estava abandonada de antemão. O governo israelense só quer uma paz que seja praticamente gratuita: retirada à la carte de onde lhe der vontade e nem um metro sacro de Jerusalém Leste; inflação de colonos onde lhe agrade; desmilitarização líquida, sólida e gasosa de um futuro Estado palestino; desarticulação ou preferencialmente aniquilamento do movimento terrorista Hamas e solução às custas de alguém de fora do problema dos 4 milhões de refugiados palestinos.

E não se trata de propostas táticas para ir-se despindo delas como os véus de Salomé, mas de princípios inalienáveis de quem percebeu a fragilidade congênita do adversário, com um mais que duvidoso suporte no Congresso. Por isso Barack Obama se encontra hoje em um aperto e a solução de tudo ao mesmo tempo corre o risco de se transformar em quase nada, em qualquer momento.