quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A história da bomba atômica no Irã

por Gustavo Chacra

Os primeiros inimigos

O Irã possuía três inimigos em suas fronteiras. De um lado, o Taleban, que governava o Afeganistão, e a Al Qaeda, a quem os afegãos concediam abrigo. Do outro, estava Saddam Hussein, no Iraque. Este cenário durou até ocorrer o 11 de Setembro e os Estados Unidos ajudarem indiretamente o Irã ao derrubar do poder seus rivais. Melhor, colocou no lugar administrações simpáticas a Teerã, com Hamid Karzai, no Afeganistão, e uma coalizão controlada por xiitas, no Iraque.

A Al Qaeda é inimiga do Irã por questões religiosas. Sunita, a rede terrorista considera os xiitas infiéis. O regime de Teerã, assim como a maioria dos iranianos, seguem a corrente xiita, e, por sua vez, consideram os sunitas infiéis. O Taleban também é sunita, se encaixando no mesmo perfil da Al Qaeda. Some-se à questão religiosa as disputas territoriais que quase levaram afegãos e iranianos a uma guerra no fim dos anos 1990. Para completar, os pashtus compõe a maior parte do Taleban, enquanto o Irã concede apoio a etnias mais fracas.

Saddam Hussein travou uma guerra de dez anos com o Irã nos anos 1980. Foi o mais sangrento conflito do século 20 no Oriente Médio, matando bem mais pessoas do que todas as disputas entre árabes e israelenses. Nesta guerra, os iranianos introduziram a prática dos atentados suicidas justamente contra soldados iraquianos. Antes disso, um muçulmano xiita jamais havia se matado. Os sunitas demorariam um pouco mais.

Irã e Iraque possuíam disputas territoriais. A questão religiosa não teve tanta importância. Por mais que tenha combatido xiiitas nos anos 1990 e tenha nascido sunita, Saddam não tinha religião. Seu vice, Tariq Aziz, era cristão caldeu. O problema com o Irã era territorial e o expansionismo do líder iraquiano. Foi uma guerra nacionalistas. Aliás, xiitas iraquianos, no Exército de Saddam, combateram xiitas iranianos. Afinal, eles são árabes, não persas.

O expansionismo e as ameaças externas

Sem o Taleban e Saddam, o Irã se sentiu mais livre, podendo levar adiante sonhos expansionistas para o Oriente Médio. O regime de Teerã intensificou seu apoio ao grupo xiita libanês Hezbollah, concedeu apoio a organizações xiitas no Iraque e, nas áreas palestinas, se uniu ao Hamas, que, mesmo sunita, viu em Teerã um aliado forte para se livrar do isolamento imposto pelos países árabes e Israel. Também formou uma forte aliança com a Síria, uma ditadura secular, mas, de certa forma, sob o controle político de uma elite alauíta e econômico dos sunitas.

Ao mesmo tempo que isso ocorria, o Irã se sentia ameaçado pelos Estados Unidos. Em 2003, a Guerra no Iraque era um sucesso e no Afeganistão também. A administração de George W. Bush advertia que os iranianos poderiam ser os próximos. Em 2005, foi eleito o radical Mahmoud Ahmadinejad para presidente. Ele pode não ter todo o poder do Irã, onde quem comanda é o líder supremo, Ali Khamanei. Mas seu discurso assustou Israel. Logo, os israelenses começaram a se sentir ameaçados e, consequentemente, passaram a cogitar um ataque contra o Irã.

Com a possibilidade de ser atacado tanto por Israel e pelos EUA, o normal seria o Irã buscar uma bomba atômica. O regime de Teerã sabe que o armamento serve para conter os adversários. Os EUA nunca se meteram com o Paquistão, China e relutam em fazer algo contra a Coréia do Norte porque eles possuem armas nucleares. A arma, neste caso, não serviria para atacar. Por mais radical que seja o regime em Teerã, não há lógica em bombardear Tel Aviv ou Haifa. Em minutos, os americanos e os israelenses varreriam todas as cidades iranianas com mais de 50 mil habitantes do mapa. Sem falar que, no ataque às cidades israelenses, milhares de palestinos seriam mortos também.

O Tratado de Não Proliferação

Mas, mesmo que seja apenas para defesa, o Irã não pode ter estas armas por ser signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, ficando sujeito a leis internacionais. Precisa colaborar com a Agência Internacional de Energia Atômica. A decisão de integrar o tratado foi de Teerã. Ninguém os obrigou. Outros países não assinaram justamente por se sentirem ameaçados.

Israel, por exemplo, esteve envolvido em quatro guerras contra seus vizinhos, sem falar em conflitos contra grupos palestinos e libaneses. Com sua existência ameaçada, optou por desenvolver armas nucleares, garantindo assim a sua segurança, em vez de assinar o tratado. Oficialmente, os israelenses não negam e tampouco confirmam possuírem armas. A Índia e o Paquistão são inimigos. Como um se sente ameaçado pelo outro, levaram adiante uma corrida armamentista. Hoje, os dois tem armas nucleares e não são signatários.

Os indícios

Não dá para dizer com certeza se o Irã está em busca de armas nucleares. Mas há indícios, como uma usina pequena demais para fins civis, os obstáculos impostos às ações da AIEA, a falta de necessidade de energia nuclear em um país com petróleo abundante, os recentes testes com mísseis de médio alcance. Além disso, entra toda a lógica realista acima.

Pode ser que todos estejam errados, como foi o caso do Iraque de Saddam, onde também existiam indícios. Neste caso, o Irã estaria blefando para se mostrar forte, ao colocar todos estes obstáculos. Fica difícil saber.

Por enquanto, a tática do Ocidente é tentar dialogar. Se não funcionar, endurecer as sanções. Um risco de uma ação dos EUA é nula com Barack Obama no poder. Mas os americanos usam as ameaças de ataque preventivo de Israel como barganha na hora de falar com Teerã. Amanhã, vamos ver o que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha decidem em discussões com os iranianos em Genebra.

Os riscos

Antes de terminar, apenas para ficar claro, o Ocidente não quer que o Irã possua a bomba atômica porque 1) poderia haver uma corrida armamentista na região, com a Turquia e os países árabes buscando a bomba 2) o Irã poderia conceder uma bomba suja para grupos como o Hezbollah 3) os EUA não querem um país inimigo com o armamento 4) o regime de Teerã não é considerado confiável 5) Ameaçado, Israel poderia levar adiante um ataque preventivo e, em uma espiral, haver uma guerra regional em uma das regiões mais estratégicas do mundo.


quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Os passos de Obama diante do conflito árabe-israelense

El País
Miguel Ángel Bastenier

O presidente americano, Barack Obama, deu uma virada radical na forma de ver o mundo de seu antecessor, George W. Bush, mas ainda não completou nenhum dos novos percursos que planejou. Não instalará os mísseis na Europa que preocupavam a Rússia; mas em troca negociará com o Irã a partir de 1º de outubro; deu uma volta no discurso pró-israelense no Oriente Médio; suprimiu as limitações econômicas mais severas do embargo a Cuba; prometeu um rascunho e nova conta sobre a mudança climática; concordou que no Iraque não haja tropas de combate americanas no final de 2011; balbuciou com alguma convicção que no Afeganistão é preciso negociar além de combater, e está lutando para que nos EUA se estabeleça algum tipo de previdência social.

  • O presidente dos EUA, Barack Obama, observa o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o presidente palestino Mahmoud Abbas apertarem as mãos em Nova York

Mas, mesmo que sua presidência se defina por este último capítulo, no contexto da crise econômica mundial, é na frente externa que se acumulam os problemas ainda em fase de boa esperança. A tática de Obama consiste em enfrentar de saída os problemas de transcurso, ao mesmo tempo que escolhe a casa central do tabuleiro para projetar seu grande salto à frente; exatamente o contrário do que fez Henry Kissinger com sua estratégia de pequenos passos, nos anos 1970, com a qual a única coisa que conseguiu foi reforçar Israel, como certamente desejava.

E, assim como o ex-secretário de Estado, o presidente entende que o centro geopolítico do tabuleiro é constituído pelo conflito árabe-israelense, porque de sua eventual solução deveria se seguir um tsunami positivo do Iraque ao Irã, passando por esse casamento de inconveniência que é a dupla Afeganistão-Paquistão.

Assim, em 4 de junho passado, Obama pôs a bola para rodar com o discurso mais equilibrado entre sionismo e palestinismo já pronunciado por um presidente americano: terra e paz para todos, mas não à ditadura das armas, senão algo razoavelmente parecido com a Resolução 242 da ONU, que exige a retirada total por Israel da Cisjordânia e de Jerusalém Leste.

A ideia de começar por tudo ao mesmo tempo tem sua lógica. O presidente havia convocado na terça-feira em Nova York o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para conseguir que, embora dificilmente o mundo o engula, ambos dissessem que retomariam as conversações de paz. E, contrariamente, se adiasse esse começo até a aprovação de uma lei sobre a reforma da saúde pelo Congresso, a deterioração não mais do conflito no Oriente Médio - que está em seu grau máximo -, mas de guerras relacionadas poderia ser tal que não ficasse nada para sanear. O problema reside, no entanto, em que esse plano de força exercida simultaneamente em várias frentes só tem sentido quando o ator possui os meios para desencadear uma grande ofensiva, quando sobra capital político e, diferentemente, se mostra pouco apto para a defensiva.

Na data de junho em que Obama começou a espalhar cartas sobre a mesa, um conhecedor excepcional do conflito como o britânico Patrick Seale quase se entusiasmou com a abertura do jogo presidencial e previu um choque de trens entre Jerusalém e Washington; mas hoje é muito mais comedido, porque não está nada claro que a Casa Branca possa ou queira medir-se em duelo com o sionismo universal.

As recentes viagens à região do enviado especial do presidente, o maronita George Mitchell, quase fazem invejar as cerca de 20 inutilidades em forma de visitas que sua antecessora com Bush, a secretária de Estado Condoleezza Rice, fez a Israel e Palestina, exibindo a impossibilidade de uma diplomacia que estava abandonada de antemão. O governo israelense só quer uma paz que seja praticamente gratuita: retirada à la carte de onde lhe der vontade e nem um metro sacro de Jerusalém Leste; inflação de colonos onde lhe agrade; desmilitarização líquida, sólida e gasosa de um futuro Estado palestino; desarticulação ou preferencialmente aniquilamento do movimento terrorista Hamas e solução às custas de alguém de fora do problema dos 4 milhões de refugiados palestinos.

E não se trata de propostas táticas para ir-se despindo delas como os véus de Salomé, mas de princípios inalienáveis de quem percebeu a fragilidade congênita do adversário, com um mais que duvidoso suporte no Congresso. Por isso Barack Obama se encontra hoje em um aperto e a solução de tudo ao mesmo tempo corre o risco de se transformar em quase nada, em qualquer momento.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Como conversar com o Irã

International Herald Tribune
Roger Cohen
Em Genebra (Suíça)

O documento iraniano de cinco páginas que trata de conversações com as principais potências - chamado de "Cooperação para a Paz, a Justiça e o Progresso" - tem sido bastante ironizado por ser considerado um conjunto de tolices evasivas, mas na verdade trata-se de um trabalho instrutivo que sugere que essa questão pode não ser uma causa perdida. É necessário examiná-lo atentamente.

É verdade que ele não menciona o programa nuclear do Irã, o elefante na sala, embora fale de "promover a universalidade" do tratado de não proliferação nuclear, do qual o Irã é membro, ao contrário de Israel, um Estado nuclearmente armado.

O que a proposta fornece é um guia útil sobre a psicologia e as preocupações da república islâmica, que ecoam por todas as partes. Quando o Irã pede "multilateralismo" e "progresso livre dos duplos padrões para todas as nações", ele reflete o pensamento predominante em Moscou e Pequim, e esse é um dos motivos pelos quais a obtenção de apoio significativo da Rússia e da China às sanções contra o Irã não passa de um sonho: falarei sobre isso mais tarde.

O presidente Obama fez bem ao aceitar o documento como um preâmbulo às conversações que terão início em 1º de outubro. Eu defendi energicamente negociações com o Irã após uma visita em fevereiro ao país. Durante um segundo período que passei em Teerã, chocado com a repressão brutal contra os manifestantes que testemunhei após a eleição de 12 de junho, eu disse que Obama precisaria adotar um intervalo decente para dar início às conversas. Três meses se passaram. Trata-se de uma curta pausa, mas os problemas são prementes e esta é uma questão realmente séria.

O presidente está certo por vários motivos. A psicose iraniana-americana que dura 30 anos é uma ressaca perigosa e ilógica. Quando Obama reuniu-se com os seus assessores especializados no Irã após a eleição de junho para rever os dados de inteligência, os pequenos detalhes foram suficientemente minúsculos para que o presidente perguntasse: "Isso é tudo o que vocês têm?". A ignorância gera uma perigosa incompreensão.

O presidente está certo porque apenas a diplomacia criativa é capaz de conter o rápido processo iraniano de enriquecimento de urânio (8.000 centrífugas ineficientes, e o número aumenta); porque relações mais próximas com o Ocidente representam a melhor esperança de longo prazo para reformas no Irã; porque o Irã está negociando a partir de uma posição de relativa fraqueza após a desunião revolucionária que seguiu-se ao 12 de junho; e porque é de extremo interesse dos Estados Unidos evitar um ataque israelense contra a Pérsia muçulmana (isso, aliás, é também do interesse de Israel; já há um punhado de árabes que pensam o mesmo).

Há muita verbosidade - daquele tipo que Orwell aproveitaria - no "pacote" iraniano, mas é assim que este tipo de coisa funciona no Irã. Assim com vários países que foram muito conquistados, incluindo a Itália, o Irã adora artifícios, enfeita a verdade com camadas elaboradas. Ele sempre preferirá a ambiguidade à clareza. Essa é uma nação cujas convenções incluem uma elegante insinceridade cerimonial conhecida como "taarof" (hipocrisia disfarçada de bajulação), e que pratica o "tagieh", que significa sacrificar a verdade em nome de imperativos religiosos mais elevados.

Vale a pena relembrar essas características. Gary Sick, o membro do governo Carter que negociou a libertação dos reféns norte-americanos, me disse pouco antes do avanço crítico que recebeu uma volumosa e absurda "proposta" iraniana que quase fez com que Carter interrompesse as negociações. A proposta consistia de um uma narrativa desimportante que continha uns dois elementos úteis escondidos entre o texto emotivo.

No caso atual existem também elementos úteis. A profunda indignação iraniana com injustiças passadas está evidente no uso repetido de palavras como "justo" ou "imparcial". Vale a pena lembrar que o intermitente programa nuclear iraniano teve início na década de 80, quando o Irã sofreu ataques a gás por parte do Iraque, cujo arsenal químico foi possível em grande parte devido à colaboração da Europa e dos Estados Unidos. Tais verdades não são menos verdadeiras por serem desagradáveis.

Na minha opinião, é inconcebível qualquer processo para acabar com o programa nuclear iraniano que não resolva a síndrome de vítima do Irã por meio de um certo grau de fortalecimento altamente monitorado.

Outros elementos úteis são o pedido pelo Irã de uma "função fiscalizadora justa e baseada em regras" por parte da Agência Internacional de Energia Atômica - a fiscalização pela AIEA é exatamente o que os Estados Unidos e os seus aliados precisam reforçar; uma linguagem referente à questão palestina ("paz ampla e irrestrita, segurança duradoura") que é moderada para os padrões iranianos; e uma "disposição para o engajamento em negociações amplas, irrestritas e construtivas".

Este é um momento ruim para a diplomacia, pois a repressão no Irã continua. Mas a situação na União Soviética e na China também não era propícia quando houve avanços. Os Estados Unidos têm que continuar fazendo pressões pela libertação de prisioneiros políticos e o respeito aos direitos humanos no Irã.

No fim das contas, as conversações são essenciais porque não existe nenhuma alternativa viável. Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, disse recentemente que "agora é o momento para dar início a sanções duras contra o Irã". Mas o Irã está acostumado a sanções, após ter passado anos convivendo com elas, e sabe que os anos que passou cultivando relações com a Rússia e a China (nenhuma menção ao sofrimento dos tchetchenos ou dos muçulmanos uigures) lhe renderão frutos. O Irã é na verdade um aliado da Rússia.

Não consigo vislumbrar nenhum acordo no qual, em algum momento, não haja um enriquecimento controlado de urânio em solo iraniano em troca da aceitação pelo Irã de vigorosas inspeções por parte da AIEA. Protocolos adicionais e uma presença ininterrupta da AIEA, como no Japão.

Aproxima-se o momento em que os Estados Unidos e os seus aliados terão que abandonar a meta de "enriquecimento zero" - esta meta não é mais viável - para concentrarem-se na forma de excluir a produção de armas nucleares, estabelecer um limite para o enriquecimento e fazer com que o Irã acredite que o preço pela quebra de qualquer acordo será caro.

Como regra geral, quanto mais for aliviada a psicose americana-iraniana, mais favorável será qualquer acordo. Portanto, é necessário ler nas entrelinhas.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Mundo sofrerá nova crise financeira, diz ex-presidente do Fed

Em entrevista à BBC, o ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) Alan Greenspan afirmou que o mundo sofrerá outra crise financeira.

“A crise acontecerá novamente, mas será diferente”, disse Greenspan ao programa Love of Money, da emissora BBC Two.

Segundo ele, a nova crise viria como uma reação a um longo período de prosperidade.

De acordo com Greenspan, apesar de levar tempo e de se tratar de um processo difícil, a economia global eventualmente irá “superar” a crise.

Alan Greenspan foi o presidente do Fed por 18 anos, deixando o cargo em 2006.

Durante esse período, era considerado uma das pessoas mais influentes do mundo, já que suas decisões a respeito da condução da economia americana afetavam diretamente todo o sistema financeiro global.

Uma das maiores críticas feitas a Greenspan é que ele manteve as taxas de juros americanas baixas demais por um tempo excessivo, facilitando a oferta de crédito e, assim, alimentando a bolha imobiliária que está na raiz da atual crise.

As declarações do ex-presidente do Fed coincidem com o aniversário da quebra do banco de investimentos americano Lehman Brothers, que desencadeou a atual crise financeira global.

'Natureza humana'

“As crises financeiras são todas diferentes, mas todas têm uma fonte fundamental”, disse Greenspan.

De acordo com ele, essa fonte seria a “insaciável capacidade dos seres humanos quando confrontados com um longo período de estabilidade de presumir que esse período continuará”.

Segundo o economista, o comportamento faz parte da “natureza humana”.

“É a natureza humana, até que alguém encontre uma forma de mudar essa natureza, teremos mais crises e nenhuma delas será como essa porque nenhuma crise tem algo em comum com a outra, além da natureza humana”, afirmou.

Greenspan afirmou ainda que a crise atual foi desencadeada pelas negociações das hipotecas subprime nos EUA, quando empréstimos foram liberados a pessoas com histórico ruim de crédito, mas ele afirmou que qualquer outro fator poderia ser o catalisador do problema.

“Se não fosse pelo problema dessas dívidas podres, algo teria emergido mais cedo ou mais tarde”, disse Greenspan.

Apesar disso, o ex-presidente do Fed afirmou que a crise atual é “um evento que ocorre uma vez por século” e que ele não esperava testemunhar um evento como esse.

Riscos

Greespan alertou também que as instituições financeiras deveriam ter observado que uma crise estava a caminho.

“Os banqueiros sabiam que estavam envolvidos em um risco de subavaliação e que em algum ponto uma correção seria necessária”, disse.

“Eu temo que muitos tenham pensado que seriam capazes de identificar o estopim da crise em tempo de sair fora”, afirmou Greenspan.

Recuperação

O ex-presidente do Fed fez algumas recomendações para prevenir uma nova crise financeira.

Segundo ele, é necessário que financistas e governos procurem combater a fraude e aumentem os requisitos de capital para os bancos e recomendou ainda uma maior regulação do sistema bancário.

O economista advertiu ainda que qualquer medida que vise o caminho para a recuperação econômica deve se afastar do protecionismo.

“Não há como ter livre comércio global com mercados domésticos muito restritivos ou regulados com muita rigidez”, afirmou.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Obama não pode mais adiar decisões para o Oriente Médio

Financial Times
Daniel Dombey

Dos desertos e montanhas do Afeganistão aos laboratórios nucleares do Irã e às terras disputadas por árabes e israelenses, o mundo está aguardando que Barack Obama tome uma decisão.

É verdade que o presidente dos Estados Unidos é capaz de transmitir a impressão de que já se decidiu. No seu último discurso importante sobre política externa, em Phoenix, no mês passado, perante a organização Veteranos de Guerras Externas, ele procurou projetar a imagem de um indivíduo decidido. Prometendo que só enviará tropas para situações perigosas se estiver "guiado por uma estratégia sensata", Obama fez uma distinção entre o Afeganistão, como sendo "uma guerra necessária", e o Iraque, que segundo ele foi uma "guerra de opção".

Mas, neste mês de setembro, o presidente terá que tomar grandes decisões na área de política externa - escolhas que ele evitou fazer durante os seus primeiros sete meses na Casa Branca. Obama terá que decidir quantos soldados mais enviará ao Afeganistão; como e se intensificará a pressão sobre Teerã tendo em vista um prazo estabelecido pelos Estados Unidos e os seus aliados; e se atenderá às expectativas árabes de que imponha uma proposta enérgica para resolver de uma vez por todas o conflito israelense-palestino.

Qualquer uma dessas decisões seria por si só significante. Mas, juntas, elas representam os dilemas mais importantes na área de política externa já enfrentados até o momento pelo governo. "Setembro será um mês crítico para este presidente - e, eu acrescentaria, para a nação e o mundo", afirma Strobe Talbott, diretor da Brookings Institution e ex-vice-secretário de Estado, que vincula as decisões internacionais que o presidente terá que tomar ao teste doméstico de força no que se refere às suas propostas de reforma do sistema de saúde.

A questão mais premente é o Afeganistão. Tendo, durante a campanha, defendido esta guerra como sendo um conflito pelo qual valeria a pena lutar - uma posição que ajudou a evitar que ele fosse retratado como um pacifista democrata -, o presidente precisa agora decidir até que ponto ele está de fato comprometido com esse conflito. Ele terá que decidir entre enviar mais tropas ou tornar mais modestas as metas dos Estados Unidos. E isso ocorre em um momento em que ele é acusado de ser fraco no que se refere às políticas domésticas e quando a popularidade dele e a da Guerra do Afeganistão estão em queda.

Em julho último, 44 soldados dos Estados Unidos morreram no Afeganistão e, em agosto, 45 - números que superam os registrados em quaisquer outros meses. Em uma pesquisa Gallup da semana passada, 61% dos entrevistados afirmaram que a situação, no que se refere ao conflito no Afeganistão, não está nada boa. Este número representa um grande salto em relação aos 43% que tinham a mesma opinião em julho. Outras pesquisas revelam que a maioria da população é contrária à guerra e favorável a retirada das tropas.

O presidente não conta com nenhuma opção agradável. Líderes republicanos como John McCain têm pedido energicamente o envio de mais tropas. Os democratas querem um cronograma para uma retirada, enquanto os próprios comandantes militares subordinados a Obama lhe dizem que, mesmo com menos tropas no Iraque, será difícil obter uma quantidade muito maior de soldados para o Afeganistão. O general Stanley McChrystal, o comandante do Afeganistão selecionado pelo novo governo norte-americano, deverá solicitar mais recursos dentro de alguns dias.

Mas tais problemas estão se acumulando na agenda de Obama. No que se refere a várias questões, o presidente anunciou uma nova estratégia ou abordagem - mas ele evitou tomar as decisões concretas que precisam ser tomadas a seguir. O general da reserva Anthony Zinni, ex-chefe do Comando Central dos Estados Unidos, diz que não consegue se lembrar de uma só grande decisão estratégica tomada por Obama. Ele acrescenta que o governo precisa anunciar uma estratégia de segurança nacional estabelecendo aquilo que defende e como pretende usar o poderio norte-americano.

Não há dúvida de que Obama causou um grande impacto no cenário global. A sua campanha eleitoral, com as enormes multidões e as promessas de engajamento diplomático; a sua vitória, com todo o simbolismo advindo do fato de ele ser o primeiro presidente negro dos Estados Unidos; e o seu discurso de posse, no qual prometeu uma ruptura com a era de George W.
Bush, tudo isso ecoou bem em todo o mundo.

Como presidente, ele adotou também duas iniciativas de política externa que contrastam com o governo anterior - melhorar as relações com a Rússia e pressionar Israel quanto à questão da construção de assentamentos em terras ocupadas dos palestinos. Ele fez dois discursos - sendo o mais notável aquele do Cairo, dirigido ao mundo muçulmano - que Bush jamais teria feito. Mas, no que se refere a diversas outras questões importantes, Obama não rompeu com os últimos anos do governo Bush, o que traduziu-se em continuísmo.

Seis semanas após a sua posse, Obama anunciou uma estratégia para o Iraque baseada em promessas de campanha no sentido de retirar as forças de combate em um prazo de dois anos. Mas, em termos práticos, a estrutura dessa políticas continua sendo a mesma que aquela assinada relutantemente por Bush - a retirada de tropas norte-americanas das cidades iraquianas, que ocorreu em junho, e uma retirada completa do país até o final de 2011.

Diante do aumento da violência após a retirada das forças norte-americanas das áreas urbanas, Obama não conta com praticamente nenhuma margem de manobra: tanto nos Estados Unidos quanto no Iraque, a opinião pública deseja que as tropas norte-americanas retirem-se do país que invadiram seis anos e meio atrás.

No Afeganistão, Obama revelou em março uma estratégia que deveria romper com o legado de Bush. Mas, embora durante os seus primeiros dias na presidência ele tenha falado da necessidade de "possuir um objetivo claro", a dimensão daquelas metas relativas ao conflito que ele procurou tornar mais modestas voltou a crescer. Quando lhe pediram, no mês passado, que definisse o que seria o sucesso nesta guerra, Richard Holbrooke, o representante especial de Obama no Afeganistão e no Paquistão, afirmou: "Nós saberemos o que é o sucesso quando o enxergarmos".

No início, o presidente enfatizou acima de tudo a necessidade de impedir que o Afeganistão voltasse a ser uma base da Al Qaeda e desestabilizasse ainda mais o vizinho Paquistão. Mas os Estados Unidos também abraçaram outros objetivos para o Afeganistão, tais como a promoção dos direitos das mulheres, o aperfeiçoamento do governo em todos os níveis e a repressão à corrupção e aos narcóticos.

"É difícil entender e enxergar qualquer período razoável de tempo no qual eles seriam capazes de atingir essas metas", afirma Andrew Bacevich, ex-instrutor da academia militar de West Point e atualmente professor da Universidade de Boston. "A linguagem moralista e a agenda declaradamente ideológica do governo Bush foram neutralizadas sob o governo Obama. Mas as ambições continuam sendo extraordinariamente grandiosas".

Robert Gates, o secretário de Defesa, argumenta que os objetivos dos Estados Unidos são claros. "Sucesso significa as forças de segurança nacionais afegãs assumirem um papel cada vez maior no controle e na proteção do seu próprio território, à medida que nós adotamos um papel de assessoramento e, finalmente, nos retiramos", disse ele na semana passada.

Deparando-se com uma antiga demanda feita pelos comandantes para que sejam enviados mais 30 mil soldados ao Afeganistão, Obama optou por uma solução intermediária neste ano, despachando 17 mil soldados adicionais e 4.000 instrutores. Mas o pedido iminente de mais recursos por parte do general McChrystal colocará o presidente novamente na mesma situação - e com as atenções voltadas ainda mais para o Afeganistão será mais difícil do que antes deixar de atender ao apelo dos militares. Ao mesmo tempo, Obama terá que determinar uma série de parâmetros segundo os quais o progresso feito no Afeganistão será mensurado - pontos de referência que determinarão de fato a amplitude da estratégia adotada pelos Estados Unidos.

Da mesma forma como os objetivos do governo para o Afeganistão expandiram-se para equiparem-se àqueles elaborados sob Bush, a sua ambição por uma nova relação com o Irã parece ter encolhido até o patamar do governo anterior. As discussões com Teerã foram um grande tema da campanha presidencial de Obama, e o tópico foi novamente enfatizado durante as suas primeiras semanas na Casa Branca. Mas a contestada eleição de junho no Irã tornou politicamente mais difícil para os Estados Unidos oferecerem aquele diálogo amplo com Teerã que vinha sendo cogitado, enquanto os problemas internos exigiam muito mais atenção do regime na república islâmica.

Atualmente, a abordagem é similar àquela adotada por Bush - uma iniciativa multilateral para negociar com o Irã com foco no programa nuclear daquele país, em vez de uma iniciativa mais ampla dos Estados Unidos para melhorar as relações. De fato, a oferta que está sobre a mesa é aquela que foi assinada por Condoleezza Rice, a secretária de Estado de Bush - algo que David Miliband, o secretário britânico das Relações Exteriores, admitiu, ao pedir neste verão a Teerã que respondesse "ao pacote claro que foi apresentado ao Irã cerca de 15 ou 16 meses atrás".

Caso neste mês o Irã não dê início a uma negociação de "boa fé", os Estados Unidos e os seus aliados estão cogitando endurecer as sanções propostas no âmbito das Nações Unidas, apesar das reservas da Rússia e da China. O governo Bush deparou-se com tal cenário periodicamente durante os seus últimos, e menos ideológicos, anos de poder.

Sanções mais duras contra o Irã é algo que também vem sendo buscado por Israel - um fator importante a se considerar no momento em que o governo dos Estados Unidos procura concluir um acordo com o seu aliado sobre o congelamento dos assentamentos judeus em território palestino, abrindo desta maneira o caminho para negociações de paz entre árabes e israelenses.

Em relação a este tópico o governo Obama rompeu de fato com o seu antecessor - não só com as contínuas pressões públicas exercidas pela Casa Branca sobre Israel, mas também devido ao foco anterior de Obama no Oriente Médio -, em contraste com outros presidentes recentes, que só abordaram a questão no final dos seus mandatos. Entretanto, diplomatas árabes disseram que Obama informou que em setembro tomará uma medida ainda mais decisiva e delineará a sua estratégia para resolver o conflito árabe-israelense como um todo.

Mas embora as próximas semanas sejam decisivas para determinar até que ponto o governo estabelecerá a sua própria rota, tais expectativas poderão ser frustradas. A criação de uma política sustentável para o Afeganistão, as pressões efetivas sobre o Irã e a adoção de uma rota progressiva para o Oriente Médio - tudo isso antes do final do mês - representariam um desafio para qualquer líder.

De fato, os Estados Unidos já esboçaram um segundo prazo para o Irã - segundo o qual Washington avaliará o progresso das negociações até o final deste ano -, e esquivaram-se de assumir qualquer compromisso público explícito de apresentar um plano de paz para o Oriente Médio neste mês.

"Não seria algo realista acreditar que ele fosse capaz de apresentar uma solução para esses três problemas nas próximas três semanas", afirma Talbott, que argumenta que Obama já deu grandes passos ao procurar fortalecer as relações com os aliados e instituições internacionais.
"Dentre os três, o Afeganistão é o que exige decisões mais duras".

O professor Bacevich acrescenta: "Tenho me perguntado quando Obama teria que apresentar medidas duras quanto à política externa. Achei que seria em meio a uma crise, mas eu creio que este é o seu momento de ser testado. O conjunto de decisões em relação ao Afeganistão representará de fato o primeiro teste para esse homem".

De Carter a Obama

"Muito tempo perdido com hesitações". Três décadas atrás, Zbigniew Brzezinski enfrentou problemas com o Afeganistão, o Irã e o Oriente Médio, como assessor de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter. Atualmente a equipe de política externa de Barack Obama está envolvida com aquelas mesmas regiões.

Embora Brzezinski, 81, tenha sido apoiador entusiasmado de primeira hora do novo presidente, ele parece estar ficando cada vez mais preocupado com a abordagem do atual governo.

Ele teme que os Estados Unidos corram o risco, "apesar da nossa retórica, de mergulhar em um conflito mais profundo com diversos segmentos do mundo islâmico".

Sobre Obama, ele adverte: "Quanto maior for a quantidade de problemas com os quais estiver envolvido, menos capacidade ele terá para agir".

Brzezinski diz ao "Financial Times" que Obama já deveria, a esta altura, ter tomado uma decisão quanto ao Afeganistão, e adverte que Washington corre o risco de ver-se atolada em uma guerra cada vez mais intensa.

Ele acrescenta que a abordagem para a promoção de relações diplomáticas com o Irã e para a tentativa de solução do conflito israelense-palestino corre o risco de ser muito estreita.

"Eu gostaria de ter visto essas decisões serem tomadas no início do verão", diz ele a respeito do dilema de Obama quanto às tropas e à estratégia para o Afeganistão. "A minha posição tem sido sempre a de que é melhor enfrentar esses problemas difíceis o mais cedo possível".

Ele diz que a questão que o presidente deveria sopesar em relação à guerra é: "Qual é exatamente a ameaça que precisa ser neutralizada, e será que existem outras formas de evitá-la?".

Brzezinski argumenta que as negociações com elementos do Taleban, e não um esforço de guerra mais intenso e as grandes metas de vitória militar, podem ser a chave para um Afeganistão mais estável. Ele afirma: "Eu precisaria estar convencido de que seríamos expulsos ou derrotados caso não aumentássemos o tamanho das nossas tropas - mas se a expansão do contingente for elaborada para a obtenção de alguma espécie de vitória, acredito que este seria o caminho errado. Será que o fato de nos envolvermos cada vez mais profundamente em um conflito que envolve não só o Afeganistão, mas também o Paquistão, atende aos interesses de longo prazo dos Estados Unidos?".

Em relação ao Irã, Brzezinski teme que as negociações atualmente cogitadas pelos Estados Unidos não tenham a possibilidade de prosperar por encontrarem-se demasiadamente focadas no status nuclear da república islâmica, e excluírem as outras preocupações iranianas.

"Se nos recusarmos a discutir outras questões que os iranianos desejam discutir, nós os encorajaremos a se recusarem a conversar sobre aquelas questões que nós desejamos discutir", diz Brzezinski. "A questão é simples e básica assim. E não podemos atrair os iranianos para negociações sérias se, ao mesmo tempo, discutimos publicamente sanções mais severas, isso para não mencionar que outras opções (ele refere-se à força militar) estão sobre a mesa".

Quanto às iniciativas do governo para a paz no Oriente Médio, a frustração de Brzezinski é também bastante clara. "Muito tempo foi perdido com hesitações", afirma ele, argumentando que "um compromisso vago" quanto aos assentamentos judaicos em territórios palestinos ocupados pouco contribuirão para que se chegue a um acordo final. "Eu não abandonei a esperança, mas a esperança não é eterna", diz ele tristemente.

Ainda deveríamos estar no Afeganistão?

The New York Times
Anne Applebaum

Talvez tenha sido a temporada sangrenta e trágica de batalhas neste verão; talvez o desapontamento com as eleições, com baixo comparecimento, violência e acusações de fraude. Independentemente da razão, a guerra afegã subitamente está no centro do debate político em vários países do Ocidente. Em jogo não estão apenas táticas e métodos e sim uma questão mais fundamental: ainda deveríamos estar no Afeganistão?

Apesar de dizerem que a cultura política na América do Norte e na Europa é muito diferente, os argumentos são impressionantemente similares. Nos EUA, o colunista do "Washington Post" George Will acaba de salientar que a guerra afegã já durou mais que as duas guerras mundiais juntas. Na Alemanha, o ministro da defesa causou revolta quando previu que as tropas alemãs podem permanecer no Afeganistão mais uma década; líderes da oposição imediatamente começaram a pedir uma retirada muito mais rápida. Diante da desaprovação do público, os canadenses tiveram que prometer a retirada das tropas até 2011. Os holandeses supostamente devem deixar o país em 2010. Em uma conferência em que estive recentemente em Amsterdã, o público aplaudiu quando um expositor criticou a guerra. Demandas por um prazo -"mais dois anos e depois saímos"- são ouvidas em quase toda parte.

Igualmente universal (e bipartidárias) são as reclamações que os objetivos da guerra não são claros ou realistas. Um oficial britânico renunciou na semana passada porque não acreditava mais que a nação aceitaria as justificativas do governo pela guerra, que foram desde "combater terroristas" até controlar as exportações e heroína. O colunista Tom Friedman do "New York Times" exigiu saber "quanto vai custar, quanto tempo levará e quais interesses americanos tornam (a guerra) atraente". Outros reclamam que deveríamos nos concentrar nos "verdadeiros" problemas, como o Paquistão, ou em uma solução "alcançável", qualquer que seja.

Quando você pensa a respeito, tudo isso é muito estranho, já que os objetivos da guerra nunca estiveram em questão em qualquer capital europeia ou norte-americana. "Vencer" significa que saímos com um governo minimamente aceitável em funcionamento; "perder" significa que o Taleban assume e a Al Qaeda volta -e ninguém jamais fingiu que o sucesso seria fácil. A questão é que esta guerra nunca foi adequadamente explicada para a maior parte das populações que a estão travando. Por anos, foi sempre a "guerra boa", em contraste com a "guerra ruim" no Iraque, e ninguém sentia a necessidade de explicar mais.

Os resultados desse silêncio estão mais visíveis nos países europeus nos quais o público foi levado a acreditar que suas tropas não estão de fato lutando no Afeganistão, mas participando de uma operação de caridade armada de longo prazo. Os alemães, por exemplo, ficaram profundamente perturbados quando souberam que um comandante alemão tinha pedido um ataque aéreo da Otan que matou pelo menos 90 afegãos em Kunduz na semana passada. Essa notícia surpreendeu os alemães que pensavam que seus homens estavam no Afeganistão fazendo trabalhos de reconstrução. Os americanos parecem chocados em saber que os Marines lutaram neste verão para retomar áreas anteriormente seguras, que as eleições não seriam tranquilas e que o governo do presidente Hamid Karzai era corrupto. Tudo isso já está claro há algum tempo. Mas quem falava disso?

Acompanhando a opinião de um dos mais esclarecidos especialistas da região, Ahmed Rashid, eu argumentaria que a situação afegã ainda não está totalmente perdida. Escrevo às vésperas das eleições, há ainda uma maioria definitiva no país que não apenas deseja a paz, mas também alguma versão de democracia. O governo central ainda tem alguma legitimidade, apesar de talvez não durar muito. O plano de aumentar o número de soldados em um futuro próximo para dar ao exército afegão tempo para se fortalecer no longo prazo não é estúpido nem inocente, particularmente se acompanhado de investimentos substanciais em estradas e agricultura. Mas tal plano não pode ser executado sem o apoio do público, e este não existirá sem fomento por parte dos políticos.

Portanto, este é o momento de Barack Obama demonstrar que sabe persuadir. Uma ou duas viagens rápidas à Europa e um pedido por trás das cenas por "mais tropas" não vão dar conta do recado: o público europeu talvez ainda goste mais de Obama do que de Bush, mas não acredita que esteja mais compromissado com o Afeganistão do que seu predecessor. Tampouco os americanos ficarão convencidos com um ou dois discursos, independentemente da elevação da retórica ou da elegância da frase.

Dos dois lados do Atlântico, Obama precisa convencer e estimular, produzir planos e evidências, mostrar que reuniu o melhor pessoal e o maior número de recursos possível -em outras palavras, fazer campanha, e intensa. Se o debate da saúde vai determinar sua sorte doméstica, o resultado no Afeganistão vai realizar ou destruir sua política externa. Ele disse muitas vezes que apoia o princípio da guerra afegã. Agora vamos ver se apoia na prática.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Hugo Chávez consolida o controle sobre a Venezuela

Der Spiegel
Jens Glüsing

O presidente venezuelano Hugo Chávez está usando o dinheiro obtido com o setor petrolífero para financiar aquilo que ele chama de "socialismo para o século 21". O autocrata carismático está procurando consolidar o seu poder com um projeto para silenciar uma crescente oposição política.
  • REUTERS/Miraflores Palace/Maria Cecilia Toro

    Venezuelano Hugo Chávez anda a cavalo durante gravação de seu programa "Alo Presidente"


Um poster que proclama "pátria, socialismo ou morte" adorna a prisão militar em Los Teques, um subúrbio da capital venezuelana, Caracas.
Parentes dos presos estão aglomerados nas escadas que levam ao pavilhão das celas. Os soldados abrem buracos em tortas de carne, bolos e outros pequenos presentes, procurando telefones celulares e armas.

O prisioneiro mais famoso do país é mantido em uma cela espaçosa no terceiro andar. O general Raul Isaias Baduel, 54, já foi ministro da Defesa e comandante-em-chefe do exército. Agora ele aceita avidamente dois jornais que os carcereiros permitiram que entrassem no pavilhão.
Ele não tem acesso a telefones nem à Internet.

Cinco meses atrás, um grupo de homens armados o emboscou perto da sua casa. Quando Baduel tentou usar o seu telefone celular para pedir ajuda, um deles encostou o cano de uma pistola na testa do general. Ele foi levado em um veículo de placa fria para uma base onde os seus captores identificaram-se como membros da agência de inteligência militar.

A promotoria federal alega que após Baduel ter deixado o Ministério da Defesa, há dois anos, ele teria embolsado ilicitamente o equivalente a US$ 100 mil (70 mil euros, R$ 184 mil) dos cofres públicos. Os soldados que poderiam confirmar essas acusações ainda não prestaram depoimento.
Uma audiência em tribunal foi adiada porque o juiz estaria doente. "Eu sou um prisioneiro político", afirma o general. Ele responsabiliza um amigo antigo pela sua prisão: o presidente Hugo Rafael Chávez Frias.

Um populista ardiloso
No passado, quando eram jovens soldados, os dois amigos juraram "romper os grilhões da oligarquia" para permitir que o povo venezuelano tivesse uma vida livre e justa. Eles prestaram esse juramento em dezembro de 1982, sob uma árvore centenária, debaixo da qual Símon Bolívar, o libertador da América do Sul do século 19, teria um dia descansado. Aquele foi o início da Revolução Bolivariana e da ascensão de Hugo Chávez ao poder.

Foi um percurso acidentado até o topo. Após um golpe fracassado e dois anos na prisão, Chávez conseguiu o seu objetivo ao vencer as eleições democráticas em dezembro de 1998. Hoje em dia, mais de uma década depois, Chávez, de 55 anos de idade, está preocupado principalmente em consolidar o seu poder autocrático.

O jovem intempestivo transformou-se em um populista ardiloso que governa por plebiscitos. Chávez venceu quase dez eleições e referendos (e perdeu um, dois anos atrás, que teria dado a ele o direito de candidatar-se à reeleição quantas vezes quisesse). O seu regime dividiu famílias e destruiu amizades. Ele fez com que milhares de venezuelanos deixassem o país para viver no exterior.

Mas agora o caudilho está governando o país como se este fosse a sua fazenda particular. Ele prefere exercer a sua influência pela televisão.
Aos domingos, todos os canais são obrigados a transmitir o seu programa de auto-promoção, o "Aló Presidente", bem como uma edição mais curta que é exibida várias vezes por semana. Todas as aparições oficiais do presidente também têm que ser transmitidas, o que permite que Chávez tenha facilmente 20 horas no ar todas as semanas.

Músicas folclóricas e piadas
No seu programa de televisão, Chávez entretém os telespectadores com músicas folclóricas e piadas grosseiras. Ele faz comentários sobre a situação política mundial e lê trechos da obra de Bolívar. Chávez demite e nomeia ministros ao vivo pela TV, e faz propaganda de telefones celulares e xampus produzidos por companhias nacionalizadas. Ele recorda visitas a bordéis que fez quando era um jovem soldado, e faz piadas sobre o consumo de uísque pelos seus compatriotas. Quando um telespectador liga reclamando que os hospitais estão lotados, ele faz uma promessa: "Não se preocupe. Mandarei o meu médico particular".

Chávez cumpre a promessa.

Os monólogos chegam a durar até oito horas. Ele parece contar com reservas intermináveis de energia. Quando Chávez cancelou recentemente metade do programa de aniversário do "Aló Presidente", que deveria durar quatro dias, muitos venezuelanos especularam que deveria haver uma crise política. Três dias depois, Chávez retornou à televisão com uma face inchada, após ter supostamente sofrido uma indigestão. Os seus oponentes acreditam que ele usa drogas para manter o seu nível de energia.

Recentemente, as suas aparições na televisão adquiriram uma agressividade incomum. Chávez adotou um tom mais confrontativo, classificando os oponentes políticos de "inimigos" que devem ser "destruídos". Assim como o seu grande ídolo Fidel Castro, quando se trata de confrontação política, ele raciocina sempre em termos militares.

"Chávez, eu te amo!"
"Mi Comandante" foi a forma como o presidente do parlamento o saudou quando o presidente foi à assembleia nacional para a comemoração do décimo aniversário da constituição venezuelana, no início de agosto. Chávez saltou de um veículo blindado de fabricação norte-americana e oficiais de campo com boinas vermelhas correram à frente dele.

Antes de ingressar no plenário, o caudilho deu uma volta a pé pela área em frente ao prédio do parlamento, onde centenas de aliados usando uniformes vermelhos haviam se concentrado nos balcões e balaustradas. Eles o esperavam havia horas.

Marlinda Chorrillo, uma pequena mulher de 62 anos, veio de Catia, uma favela próxima a Caracas. Ela abriu o caminho para frente a cotoveladas, na esperança de poder abraçar o presidente pelo menos uma vez, ou ao menos puxar a camisa dele. "Chávez, eu te amo!", gritou Chorrillo em meio ao barulho da multidão. Os indivíduos que o apoiam reverenciam o chefe de Estado como se ele fosse um Messias. Muitos penduraram o retrato de Chávez sobre o altar da família, próximo ao quadro do outro salvador.

O presidente segurava as mãos que se estendiam na sua direção, e mal podia caminhar para frente. Alguns índios, semi-nus nos seus trajes tribais, foram trazidos de avião da região amazônica apenas para esta ocasião. Eles tiveram permissão para aproximarem-se de Chávez e o abraçaram. Gotas de suor formaram-se sobre o nariz de boxeador do presidente.

Chávez é um "zambo", conforme são chamados na Venezuela os indivíduos mestiços de pele escura. A elite de pele clara de Caracas o despreza, chamando-o de "macaco", mas esses indivíduos são impotentes diante do carisma do presidente. Após abraçar os índios, estes erguem as suas lanças para homenageá-lo e, a seguir, os assessores de Chávez o empurram para o parlamento.

O caminho rumo ao socialismo
Pouco depois, quando ele aparece diante da assembleia nacional, o seu terno foi passado, e a sua gravata está novamente impecável. Chávez tornou-se agora um típico estadista. Ele exibe um pequeno livro vermelho, a constituição de 1999, que consagra o seu direito à reeleição. "Este livro garante o nosso caminho rumo ao socialismo", diz Chávez.

O seu amigo Baduel ajudou a redigir a constituição original, que seria a mais democrática da história da Venezuela. Mas Chávez achou que ela precisava ser mais socialista. Em dezembro de 2007, Chávez pediu que fossem submetidos a votação vários artigos criados para consolidar as suas políticas esquerdistas e dar a ele o direito de concorrer à reeleição quantas vezes quisesse. Baduel pediu aos eleitores que se opusessem à medida, e isso selou o fim da amizade entre os dois. O referendo fracassou, mas Baduel sabia que Chávez não desistiria.

No decorrer dos últimos meses, o presidente usou novas leis e decretos para pavimentar gradualmente o caminho rumo àquilo que ele chama de "um socialismo para o século 21". Após vencer o plebiscito de fevereiro, ele pode agora reeleger-se indefinidamente. Após a vitória, ele nacionalizou indústrias e bancos, desapropriou fazendas de café e outras propriedades rurais, e ameaçou políticos e jornalistas oposicionistas. "Estamos no caminho rumo ao totalitarismo com uma fachada legal", acusa Teodoro Petkof, um ex-guerrilheiro que agora é um membro famoso da oposição.

Erro imperdoável
A assembleia nacional aceita obedientemente as encenações do presidente, o que não é de se surpreender, já que 90% dos seus membros são apoiadores de Chávez. A oposição enfraqueceu-se ao boicotar as eleições parlamentares em 2005. Agora a única coisa que ela pode fazer é observar enquanto Chávez consolida-se no poder. "O boicote foi um erro imperdoável", reconhece Pablo Perez, 40, o governador do importante Estado de Zulia.

Perez é membro de uma nova geração de políticos oposicionistas que obtiveram cargos executivos após as eleições regionais de novembro do ano passado. Eles contam com uma quantidade importante de governos de Estado e controlam a prefeitura de Caracas.

Eles devem o seu sucesso em parte aos apoiadores de Chávez que foram tomados pela frustração. Muitos funcionários do atual regime são tão corruptos quanto a classe governante que atuava no regime do antecessor de Chávez. Os beneficiários do regime foram apelidados de "Boliburguesia" (a palavra é uma mistura dos termos "bolivariano" e "burguesia") devido aos seus hábitos caros. Eles adoram beber uísque de 18 anos, dirigir carros utilitários esportivos norte-americanos luxuosos e adquirir propriedades e casas em locais nobres. Isso levou muitos antigos apoiadores de Chávez - que costumavam seguir cegamente as recomendações do presidente - a ficar em casa no dia da eleição ou a votar em dissidentes.

O Estado de Zulia, rico em petróleo, com a sua capital Maracaibo, sempre foi um reduto da oposição. No Lago Maracaibo - uma enorme lagoa conectada ao mar aberto - há 12 mil poços de petróleo dos quais jorra um fluxo contínuo do ouro negro que transformou a Venezuela na Arábia Saudita da América Latina. Navios petroleiros saem daqui para os Estados Unidos todos os dias. O arquiinimigo de Chávez é também o seu melhor cliente.

"As nossas reservas petrolíferas durarão pelo menos 120 anos", afirma Erwin Lingg, presidente do escritório da Câmara Venezuelana de Petróleo em Zulia. Mas os petrodólares estão seguindo principalmente para os cofres do governo central. "Chávez fica com a parcela das rendas à qual temos direito", reclama o governador Perez.

"Tentativa de golpe"
A companhia petrolífera estatal PDVSA possui um monopólio para a extração e a venda do petróleo do país. A companhia já foi considerada um modelo empresarial. Mas Chávez transferiu todo o capital da PDVSA para o financiamento de dispendiosos programas sociais, e a sobrecarregou com responsabilidades adicionais. Atualmente, a PDVSA vende comida subsidiada, e financia cursos de alfabetização e campanhas políticas. Até mesmo os especialistas encontram dificuldade para descrever as atividades da companhia. "A PDV transformou-se em uma loja de produtos variados", diz Lingg. "Os nossos engenheiros estão vendendo pão e queijo".

Há sete anos, os funcionários da companhia petrolífera entraram em greve. Chávez afirmou que a revolta consistia em uma "tentativa de golpe", e demitiu 18 mil dos 40 mil funcionários da PDVSA. Milhares de trabalhadores qualificados mudaram-se para o exterior, e engenheiros petrolíferos altamente treinados logo encontraram empregos no Oriente Médio, no Canadá e na Rússia.

Na verdade, a companhia estatal necessita urgentemente de dinheiro para investimentos. Mas Chávez continua a explorando para alimentar a sua revolução. Em maio último ele ordenou a nacionalização de todas as companhias contratadas que trabalharam anteriormente para a PDVSA.
Praticamente da noite para o dia, o monopolista engoliu mais de 70 companhias que eram principalmente responsáveis pelas operações de transporte para as plataformas de petróleo.

Roubo, e não expropriação
A companhia De-Ko, na costa oriental do Lago Maracaibo, é uma das vítimas. Uma unidade militar de expropriação usando uniformes vermelhos invadiu as instalações da empresa às cinco da manhã. Os proprietários foram escoltados para fora por soldados armados. "Esta companhia pertence agora à PDVSA", anunciou o líder do grupo ao diretor-presidente Jose Contreras. Ele não teve tempo sequer para retirar os seus pertences do escritório.

Os novos chefes pintaram a fachada de vermelho e colocaram um grande retrato do caudilho sobre a logomarca da companhia. Sob o retrato do presidente lê-se a frase: "Chávez reconquistou o nosso quebra-mar". Os soldados confiscaram sete embarcações de transporte, dois rebocadores, guindastes e instalações de produção no valor de vários milhões de dólares. Até hoje o governo não pagou nenhuma indenização. "Isso não foi uma expropriação. Foi um roubo", acusa Contreras.

Além disso, o governo está tentando retirar todo o poder dos sindicatos independentes dos petroleiros e obrigá-los a ingressar em um sindicato único que é dependente do Estado. "O governo fala como se fosse amigo dos trabalhadores, mas ele nos reduz à total impotência", diz o líder sindicalistas Carlos Contreras, que na verdade apoia Chávez. Ao implementar tais políticas, o presidente está dividindo a sua própria base política.

Dividindo as favelas
Não existe um melhor local para sondar o estado de espírito da população do país do que a favela 23 de Enero, que fica junto ao centro de Caracas. Os brutamontes do governo moram aqui em construções mal acabadas de tijolos e prédios arruinados da década de 1950 que destacam-se nas montanhas verdes como se fossem enormes colmeias de abelhas. Eles espancam jornalistas não desejados e oponentes do governo.
Nenhum motorista de táxi tem coragem de entrar na favela.

Chávez possui escritórios eleitorais na 23 de Enero, e a maior parte dos moradores é "chavista", conforme são conhecidos os apoiadores do presidente. "Durante o governo anterior, foi declarado estado de sítio aqui, e a policia assassinou e torturou o povo", conta Glen Martinez, 39, que é diretor da Rádio 23, a estação local de rádio comunitária.
"Chávez foi o primeiro a nos ver como cidadãos".

A Rádio 23 é uma das dezenas de "colectivos". Este é o nome adotado por grupos políticos, mas também por gangues de criminosos que dividiram as favelas entre si. Houve um tempo em que Martinez não ousaria sair sem portar um revólver. "Eu tinha muitos inimigos", diz ele. "Mas nós trouxemos paz para esta área. Agora existe um cessar-fogo".

Ele dá espaço de radiodifusão na Rádio 23 às associações locais de mulheres, fornece conselhos relativos à educação sexual e informa os leitores sobre comícios políticos. Um retrato de Che Guevara está dependurado no seu estúdio. As músicas em língua inglesa são desprezadas.

Atrás do prédio mal conservado estão equipamentos de transmissão velhos e enferrujados que foram doados pelas forças armadas. "Chávez prometeu reformar o nosso prédio", diz Martinez. Isso foi há dois anos, mas desde então eles não ouviram mais nada do presidente. A namorada de Martinez, Lisbeth Gonzalez, que criou conselhos de cidadãos na favela, e que deveria consolidar a base politica local em favor de Chávez, também está frustrada. "Nunca houve uma revolução real aqui", garante ela.

"Você não consegue me intimidar"
"O homem está ficando com medo do seu próprio povo", diz Baduel, o ex-camarada de Chávez.

Baduel divide a sua cela na prisão com um almirante e um general da guarda nacional. Eles foram presos há um ano sob a acusação de que pretendiam assassinar o presidente. Os três prisioneiros jogam voleibol juntos para manterem-se em forma.

Recentemente, Baduel enviou ao amigo uma carta, na qual escreveu: "Como presidente, você subjugou as instituições deste país e desacreditou as forças armadas. Mas você não consegue me intimidar".

Ele não espera obter uma resposta, e não tem ilusões quanto àquilo que o futuro lhe reserva. "Eu serei libertado no dia em que Chávez deixar o poder, e nem um dia antes".

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Armênia que fez acordo com Turquia não é a mesma que sofreu o genocídio

por Gustavo Chacra

Os jornais do mundo trazem a notícia de que turcos e armênios chegaram a um acordo sobre o genocídio e estabeleceram relações. A informação é correta, mas precisamos fazer algumas ressalvas. Afinal, quem fez acordo foi o país Armênia que não é composto por descendentes das vítimas do genocídio.

Na verdade, o povo armênio era dividido entre o Império Russo e o Otomano desde início do século 19. Os que sofreram os massacres e posteriormente o genocídio são os armênios “otomanos”, que residiam na Anatólia, hoje parte da Turquia. Os sobreviventes fugiram para áreas árabes como o Líbano, Síria e a Palestina. Até hoje, há milhares de armênios em Beirute, Damasco, Aleppo e Jerusalém.

Muitos, assim como sírios, libaneses e palestinos, imigraram para a América. As principais concentrações de armênios são em Los Angeles, Long Island, Las Vegas e Buenos Aires. Em geral, são reconhecidos pelo “ian” no fim do sobrenome. Mas há exceções, como o tenista Andre Agassi. Eles ainda lutam pelo reconhecimento do genocídio armênio nos EUA, onde estabeleceram um forte lobby e contam com a ajuda da presidente do Congresso americano, Nancy Pelosi, eleita em um distrito majoritariamente armênio. Países como Líbano, Síria, França e Argentina, assim como o Estado da Califórnia, reconhecem o genocídio.

Os Estados Unidos, porém, ainda não admitem oficialmente que ocorreu o genocídio de armênios. Em parte, por causa da força da Turquia, integrante da OTAN. Mas também existe a pressão do lobby de Israel, representado pela AIPAC, que atua em defesa dos interesses turcos, contra o reconhecimento do genocídio. Esta atitude provoca fissura na comunidade judaica dos EUA, que considera lamentável esta atitude da AIPAC, já que os judeus também foram vítimas de genocídio no Holocausto e deveriam estar do lado dos armênios, não dos turcos.

O país Armênia, com capital em Yerevan, é resultado da independência das áreas armênias pertences ao Império Russo. Posteriormente, a Armênia passou a integrar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Depois do colapso soviético, os armênios novamente se proclamaram independentes. Neste momento, a Turquia reconheceu o novo Estado. O choque, porém, se deu pela questão de Nagorno Karabakh, uma área disputada entre a Armênia e o Azerbaijão. A Turquia optou por ficar do lado dos azeris e rompeu com a Armênia. Agora, os dois lados chegaram a um acerto sobre este tema. Já o genocídio não é tão polêmico, pois os armênios de Yeravan não foram as vítimas.

O lobby armênio em Washington e também em Beirute está inconformado com Yerevan querendo assumir a posição de negociador desta questão. Os armênios até hoje dizem se sentir mais à vontade como libaneses, palestinos (os de Jerusalém se consideram palestinos e não simpatizam com Israel) e sírios do que entre os armênios de Yerevan.

Portanto, existe o povo armênio da diáspora, vítima do genocídio, e o país Armênia, que resultou do Império Russo.

Os armênios são um povo cristão, em sua maioria ortodoxa, mas também com alguns católicos. Além do Império Russo e Otomano, eles também viviam na antiga Pérsia. Muitos ainda vivem no Irã. O próprio Agassi é originalmente iraniano. Kia Joorabchian, que teve negócios com o Corinthians, também. Eles falam armênio, com diferenças acentuadas entre os de Yeravan e os da diáspora. O alfabeto é mesmo. A culinária é distinta, com os da diáspora adotando hábitos mais próximos de libaneses e sírios. Como escrevi aqui outro dia, o restaurante que mais gosto em Beirute é armênio.

Os armênios, no Líbano, Síria e territórios palestinos, são tão aceitos quanto os árabes.